Memória
Guerra no Iraque
ameaça patrimônio mundial (2)
Carlos Pimentel Mendes (*)
Ruínas
do palácio de Nabucodonosor (século VI antes de Cristo),
na Babilônia
Imagem: Grande
Enciclopédia Larousse Cultural, 1998,
Ed. Nova Cultural
Ltda./Folha de S.P., S.Paulo/SP
100 séculos – Os primeiros
indícios da presença humana no planeta datam de quase cem
mil anos, na região da atual Etiópia
- um dos lugares onde se imaginava estar o Paraíso Terreal. Nos
30 mil anos seguintes, começaram as migrações em direção
à Ásia e a Europa, passando obrigatoriamente pela Mesopotâmia.
Ali, os ventos úmidos do Mediterrâneo criaram uma área,
o Crescente Fértil, onde foram registrados os primeiros cultivares
e os agricultores fizeram suas primeiras experiências de seleção
genética de variedades de cereais. A propósito, também
ali e na mesma época são registradas as primeiras seleções
genéticas para adaptar cabras, carneiros e lobos à vida doméstica
("Dolly"...).
Se sobreviver às guerras,
talvez um grão de trigo silvestre daqueles tempos, a ser encontrado
por um arqueólogo, possa ter seu DNA aproveitado para aperfeiçoar
o trigo atual... Ou, quem sabe, técnicas para produção
de óleo a partir de vegetais, criadas ali por volta de 7.000 a.C.,
e que os arqueólogos encontrem numa futura escavação,
sirvam para livrar o mundo da ameaça de falta de combustível
fóssil (já que os brasileiros não conseguiram se entender
com seu Proálcool).
Muros da
Babilônia, no Iraque
Imagem: Enciclopédia
Mirador Internacional, 1980, ed. Encyclopaedia Britannica, Rio de Janeiro/RJ
Há cinco milênios, dominado
o processo de fermentação para produzir álcool, os
vinhedos do Sul da Mesopotâmia exportavam vinho para o Egito.
Cena entalhada num cilindro de lápis-lazúli mostra como os
sumérios bebiam cerveja de jarras fundas, usando um canudo para
perfurar a espessa espuma formada na superfície da bebida durante
a fermentação. Beber cerveja era uma atividade coletiva -
vários canudos emergiam da mesma jarra.
Pilão
e almofariz de pedra, encontrados no Iraque e datados de 7000 a 4000 a.C.,
provam que os primeiros agricultores do Oriente Médio desenvolveram
técnicas para transformar os grãos de trigo e cevada em vários
tipos de alimento.
Imagem: História
em Revista - A Aurora da Humanidade, 1993,
Time-Life/Abril
Livros Ltda., Rio de Janeiro/RJ
O senso de coletividade, de viver em
comunidade, surgiu na Mesopotâmia, onde, cinco mil anos antes de
Cristo, foi institucionalizado o culto em honra de Enki, a divindade protetora
que comandava o suprimento de água da cidade de Eridu (que consta
nos mapas atuais). Como o edifício em honra a essa divindade se
mantivesse sólido com o passar do tempo, construiam-se novos edifícios
sobre seus alicerces. Assim, a obra assumiu a forma de uma alta torre em
degraus, ou zigurate - forma arquitetônica reproduzida mundo afora.
O Zigurate
de Ur, de cerca de 2.150 a 2.050 a.C., bem conservado devido à fachada
de tijolos que recobre toda a torre em degraus. Podem ser vistos na foto
os orifícios no revestimento de tijolos, que teriam sido feitos
para evitar que os tijolos de barro se rachassem durante a estação
chuvosa.
Imagem: O
Mundo da Arte - Mundo Antigo, de Giovanni Garbini, 1979,
ed. Encyclopaedia
Britannica do Brasil, Rio de Janeiro/RJ
O adensamento populacional levou
à necessidade de ampliar a produção agrícola:
daí surgiram os primeiros sistemas de irrigação, uma
complexa rede de canais de água. O uso de animais de tração
foi ali aprendido pelo homem. Surgiu também na Mesopotâmia
a técnica do rodízio entre os campos cultivados, para permitir
o descanso do solo - que mesmo hoje muitos agricultores no Brasil não
aprenderam.
Em um friso
de pedra de 3.000 a.C. descoberto no atual Iraque no templo dedicado a
Ninhursag, a deusa do nascimento, figuras em calcário de sacerdotes
sumérios parecem estar transformando leite em manteiga
Imagem: História
em Revista - A Aurora da Humanidade, 1993,
Time-Life/Abril
Livros Ltda., Rio de Janeiro/RJ
Com ampla produção, comunidades
como a Jericó da era Neolítica aprenderam a comerciar e trocar
os excedentes - e conhecimentos. No mesmo lugar onde os jornalistas atuais,
com transmissores portáteis de som e imagem por satélite,
noticiam a queda das bombas em meio às tempestades de areia, foram
registrados os avanços na linguagem - e as divergências entre
os primeiros ramos lingüísticos, origem da mítica Babel.
Lá surgiram as primeiras muralhas para proteger povoados mais prósperos
contra saqueadores.
Representação
da Torre de Babel, em programa especial sobre o Mesopotâmia
Imagem: TV
5, de Paris, França, em 22/03/2003 às 11h53 (hora de Brasília)
Nove mil anos atrás, habitantes
de Jericó evitavam ângulos retos entre as paredes de suas
casas e o chão, que dificultavam a retirada da sujeira e da poeira.
As modernas donas-de-casa, cujos esfregões e aspiradores de pó
ainda não alcançam direito esses pontos, agradeceriam se
os atuais construtores aprendessem esta lição milenar.
Ali se desenvolveu a metalurgia:
numa tumba de Tepe Gawra, no Norte do atual Iraque, foram encontradas várias
peças de eletro - uma liga natural de ouro e prata - fundidas habilmente
na forma de uma cabeça de lobo de apenas 3 cm. Tais técnicas
elevaram o valor dos minerais: surgiram as primeiras minas escavadas no
solo.
Vaso de
Khafajah, início do período Dinástico, começo
do terceiro milênio antes de Cristo, conservado no Museu do Iraque,
em Bagdad. Esta assim chamada cerâmica escarlate testemunha
a existência de uma unidade cultural isolada, partilhada pelo Elam
e pela Mesopotâmia oriental, mesmo após o desenvolvimento
da civilização sumeriana na parte Sul da Mesopotâmia
Imagem: O
Mundo da Arte - Mundo Antigo, de Giovanni Garbini, 1979,
ed. Encyclopaedia
Britannica do Brasil, Rio de Janeiro/RJ
(*) Carlos
Pimentel Mendes é jornalista, editor do jornal eletrônico
Novo
Milênio.
Veja as partes [1],
[3] e [4]
desta matéria e também:
A
guerra visível e a guerra secreta |