Internacional
A guerra visível
e a guerra secreta (1)
Há mais coisas entre
o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia...
Carlos Pimentel Mendes (*)
O mundo
tenta se preparar para sofrer as conseqüências de mais um conflito.
Que, poucos sabem, é apenas mais um entre umas 30 guerras localizadas
que ocorrem neste momento, sendo que em metade delas, pelo menos, existe
alguma participação dos Estados Unidos. Então, por
quê a preocupação especial com o Iraque?
A questão é que, bem
no ponto bíblico onde surgiram as grandes religiões monoteístas
do mundo, há uma convergência de interesses religiosos, econômicos
e políticos, difícil de (re)mediar, pela intensidade do envolvimento
de cada facção. Vence o islamismo ou o cristianismo? Árabes
ou judeus? Ou os chineses, que já se preparam para levantar vôo
como nova potência mundial?
Instalações
de refino Train 5 da Chevron, em Tergiz
Foto: Kev
Robertson/Chevron
O petróleo, cujas reservas
mundiais - na atual média de consumo - duram no máximo mais
50 anos - é vital ainda para a economia ocidental. Se o Brasil quase
tem sua autonomia no setor, os Estados Unidos têm de manter um nível
de reservas para abastecer o país por uns cinco anos, tempo que
têm para encontrar nova matriz energética e converter para
ela toda a sua economia. Ou seja, enfrentarão uma crise econômica
sem precedentes em sua história (no mínimo, com o custo da
transformação dos sistemas).
Quando lembramos que o Brasil endividado
sofre enormes pressões dos credores, e sabemos que os EUA têm
também uma grande dívida pública, fica fácil
entender como tal abalo em sua credibilidade pode colocar em risco a própria
credibilidade do dólar como moeda de referência no câmbio
mundial - que tem sido escolhida apenas por sua estabilidade como moeda
de troca.
As linhas
mostram os oleodutos e gasodutos existentes e propostos na região,
destacando-se o Afeganistão, que teve derrubado o governo do Taliban
ao não concordar com a instalação de tais equipamentos
em seu território
Mapa reproduzido
do site Caspian
Basin Alert/Worldpress
Debilidade percebida – Gigante
com pés que parecem cada vez mais de barro, os Estados Unidos tremem
ante a possibilidade de um ataque terrorista, como resultado dos ataques
de 11 de setembro de 2001 e das inexplicadas cartas com antraz. Eles descobriram
que não mais podem atacar impunemente outros países, seu
enorme arsenal é impotente contra ataques em que o inimigo é
invisível e pode estar bem ao lado.
A se acreditar que Osama Bin Laden
foi o responsável pelos ataques - também há teorias
baseadas na total falta de ética dos capitães da indústria
estadunidense, semelhantes às práticas pré-Segunda
Guerra de certas multinacionais então ligadas a Hitler - é
curioso como o ex-grande amigo do governo estadunidense continua solto
pelo mundo, apesar de toda a parafernália militar colocada em seu
encalço, e da quase destruição de um país (o
Afeganistão) para capturá-lo.
No momento em que apoiaram a Aliança
do Norte (produtora de narcóticos, tanto que a primeira medida do
novo governo pós-Talibã foi liberar o cultivo da papoula),
os EUA deixaram claro que sua política externa não tem nada
a ver com a defesa dos valores maiores da democracia ocidental. Como justificarão
a guerra aos narcotraficantes colombianos? Ao apoiarem Israel nas atrocidades
contra a Palestina - quando o mais lúcido seria apoiar uma força
de paz a ser colocada imediatamente entre os dois beligerantes -, os EUA
perdem a moral para condenar outras atrocidades mundo afora. Ao recuarem
ante a ameaça nuclear da Coréia do Norte, perdem até
mesmo a justificativa sempre apresentada para o ataque ao Iraque.
Caídas as máscaras,
fica claro ao mundo que tudo não passa de um jogo de poder, jogo
em que tecnologias como a Internet impedem que os adversários possam
ser silenciados: a maioria dos países já não aceita
jogar o mesmo jogo dos estadunidenses. A pressa dos EUA, mal disfarçando
que o trabalho das Nações Unidas não alterará
sua decisão de atacar o Iraque, mostra que a preocupação
do presidente George Bush não se pauta pela ética e moralidade,
mas pelos interesses que o elegeram - as indústrias de armas e do
petróleo.
Então, o primeiro motivo escondido
para a guerra seria os EUA testarem seus novos armamentos - a serem vendidos
mundo afora, após ser demonstrada a sua eficiência. Ao mesmo
tempo, alguns países já fazem a partilha tão descarada
dos futuros despojos econômicos iraqueanos - seu petróleo,
e o controle dessa área vital na geopolítica - que muitos
governos reagem com indignação (ou por serem excluídos
da partilha, ou por ser ela tão explícita que não
poderiam explicá-la aos eleitores).
Sob esse primeiro manto de razões,
há outra camada de interesses, menos conhecida. Analistas comentam
que a razão de mais um ex-aliado dos EUA se tornar seu inimigo número
1 seria ter Saddan Hussein substituído o dólar estadunidense
pelo euro, a moeda européia, no comércio de seu petróleo.
Seria este o verdadeiro perigo, ainda mais que tal idéia é
simpática ao Irã, talvez à Venezuela e a todos os
governos insatisfeitos com a política estadunidense. Sem falar que
a Europa acolheria alegremente essa troca de moeda.
Conseqüências –
Calcula-se que a substituição de moeda nos negócios
petrolíferos faria os importadores de petróleo se livrarem
de reservas em dólar para comprar euros, e a súbita oferta
do dólar, dentro da velha lei de oferta e demanda, causaria sua
desvalorização entre 20 e 40%, causando seu colapso e, por
tabela, da economia dos EUA. Algo semelhante ao que aconteceu recentemente
- em menores proporções - no Brasil e na Argentina. E, se
os países do Terceiro Mundo estão acostumados com tais crises,
inflação galopante etc., isso é algo inédito
nos EUA. Ao menos para quem nasceu após a quebra das Bolsas em 1929.
O Iraque fez a opção
pelo euro em novembro de 2000, quando a moeda européia valia uns
US$ 0,80, livrando-se dos efeitos da depreciação em 15% do
dólar frente ao euro, em 2002. Os EUA precisam fazer com que o Iraque
volte ao padrão dólar, castigando-o exemplarmente pela ousadia,
para que países como o Brasil não façam o mesmo, incentivados
pelos europeus. Não por acaso, a Inglaterra apóia os EUA:
os britânicos não aderiram ao euro e sua economia sofrerá
bastante, caso a moeda européia se fortaleça ainda mais.
Uma das conseqüências
da opção maciça pelo euro é que os EUA pagariam
muito mais pelo petróleo importado da Organização
dos Países Produtores de Petróleo (OPEP). Para evitar essa
desastrosa dependência, os EUA precisam encontrar campos petrolíferos
alternativos e agilizar também o transporte do petróleo desde
as regiões amigas, com oleodutos como o recém-concluído
pela Chevron e seus parceiros entre os mares Cáspio e Negro (e o
que o Taliban impediu que passasse pelo Afeganistão, em direção
a terminais marítimos no Paquistão - uma das razões
da guerra afegã). Os campos de petróleo na Eurásia
têm capacidade de 25 milhões de barris, suficientes para substituir
a produção do Kuwait, ou a produção combinada
do Alasca e do Mar do Norte. Detalhe: para que o jogo funcione, é
preciso que os EUA assegurem que os países da Eurásia não
se reunam numa nova União Soviética controlada por Moscou
e seu parceiro Irã. A geopolítica do petróleo vai
se complicando...
O governo estadunidense conhece tais
informações, muitas delas citadas em estudo do professor
Ariel Cohen da The Heritage Foundation (publicado em janeiro de 1996),
e sabe quão frágil está sua economia, ante tantas
ameaças de adversários cada vez mais espertos e fortes. Assim,
não é de estranhar o estudo divulgado via Internet, em que
certo professor de História em Brasília, citado como Said
Barbosa Dib, explicaria que o presidente Bush não é exatamente
o novo Hitler, como foi apostrofado pelo governo alemão, mas um
"um cidadão patriota que está tentando salvar os EUA da bancarrota,
impedir a queda do Império sob seu comando".
Como o provam as oscilações
na Bolsa de New York, o presidente Bush, como certo famoso alemão
de bigodinho, não encontra outra saída senão o ataque
rápido, para tentar reverter o quadro que vai se fechando sobre
sua cabeça. O que menos importa agora são as explicações
que ele terá de dar ao mundo para o crime de atacar maciçamente
a população civil de um país desarmado.
Mapa divulgado
pela Chevron mostra o traçado do novo oleoduto, entre o Mar Cáspio
e o mar Negro
Mapa desenhado
por Helene S. Moore/Chevron
(*) Carlos
Pimentel Mendes é jornalista, editor do jornal eletrônico
Novo
Milênio.
Veja:
A
guerra visível e a guerra secreta (abertura)
A
guerra visível e a guerra secreta (2) - análises em inglês
e francês
A
guerra visível e a guerra secreta (3) - comentários na Internet |