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Edição 128 - Fev/2004

Comportamento

Em construção, a nova mulher

Lutadora e romântica, a nova imagem feminina é uma síntese das últimas décadas

Carlos Pimentel Mendes (*)

De escrava, passou a dominadora, mas esse papel não a satisfez. Agora, o mundo caminha para um novo equilíbrio de forças, em que os papéis tradicionais do homem e da mulher vão sendo redefinidos, e nesse processo é forçosa uma revisão de conceitos até milenares. Mas ainda há muito a ser feito para que esse movimento pendular entre radicalismos à direita e à esquerda termine, completando o ciclo da emancipação feminina e plena igualdade de condições sociais.

Um casal entra no bar, e pede uma cerveja para ela e um suco de laranja para ele. É quase certo que o garçom entregará o suco a ela e a cerveja ao homem. Este é um exemplo de como certos conceitos e preconceitos estão arraigados na mente das pessoas, e de como há muito o que fazer nesse campo.

Quarenta anos depois de queimarem sutiãs em manifestações públicas para afirmarem sua igualdade com os homens, as mulheres começam a perceber que querem ser tratadas como desiguais. Diferentes, não inferiores ou superiores, apenas diferentes.

E nesta nova era, em que velhas atividades vão sendo relegadas às máquinas, em que a competição começa a ser em nível cerebral e não mais em termos de esforço físico, em que habilidades tipicamente femininas vão ganhando importância no mundo empresarial, há um mundo de oportunidades para que velhos conceitos sejam demolidos e a mulher crie um novo papel para si. 

É enfim a oportunidade da mulher atingir o ideal bíblico original de ser a companheira do homem, como citado no Gênesis (1, 27), ou ainda como disse Paulo de Tarso - "...não há varão nem fêmea..." (Gal. 3, 28) - antes que seu papel fosse interpretado e subvertido a partir de normas circunstanciais desse apóstolo: "A mulher aprenda em silêncio com toda sujeição... porque Adão foi formado primeiro, depois Eva; Adão não foi enganado, mas a mulher, sendo seduzida..." (I Tim. 3, 11-15).


Mulheres de mãos dadas: mural em Windhoek, Namibia
Foto: Nações Unidas

História - Não cabe aqui historiar vários milênios de preconceito e sujeição, e é desnecessário demonstrar o resultado de tão largo período de dominação, ou relembrar as lutas feministas, desde as sufragistas londrinas de 1868 até os modernos movimentos de libertação feminina. 

Mesmo porque a própria origem da data é hoje colocada em dúvida, pois o episódio em que 130 mulheres grevistas teriam morrido queimadas numa indústria têxtil em New York não tem documentação histórica: foi em 8/3/1857, como se decidiu aceitar na conferência internacional de mulheres realizada em 1910 na Dinamarca, que criou a homenagem? Ou em 25/3/1911, quando de fato ocorreu um incêndio na fábrica têxtil Triangle Shirtwaist Company, com a morte de muitas mulheres (principalmente jovens imigrantes)? Ou ainda num domingo (dia incomum para uma greve), 8/3/1908, quando se conta que várias grevistas teriam morrido na fábrica Cotton em New York? 

Presume-se hoje que a história do incêndio tenha sido forjada em 1955 para tirar o caráter comunista que o movimento das trabalhadoras começava a ganhar (pois o Woman’s Day foi criado por mulheres socialistas em 1909), e que na verdade a origem do Dia Internacional da Mulher teria sido uma passeata de 15 mil trabalhadoras novaiorquinas em 1908 ou 1911.

De 75% a 80% dos 27 milhões de refugiados do mundo são mulheres e crianças:
vietnamita e criança num acampamento de refugiados na ilha Koh Paed, Laeom Sing, Tailândia
Foto: Nações Unidas
Novo papel - Ao mesmo tempo em que demograficamente vão se tornando maioria, e cada vez mais exercem atividades até agora reservadas aos homens, indo ao extremo de se masculinizarem num grau maior ou menor, as mulheres voltam a suspirar por tempos em que tinham privilégios e recebiam cuidados cavalheirescos hoje quase desaparecidos. 

Muitas lutam agora contra as próprias companheiras mais radicais, pelo direito de serem apenas donas de casa e cuidarem de seus filhos, sem que isso implique em serem rotuladas como conservadoras ou desinteressadas. Afinal, esse é um trabalho tão importante e necessário como os demais.

Diferencial - Nas atividades econômicas, diante de uma competição pelo mercado em níveis nunca vistos antes, qualquer diferencial bem aproveitado pode ser o segredo do sucesso. E as empresas estão descobrindo que as mulheres, embora enfrentem problemas no exercício da liderança dentro de padrões masculinos, têm, entretanto, seus trunfos nessa disputa, na forma de habilidades inatas ao gênero feminino. 
Cabe às empresas inteligentes somar o melhor de dois mundos, tirando partido das diferenças existentes e combinando as habilidades próprias de cada sexo. Às mulheres, cabe tirar proveito de suas próprias características comportamentais, mesmo as porventura resultantes do processo cultural de dominação masculina. Que, na pesquisa feita pela escritora Norma Carr-Ruffino (A Mulher Bem Sucedida, Editora Market Books Brasil, São Paulo/SP, 2000), são, para a mulher gerente (na opinião dos próprios colegas homens e mulheres):
 

Habilidades masculinas Gênero neutro Habilidades femininas
Assertiva
Independente
Analítica
Competitiva
Dominante
Autocrática
Agressiva
Dura
Adaptável
Diplomática
Sincera
Comprometida
Inovadora
Inspirada
Confiável
Sistemática
Eficaz
Gentil, educada
Compreensiva
Piedosa
Sensível
Emotiva
Sentimental
Submissa
Dependente
Irritável

Norma cita que Alice Sargent (autora de Androgynous Manager) descobriu, em recente pesquisa, que executivos e executivas bem sucedidos se descreveram como uma mistura igual de características que foram consideradas femininas e masculinas. Assim, cabe às mulheres desenvolverem pontos fortes que negligenciaram porque não eram tipicamente esperados delas na comunidade. Mas, sem esquecerem das características femininas inatas: "compreensão, compaixão, sensibilidade e educação são importantes para dar apoio ao crescimento e à realização do trabalhador. Quando essas características são traduzidas em bom relacionamento com os colegas de trabalho e no estabelecimento de uma comunicação de duas vias eficaz, uma distinta vantagem é fornecida para as mulheres".

Mulher senegalesa
Foto: Nações Unidas
Sexo - Também no comportamento relacionado ao prazer sexual houve evolução sensível, embora ainda incompleta. De objeto do desejo sexual masculino, artificialmente erotizada para a venda de todo tipo de produtos, a mulher passou ao papel de ser assexuado, negando sua libido em favor de uma participação maior no mercado de trabalho e da igualdade de competição com os concorrentes masculinos. Já em anos recentes, as mulheres redescobrem os encantos de serem femininas, mesmo sem abrir mão de serem feministas.

Nos últimos anos, até as pesquisas científicas vêm provando que a mulher nasceu para ter prazer no sexo, que sua vocação para a monogamia é decorrente apenas de imposição cultural, e que ela gosta tanto do prazer sexual quanto o homem. Curioso: só em 1998 a ginecologista Helen O’Connell, do Hospital Real de Melbourne (Austrália) descobriu que o clitóris mede até 9 cm, quase o dobro do que antes se imaginava. E tem 8.000 fibras nervosas, a maior concentração dessas fibras num corpo humano, capacitando a mulher a uma sofisticação bem maior que a masculina, na busca pelo prazer.

Essas constatações, e os avanços científicos em termos de contraceptivos, abrem o caminho para a construção de uma nova mulher, também nesse aspecto. Assim, depois de milênios de convivência - não obstante o descompasso na evolução humana entre as diversas regiões do mundo -, pode ser que, enfim, homens e mulheres estejam próximos de se reconhecerem como os companheiros de viagem que são, neste Universo tão desconhecido em que vivemos. 

(*) Carlos Pimentel Mendes é editor do jornal eletrônico Novo Milênio


A mulher em Soweto, na África do Sul: revisão de conceitos milenares
Foto: Nações Unidas

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