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Edição 117 - FEV/2003 

Internacional 

A guerra visível e a guerra secreta (1)

Há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia...

Carlos Pimentel Mendes (*)

O mundo tenta se preparar para sofrer as conseqüências de mais um conflito. Que, poucos sabem, é apenas mais um entre umas 30 guerras localizadas que ocorrem neste momento, sendo que em metade delas, pelo menos, existe alguma participação dos Estados Unidos. Então, por quê a preocupação especial com o Iraque?

A questão é que, bem no ponto bíblico onde surgiram as grandes religiões monoteístas do mundo, há uma convergência de interesses religiosos, econômicos e políticos, difícil de (re)mediar, pela intensidade do envolvimento de cada facção. Vence o islamismo ou o cristianismo? Árabes ou judeus? Ou os chineses, que já se preparam para levantar vôo como nova potência mundial?


Instalações de refino Train 5 da Chevron, em Tergiz
Foto: Kev Robertson/Chevron

O petróleo, cujas reservas mundiais - na atual média de consumo - duram no máximo mais 50 anos - é vital ainda para a economia ocidental. Se o Brasil quase tem sua autonomia no setor, os Estados Unidos têm de manter um nível de reservas para abastecer o país por uns cinco anos, tempo que têm para encontrar nova matriz energética e converter para ela toda a sua economia. Ou seja, enfrentarão uma crise econômica sem precedentes em sua história (no mínimo, com o custo da transformação dos sistemas).

Quando lembramos que o Brasil endividado sofre enormes pressões dos credores, e sabemos que os EUA têm também uma grande dívida pública, fica fácil entender como tal abalo em sua credibilidade pode colocar em risco a própria credibilidade do dólar como moeda de referência no câmbio mundial - que tem sido escolhida apenas por sua estabilidade como moeda de troca. 


As linhas mostram os oleodutos e gasodutos existentes e propostos na região, destacando-se o Afeganistão, que teve derrubado o governo do Taliban ao não concordar com a instalação de tais equipamentos em seu território
Mapa reproduzido do site Caspian Basin Alert/Worldpress

Debilidade percebida – Gigante com pés que parecem cada vez mais de barro, os Estados Unidos tremem ante a possibilidade de um ataque terrorista, como resultado dos ataques de 11 de setembro de 2001 e das inexplicadas cartas com antraz. Eles descobriram que não mais podem atacar impunemente outros países, seu enorme arsenal é impotente contra ataques em que o inimigo é invisível e pode estar bem ao lado.

A se acreditar que Osama Bin Laden foi o responsável pelos ataques - também há teorias baseadas na total falta de ética dos capitães da indústria estadunidense, semelhantes às práticas pré-Segunda Guerra de certas multinacionais então ligadas a Hitler - é curioso como o ex-grande amigo do governo estadunidense continua solto pelo mundo, apesar de toda a parafernália militar colocada em seu encalço, e da quase destruição de um país (o Afeganistão) para capturá-lo.

No momento em que apoiaram a Aliança do Norte (produtora de narcóticos, tanto que a primeira medida do novo governo pós-Talibã foi liberar o cultivo da papoula), os EUA deixaram claro que sua política externa não tem nada a ver com a defesa dos valores maiores da democracia ocidental. Como justificarão a guerra aos narcotraficantes colombianos? Ao apoiarem Israel nas atrocidades contra a Palestina - quando o mais lúcido seria apoiar uma força de paz a ser colocada imediatamente entre os dois beligerantes -, os EUA perdem a moral para condenar outras atrocidades mundo afora. Ao recuarem ante a ameaça nuclear da Coréia do Norte, perdem até mesmo a justificativa sempre apresentada para o ataque ao Iraque.

Caídas as máscaras, fica claro ao mundo que tudo não passa de um jogo de poder, jogo em que tecnologias como a Internet impedem que os adversários possam ser silenciados: a maioria dos países já não aceita jogar o mesmo jogo dos estadunidenses. A pressa dos EUA, mal disfarçando que o trabalho das Nações Unidas não alterará sua decisão de atacar o Iraque, mostra que a preocupação do presidente George Bush não se pauta pela ética e moralidade, mas pelos interesses que o elegeram - as indústrias de armas e do petróleo.

Então, o primeiro motivo escondido para a guerra seria os EUA testarem seus novos armamentos - a serem vendidos mundo afora, após ser demonstrada a sua eficiência. Ao mesmo tempo, alguns países já fazem a partilha tão descarada dos futuros despojos econômicos iraqueanos - seu petróleo, e o controle dessa área vital na geopolítica - que muitos governos reagem com indignação (ou por serem excluídos da partilha, ou por ser ela tão explícita que não poderiam explicá-la aos eleitores).

Sob esse primeiro manto de razões, há outra camada de interesses, menos conhecida. Analistas comentam que a razão de mais um ex-aliado dos EUA se tornar seu inimigo número 1 seria ter Saddan Hussein substituído o dólar estadunidense pelo euro, a moeda européia, no comércio de seu petróleo. Seria este o verdadeiro perigo, ainda mais que tal idéia é simpática ao Irã, talvez à Venezuela e a todos os governos insatisfeitos com a política estadunidense. Sem falar que a Europa acolheria alegremente essa troca de moeda.

Conseqüências – Calcula-se que a substituição de moeda nos negócios petrolíferos faria os importadores de petróleo se livrarem de reservas em dólar para comprar euros, e a súbita oferta do dólar, dentro da velha lei de oferta e demanda, causaria sua desvalorização entre 20 e 40%, causando seu colapso e, por tabela, da economia dos EUA. Algo semelhante ao que aconteceu recentemente - em menores proporções - no Brasil e na Argentina. E, se os países do Terceiro Mundo estão acostumados com tais crises, inflação galopante etc., isso é algo inédito nos EUA. Ao menos para quem nasceu após a quebra das Bolsas em 1929.

O Iraque fez a opção pelo euro em novembro de 2000, quando a moeda européia valia uns US$ 0,80, livrando-se dos efeitos da depreciação em 15% do dólar frente ao euro, em 2002. Os EUA precisam fazer com que o Iraque volte ao padrão dólar, castigando-o exemplarmente pela ousadia, para que países como o Brasil não façam o mesmo, incentivados pelos europeus. Não por acaso, a Inglaterra apóia os EUA: os britânicos não aderiram ao euro e sua economia sofrerá bastante, caso a moeda européia se fortaleça ainda mais.

Uma das conseqüências da opção maciça pelo euro é que os EUA pagariam muito mais pelo petróleo importado da Organização dos Países Produtores de Petróleo (OPEP). Para evitar essa desastrosa dependência, os EUA precisam encontrar campos petrolíferos alternativos e agilizar também o transporte do petróleo desde as regiões amigas, com oleodutos como o recém-concluído pela Chevron e seus parceiros entre os mares Cáspio e Negro (e o que o Taliban impediu que passasse pelo Afeganistão, em direção a terminais marítimos no Paquistão - uma das razões da guerra afegã). Os campos de petróleo na Eurásia têm capacidade de 25 milhões de barris, suficientes para substituir a produção do Kuwait, ou a produção combinada do Alasca e do Mar do Norte. Detalhe: para que o jogo funcione, é preciso que os EUA assegurem que os países da Eurásia não se reunam numa nova União Soviética controlada por Moscou e seu parceiro Irã. A geopolítica do petróleo vai se complicando...

O governo estadunidense conhece tais informações, muitas delas citadas em estudo do professor Ariel Cohen da The Heritage Foundation (publicado em janeiro de 1996), e sabe quão frágil está sua economia, ante tantas ameaças de adversários cada vez mais espertos e fortes. Assim, não é de estranhar o estudo divulgado via Internet, em que certo professor de História em Brasília, citado como Said Barbosa Dib, explicaria que o presidente Bush não é exatamente o novo Hitler, como foi apostrofado pelo governo alemão, mas um "um cidadão patriota que está tentando salvar os EUA da bancarrota, impedir a queda do Império sob seu comando". 

Como o provam as oscilações na Bolsa de New York, o presidente Bush, como certo famoso alemão de bigodinho, não encontra outra saída senão o ataque rápido, para tentar reverter o quadro que vai se fechando sobre sua cabeça. O que menos importa agora são as explicações que ele terá de dar ao mundo para o crime de atacar maciçamente a população civil de um país desarmado. 


Mapa divulgado pela Chevron mostra o traçado do novo oleoduto, entre o Mar Cáspio e o mar Negro
Mapa desenhado por Helene S. Moore/Chevron

(*) Carlos Pimentel Mendes é jornalista, editor do jornal eletrônico Novo Milênio.

Veja:
A guerra visível e a guerra secreta (abertura)
A guerra visível e a guerra secreta (2) - análises em inglês e francês
A guerra visível e a guerra secreta (3) - comentários na Internet