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Edição 118 - MAR/2003 

Memória 

Guerra no Iraque ameaça patrimônio mundial (3)

Carlos Pimentel Mendes (*)

Uma das estelas do Codex Hammurabi, no Museu Britânico (Londres)
Imagem: Enciclopédia Mirador Internacional, 1980, ed. Encyclopaedia Britannica, Rio de Janeiro/RJ

Fontes do poder – O bronze (liga de cobre e estanho) surgiu pela primeira vez no Oriente Próximo, uns seis mil anos atrás. E transformou a própria arte da guerra, ao destacar as poderosas elites, com armas e armaduras nesse metal, acima das pessoas comuns que tinham apenas arco e flechas, maças ou machados de pedra. A roda foi primeiro empregada nessa mesma época pelos oleiros, para facilitar o preparo da cerâmica. Logo, supõe-se, alguém imaginou usar a roda na criação das primeiras carroças para o transporte da cerâmica vendida às aldeias do Sul do Iraque.

E os povos que viviam no curso inferior do Tigre e do Eufrates eram marinheiros: usaram jangadas simples por milhares de anos, e aprenderam a construir embarcações com proas pontudas e velas para descer pelo Golfo Pérsico. Em Uruc, 250 km a Sudeste de Bagdad, "todos se vestem com vistosas roupas, onde todo dia é feriado", contava o grande poema épico sumério Gilgamés, exaltando a cidade próspera onde viviam as famílias de comerciantes, proprietários de barcos que chegavam à Índia. Ali surgiu o mito de uma cidade pavimentada com ouro - e o preconceito de que o trabalhador rural é socialmente inferior ao citadino. 

E ainda, a supremacia da vida religiosa sobre as atividades comuns: surgiram ali os primeiros templos monumentais, bem como o controle burocrático-executivo dos religiosos sobre as atividades econômicas - raízes da idéia do direito ao poder por atribuição divina aos ungidos - Gilgamés que o diga. O primeiro título de autoridade citado num texto primitivo - o de "En" ("senhor") consta numa inscrição encontrada em Ur (entre Bagdad e Basra), de cinco mil anos atrás. Curiosamente, foi atribuído a uma mulher, sacerdotisa.


Gilgamés, rei de Uruc, em programa especial  sobre o Mesopotâmia
Imagem: TV 5, de Paris, França, em 22/03/2003 às 11h35 (hora de Brasília)

Um paralelo curioso: o presidente dos EUA, quase invocando uma guerra santa, atropelou as decisões da ONU para iniciar o ataque. Gilgamés, que se dizia escolhido pelos deuses para ser rei de Uruc, quando quis guerrear contra seus inimigos, teve de buscar a aprovação dos anciãos da cidade. Não a conseguindo, Gilgamés substituiu esses conselheiros por homens mais jovens que imediatamente autorizaram o ataque...

Pela Mesopotâmia transitaram - se não surgiram ali mesmo - os primeiros sinais da escrita e da contabilização (números). Que nos permitiram conhecer a história dos milênios seguintes, aqui resumida a poucas palavras altamente significativas para o leitor: Babilônia (e seus jardins suspensos), Fenícia (e seus navegantes), Hamurábi (e seu código)...


Ruínas em Mari, no Iraque, em programa especial  sobre o Mesopotâmia
Imagem: TV 5, de Paris, França, em 22/03/2003 às 11h44 (hora de Brasília)

(*) Carlos Pimentel Mendes é jornalista, editor do jornal eletrônico Novo Milênio.

Veja as partes [1], [2] e [4] desta matéria e também:
A guerra visível e a guerra secreta