O império da U.S. Lines está a atravessar dificuldades financeiras graves
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U.S.Lines: a queda de um sonho
Nestor Fatia Vital
A notícia caiu como uma bomba, há pouco mais de um mês, nos meios marítimos internacionais, e por se tratar de um caso de grande relevância, pelas suas graves
conseqüências, merece que a analisemos.
Malcom McLean, de 73 anos, foi até agora um gigante poderoso através da casa-mãe McLean Industries Inc. e suas filiais de navegação United States Lines Inc. e U.S. Lines (SA) Inc.
Deve-se ao seu impulso o lançamento da contentorização ns E.U.América do Norte e, como armador, a maior frota especializada, hoje, com 44 navios porta-contentores.
Tinha uma ambição: dominar o mercado internacional do contentor com navios modernos, cujo pavilhão estivesse presente em todos os oceanos, imparável acutilância de marketing e prática
de fretes baixos, altamente competitivos, para o que seguia uma política de autêntico outsider, ignorando as Conferências marítimas, tornando-se numa autêntica super-conferência privada.
Pois a 24 de novembro último, essa ímpar organização depositou junto do Tribunal do Distrito Sul de Nova Iorque o pedido de protecção ao abrigo do capítulo 11 da Lei federal sobre as
falências. Essa protecção permite suspender serviços não rentáveis, continuar a exploração dos que considere de interesse e suspensão temporária de qualquer acção por parte dos credores, tudo isto por um determinado período.
Mas como foi possível chegar-se a esta situação?
Quando, há uns dois anos, se soube que McLean colocara uma encomenda de 12 navios porta-contentores gigantes (2.229 uns. de 40') ao estaleiro sul-coreano Daewoo, no montante fantástico de 570
milhões de dólares, a concorrência pensou tratar-se de um jogo. De facto, não o era, pois que essa encomenda correspondia à decisão de implantar um serviço contentorizado round world, isto é, uma poderosa e absorvente linha de navegação à
volta do Mundo, a qual teve o seu arranque logo após as primeiras entregas de navios.
Foi um sonho de curta duração. No final de 1985 a companhia apresentava já um prejuízo de $ 72,5 milhões, no primeiro semestre de 1986 $ 147,6 milhões e no 3º trimestre $ 92 milhões, o que
perfaz um prejuízo de $ 239,6 milhões no final dos nove meses do ano passado.
Vários erros fatais estão na origem deste descalabro: a capacidade dos navios era superior às potencialidades dos portos de escala, além da proliferação destas; a própria natureza lenta dos
super porta-contentores, o que diminuía a sua rotação e conseqüente exploração comercial e industrial; a alternativa tomada de só operar unidades de 40 pés, o que já fora quase fatal na má experiência da Sealand com as unidades de 35'; as taxas de
fretes extremamente baixas praticadas e, como exemplo, refira-se que um 40' da USL, da Europa para o Extremo Oriente, era taxado a cerca de $ 1.200/1.300, portanto abaixo do que outros concorrentes preçavam para um 20'; o facto de os novos navios
se destinarem a operar em áreas de mercado de competição quente; as enormes somas de juros bancários que a referida encomenda provocava.
De todos estes factores negativos, estamos em crer que o acelerador da perda de solvência foram os prejuízos financeiros, não podendo a USL continuar a responder aos seus compromissos
bancários.
A rotura verificada redundou, inevitavelmente, em múltiplas vítimas.
O fim do serviço à volta do Mundo foi um choque para os seus portos de escala: Nova Iorque, Roterdão, Khor Fakkan, nos Emiratos Árabes Unidos e que fica praticamente morto; Singapura;
Hong-Kong; Kaohsiung; Kobe; Yokohama; Long Beach; Panama e Savannah.
Em agosto de 1986, a USL abandona o poto de Fos, perto de Marselha, e a propósito lembramos o que escrevemos no artigo desta revista "Portos: A Evolução Necessária", p. 20, nº 33. Ao mesmo
tempo, era anulada a escala de Jeddah, na Arábia Saudita.
Recentemente, para a operação portuária de mais de mil contentores, em Singapura, para o American New Jersey, bem como de 600 unidades do American Oklahoma, navios que estiveram
ali retidos por dívidas de bancas em outros portos, a USL teve de avançar verbas no montante de US$ 780.000. De facto, perdida a confiança, a frota arrisca-se a não se poder reabastecer em escala e, até, a serem arrestados os navios e o
respectivo parque de contentores, em vários portos do mundo.
Outra vertente da questão, e não menos importante, é a social. Para obviar ao desemprego, os quadros da USL, na Inglaterra, acabam de constituir a sociedade Brit-Ocean Agencies para a
comercialização, no Reino Unido, dos novos serviços marítimos da Nedlloyd nas rotas do Atlântico Norte e Sul, bem como do Golfo do México. Além disso, aquele armador teria absorvido pessoal da USL após o anúncio de falência.
Mas será, também, o próprio estaleiro sul-coreano Daewoo, uma das principais vítimas.
Para cumprir a encomenda dos 12 porta-contentores da 3ª geração, teve de se financiar, à partida, em cerca de US$ 113 milhões junto do Korea Development Bank ($ 80,3 m), seu principal
accionista, e de um grupo bancário dirigido pelo Citicorp ($ 32,5 milhões). Agora é o estaleiro que se vê em extremas dificuldades para liquidar juros elevadíssimos, sem receber fundos da US Lines. Além disso, do total de $ 570 milhões
encomendados, o Daewoo não verá garantido o reembolso de $ 156 milhões, nem pelos bancos, nem pelo governo americano, em virtude de ter sido accionada a protecção do capítulo 11.
Uma eventual estagnação do mercado de construção naval ser-lhe-á fatal. Uma hipótese seria retomar os navios para posterior venda, mas em conseqüência da actual depressão, os $ 570 milhões de
arqueação não valerão mais do que uns $ 240 milhões. Assim, o Daewoo admitiria a preferênica de interesse na hipoteca legal não dos navios grandes mas de outras unidades da frota contentorizada da US Lines.
Mas este armador precisa desta frota enquanto sobreviver, pois continuará a operar nas rotas até agora lucrativas, isto é, o trans-Pacífico (costa Oeste dos E.U.A./Ilhas Hawai-Guam-Extremo
Oriente) e sul-americanas (costa Este dos E.U.A./América do Sul).
A falência da United States Lines é a queda de um sonho mas, também, um facto de grande repercussão mundial e um forte aviso.
Malcom McLean, de 73 anos, até agora um gigante todo poderoso,
pode ter justificadas dores de cabeça
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