Durante os dois conflitos mundiais deste século (N.E.: século XX), o de 1914-1918 e o de 1939-1945, o submarino de ataque demonstrou toda a sua
potencialidade como arma destrutiva na guerra naval, seja contra unidades bélicas de superfície, seja contra navios mercantes. Na Segunda Guerra Mundial, desapareceram 5.411 navios mercantes aliados ou
neutros, representando 21,5 milhões de toneladas de arqueação bruta (tab) e, deste total, 2.775 navios (ou cerca de 50% do total) foram afundados (ou postos totalmente fora de serviço) por submarinos, valendo cerca de 14,5 milhões de tab.
Se o número de mercantes afundados no período 1939-1945 não foi superior ao da Primeira Guerra, isto deveu-se pura e simplesmente ao fato da imediata introdução do sistema de comboios, sistema que não havia sido
utilizado, a não ser muito tarde, no conflito de 1914-1918.
A trágica lição do biênio 1917-1918 (quando cerca de 3.300 vapores aliados, neutros ou britânicos foram afundados por submarinos dos impérios centrais) havia sido aprendida pelos aliados em 1939, sobretudo se
levarmos em conta que a redutível arma submarina alemã havia, desde setembro desse ano, revelado sua potencialidade destrutiva, iniciando uma campanha de guerra do tipo "sem restrições".
A armadora britânica Lamport & Holt (L&H) encontrava-se em pleno período de expansão, quando eclodiu a guerra de 1914-1918. Entre 1901 e 1913, haviam entrado em
serviço com suas cores nada menos do que 27 vapores de nova fabricação
No início de 1914, a L&H ordenou a construção de mais oito vapores, dois da série H e seis da série M, elevando, assim, para 35 o número de unidades ordenadas em apenas 15 anos do início deste século.
Muitos desses 35 vapores acabariam por ser vítimas do primeiro ou do segundo conflito mundial, respectivamente, nove e oito vapores, a maioria torpedeados por submarinos alemães.
A embarcação media 133 metros de comprimento e foi construída no Estaleiro Harland & Wolff
Foto: reprodução, publicada com a matéria
A classe M da L&H foi constituída (por ordem de construção e entrada em serviço) pelos vapores Memling, Meissonier, Murillo, Moliere, Marconi e Millais, todos com
tonelagem próxima a 7.300 tab.
Eram cargueiros refrigerados, destinados ao serviço de linha, de desenho convencional e um perfil clássico, com proa (frente) e popa (ré) realçadas e superestrutura central, onde tronejava uma gigantesca chaminé de
20 metros de altura, o que tornava esses navios inconfundíveis com quaisquer outros.
Todos foram construídos na Escócia e lançados entre 1915 e 1917.
Dos seis, o Meissonier, Murillo e Moliere eram navios-irmãos, no sentido mais puro da palavra, pois tinham o mesmo desenho de prancha, exatamente a mesma tonelagem (7.206 tab) e a mesma origem,
ou seja, o Estaleiro Russel & Co., de Glasgow.
O Marconi e o Millais eram ligeiramente maiores, entregues ambos em 1917 pelo Estaleiro Harland & Wolff, de Glasgow.
O Memling foi um produto da A. MacMillan & Son, de Dumbarton, e o primeiro a ser entregue, o primeiro a desaparecer, tendo vida útil de apenas pouco mais de dois anos.
Foi torpedeado sem aviso prévio em 3 de outubro de 1917 nas proximidades do Porto de Brest, quando realizava viagem de Montreal (Canadá) a Bordeaux (França), com um carregamento de carne frigorificada, e não houve
vítimas a lamentar por ocasião de sua perda.
O Moliere foi o mais afortunado da série, pois sobreviveu aos dois conflitos mundiais e isto apesar de sua intensa utilização, sobretudo no período 1939-1945, quando navegou com as cores da
Royal Mail e com o nominativo de Nela. Este vapor seria desmantelado em 1946 por razões de idade e cansaço estrutural.
O Murillo, rebatizado Nalon pela Royal Mail em 1932, teria seu fim provocado por dois bombardeiros alemães da Luftwaffe (Força Aérea da Alemanha) do tipo FW-200, que lhe despejaram uma dúzia de bombas
aéreas de grosso calibre no dia 6 de novembro de 1940.
O vapor encontrava-se então nas coordenadas 54º Norte de latitude e 15º Oeste de longitude, em viagem de Beira (Moçambique) a Glasgow, Escócia, com 5.800 toneladas de carga geral em seus porões, dos quais 3.800
toneladas eram lingotes de cobre; todos os seus 72 tripulantes puderam salvar-se.
O Marconi foi o seguinte a desaparecer, despachado para o fundo do Atlântico pelo submarino alemão U-109, do comandante Fischer. O navio da L&H fazia parte, na ocasião, do comboio HX-126, que
havia saído de Liverpool (Inglaterra) alguns dias antes em direção a Halifax (Nova Escócia, no Canadá).
O Marconi viajava em lastro e sua destinação final deveria ser os portos de Rio Grande (Rio Grande do Sul) e Buenos Aires (Argentina), onde embarcaria um grande volume de carne frigorificada.
Tal coisa nunca aconteceria, pois o vapor foi alvo de dois torpedos disparados do U-109, um dos quais foi explodir no seu costado, partindo-se em dois e o afundamento [ocorreu]
em apenas meia hora. Eram 23 horas da noite de 20 de maio de 1941 e, das 78 pessoas a bordo, só 56 puderam ser salvas.
O Meissonier também foi vítima de um submarino, porém a bandeira deste não levava a cruz gamada da Kriegsmarine (Marinha de Guerra) alemã.
Em 1933, tal como os seus dois outros irmãos gêmeos, o Meissonier fora incorporado aos ativos da Royal Mail Lines e rebatizado Nasina.
Dois anos mais tarde, colocado à venda pela armadora britânica, foi adquirido pela Societá di Navigazione Garibaldi, de Gênova (Itália), da qual recebeu a nova denominação de Asmara.
Em 1939, o navio foi requisitado pela Marinha italiana e classificado como transporte auxiliar com o mesmo nome.
Foi nessa qualidade que o Asmara recebeu um torpedo em 11 de setembro de 1943, ao largo de Brindisi (Itália), enviado pelo submarino britânico Unshaken, causando-lhe a perda total. O relito (resto)
permaneceu nas águas rasas desse porto até 1953, quando foi içado para desmonte.
Tal como todos os outros cinco navios da série M, o Millais havia iniciado a carreira mercante na Rota de Ouro e Prata (Brasil e Argentina), realizando viagens redondas - de ida e volta - entre
portos ingleses e portos platinos (com esporádicas escalas em portos brasileiros), transportando sobretudo carne resfriada ou congelada de Buenos Aires a Londres, carne esta de origem bovina ou ovina.
O Millais permaneceu na rota sul-americana, por conta da L&H, até 1938. Note-se que, da data do lançamento ao mar até 1934, o vapor esteve registrado como pertencente à Liverpool, Brazil and River Plate S.N.
Co., uma subsidiária da Lamport & Holt, à propriedade da qual passsou naquele ano.
Em janeiro de 1938, foi adquirido por outra armadora do grupo holding (controlador) Royal Mail, a Blue Star Line, que o rebatizou Scottish Star. Com
esse novo nome e com a famosa estrela azul da armadora na chaminé, o Scottish Star continuou servindo a linha da costa Leste da América do Sul por bem mais seis anos e com raríssimas interrupções.
Foi durante uma dessas viagens Reino Unido-Prata que chegou ao fim. Havia deixado Liverpool no início de fevereiro de 1942, integrando um comboio que deveria atravessar o Atlântico Norte.
Dez dias mais tarde, em algum ponto do meio do oceano, o Scottish Star destacou-se do comboio para prosseguir como escoteiro a viagem que o levaria a Trinidad, onde estava prevista uma escala de
reabastecimento de carvão.
Às 9 horas do dia 19 daquele mês, quando se encontrava a 700 milhas (1.300 quilômetros) a Noroeste de Trinidad, o navio foi subitamente torpedeado na altura do porão nº 3, a boreste (lado direito).
A força da explosão fez com que saltassem as placas do casco e, pelo enorme buraco, penetrasse o mar, que foi alagar a sala de máquinas e a carvoeira em apenas dez minutos.
Meia hora após o torpedeamento, o capitão Rhodes deu orem de abandonar o Scottish Star, que evidentemente estava afundando, nas coordenadas 13º24' Norte de latitude e 49º36' Oeste de longitude.
O ataque ao Scottish Star havia sido desferido pelo submarino italiano Luigi Torelli, sob o comando do capitão De Giacomo.
O Torelli era um submergível da classe Marconi (que era composta de seis unidades), entregue à Marinha italiana no decorrer de 1940 e armado com oito torpedos de 533 milímetros e um canhão de 100
milímetros. Encontrava-se na ocasião perlustrando uma área de oceano no assim denominado setor de Trinidad, como parte de uma matilha de submarinos do Eixo que formavam o segundo grupo Neuland.
Ao avistar o Scottish Star, De Giacomo encontrava-se com seu submarino exatamente na linha da rota Nova Iorque-Natal (Estados Unidos-Brasil), não muito distante do ponto onde cinco dias mais tarde o
submarino do seu amigo e colega Longanesi-Cattani, o Leonardo da Vinci, atacaria, afundando o vapor brasileiro Cabedelo (ver Guerra no Mar de 25 de junho de 1992). |