Diário de Bordo (Recife-Manaus
no navio Bianca) [16] Do Capibaribe ao Amazonas
Os cunhados e os pescadores
Carlos Pimentel Mendes (*)
Contam
os práticos do rio que de bordo pode-se ficar sabendo se a pesca
está boa ou não. Ao avistarem uma canoa, fazem um sinal com
as mãos abertas, na vertical, como se estivessem medindo alguma
coisa. Os pescadores respondem, se for o caso, mostrando o maior peixe
que pescaram...
Mas, a principal curiosidade do rio
Amazonas fica por conta dos cunhados. Não são parentes
e nem têm esse apelido por exercerem alguma atividade de estiva,
como no porto
de Santos. Os cunhados do Amazonas são habitantes ribeirinhos,
que saem nas suas frágeis canoas para pedir que os marinheiros lhes
joguem coisas. Os tripulantes já se preparam com bastante antecedência,
e deixam pacotes com sapatos velhos, roupas, alimentos, garrafas plásticas
de água mineral, que atiram no rio nessa hora. Desafiando as marolas
da esteira do navio, os cunhados (garotos, homens, mulheres, até
cães) disputam entre si esses pequenos presentes...
Nas margens do Amazonas, além
de pequenas culturas e da pesca nos paranás e nas lagoas
formadas pelo rio na vazante, encontram-se fazendas para criação
de gado bovino, como a Fazenda Tamoatá, avistada num final de tarde.
Todas as construções são sobre estacas (palafitas),
por causa da cheia do rio. Destaca-se entre elas, também em madeira,
um posto de observação, bem elevado, que serve para os ribeirinhos
localizarem o gado, espalhado pelos arredores e por vezes ilhado em pontos
mais distantes.
No Amazonas, também existem
os tapiris, uma espécie de habitação provisória,
sobre estacas, com cobertura de palha e assoalho de paxiúba (tábua
extraída de uma palmeira). Geralmente sem paredes (em alguns casos
há uma parede, na parede dos fundos), permitem a dormida em redes
(raramente esses habitantes dormem sobre o assoalho).
O rio domina tudo ao seu redor.
A quantidade de troncos de árvores, tufos de grama e galhos que
passam boiando pelo navio é tão grande que obstrói
igarapés,
furos e paranás, o que obriga a presença
do prático nos navios, já que os cursos são bastante
mutáveis a cada período do ano. Se fosse reunida só
a quantidade de troncos e capinzais que passaram pelo Bianca nesse
percurso até Manaus, daria para formar uma ilha de bom tamanho.
Com fauna, até: além das aves que pousam nesses troncos flutauantes,
é comum encontrar cobras d'água e outros espécimes,
vivos ou mortos...
E os passarinhos curiosos insistem
em penetrar nos twistlocks - os orifícios nos corners
dos conteineres que servem para o içamento desas unidades -, durante
a passagem do navio pelo Amazonas.
Nas margens, a vazante do rio permite
observar tipos de vegetação. Destacam-se a mata de igapó,
que sobrevive inundada por cinco a seis meses durante o ano, e cujas árvores
são quase sempre dotadas de grandes sapopemas (espécie de
pranchas de apoio); e mata de várzea, só inundada nas grandes
enchentes, e também com árvores exuberantes tanto por serem
em alguns casos dotadas de sapopemas, como pela grande quantidade de cipós
e lianas; e a mata de terra firme, bastante diferente das demais da região,
sendo semelhante às matas de outros pontos do País.
Quanto a índios, nem pensar;
essa é aliás a frustração de muitos turistas
que vão a Manaus. Buscando preservar seus hábitos, costumes
e tradições, os indígenas se refugiam cada vez mais
nas profundezas da floresta, fugindo da civilização branca,
ou então se aculturam e se integram à vida urbana ou rural
dentro dos padrões dessa civilização.
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