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O sistema Seabee

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Na década de 1980, o mundo continuava experimentando formas de integrar e agilizar os transportes de cargas. Um dos sistemas em evidência era o Seabee, em que navios especializados recebiam cargas por meio de barcaças que entravam em seus porões navegando. Uma das armadoras a usar tal sistema - e outros, como os navios ro-ro e full-containers - era a Lykes, que teve sua história contada pelo editor de Novo Milênio, então responsável pelo caderno semanal Marinha Mercante em Todo o Mundo do jornal O Estado de São Paulo, na edição de 9 de fevereiro de 1988:

Carga-de-projeto manipulada em barcaças Seabee no navio especializado Tillie Lykes
Reprodução de folheto de 1984 da armadora Lykes Bros.

Lykes: 5 anos de modernização, com a volta à origem

"Chame a Lykes. E quando você o faz, seu trabalho será feito bem mais rápido" - é o mote usado em suas peças de divulgação por uma tradicional (criada em 1900) mas bastante atualizada armadora, a Lykes Brothers Steamship Company Inc., que está completando 88 anos de atividades com uma rede de seis linhas regulares que abrangem cinco continentes. E justamente num dia 9 de fevereiro, há cinco anos, a empresa iniciou uma nova etapa.

Sua história começa com o século XX, quando os sete filhos de Howell Tyson Lykes iniciam o transporte de gado em uma escuna de madeira de 109 pés - a Doctor Lykes -, da Flórida para Cuba. Os rebanhos cubanos haviam sido dizimados durante a guerra hispano-americana.

A escuna de madeira Doctor Lykes, em 1900 no tráfego Flórida/Cuba
Reprodução de folheto de 1984 da armadora Lykes Bros.

Em 1906, a família Lykes abriu um escritório em Galveston, no Texas, e começou a operar navios afretados de bandeiras estrangeiras, na área do Golfo Americano para o Caribe, embarcando carne de boi do Texas. Antes da Primeira Guerra Mundial, os quatro irmãos Lykes se juntaram aos três que já atuavam no setor marítimo, e os sete formaram assim a estrutura que criou a corporação que a Lykes Brothers Inc. - empresa holding da família - teria durante os muitos anos que se seguiriam. Naquela época, a Lykes estava negociando um lote de mercadorias, já não se limitava a gado, e seus navios transportavam madeira serrada, grãos e commodities diversos.

Após a guerra, em 1922, a companhia de navegação foi incorporada sob o nome de Lykes Brothers Steamship Company Incorporated - que permanece até hoje -, e investiu maciçamente na aquisição de navios excedentes de guerra, abandonando então suas associações com bandeiras estrangeiras. Naquela década, a Lykes mudou-se para perto do mar, instalando sua matriz em New Orleans, e abriu o primeiro escritório estrangeiro de vendas, na Europa.

Na época da Grande Depressão, em 1933, a Lykes adquiriu 52 navios da Dixie and Southern States Lines, ao preço reduzido de US$ 2,5 milhões, tornando-se uma das transportadoras oceânicas líderes dos Estados Unidos, com um total de 67 navios.

Com a aprovação do Merchant Marine Act de 1936 pelo governo americano, a Lykes decidiu-se a construir uma frota de navios classe C, como parte dos esforços para a reconstrução da marinha mercante estadunidense. Já naquela época, além do serviço costeiro nos EUA, o tráfego da Lykes se estendia desde o Golfo e Caribe até o Norte Europeu, todo o Mediterrâneo e Extremo Oriente.

Quando irrompeu a Segunda Guerra Mundial, a Lykes estava preparada para o grande esforço exigido, e operou 125 navios de todos os tipos, perdendo em naufrágio 22 navios ao custo de 272 vidas. Depois, ainda na década de 40, passou por sucessivas transformações em suas operações comerciais, acrescentando diversas novas linhas: do Golfo Americano para a África do Sul e Oriental, e do Golfo para a costa Oeste sulamericana. Inicialmente, a Lykes dividiu o tráfego sulamericano com a Grace Lines, operando somente dos portos do Golfo Americano, mas em 1947 ambas se reuniram, formando a Gulf and South American Steamship Company, tendo cada qual 50% de participação. Em 1971, a Lykes comprou as ações da Grace e incorporou esta linha às suas operações.

Em 1951, a Lykes se tornou a maior frota particular de bandeira norte-americana, sob uma só direção, com 54 navios classe C, totalizando 568.978 toneladas deadweight. Porém, os tempos estavam mudando e a Lykes, para poder continuar, precisava modernizar sua frota. O primeiro passo seria substituir os navios tipo C, que haviam sido apressadamente construídos antes e durante a Segunda Guerra. Em 1958, por isso, a empresa colocou suas ações no mercado, através da New York Stock Exchange.

Entre 1960 e 1972, trocou todos os navios tipo C por 41 novas embarcações, inclusive três intermodais Seabee, que transportam quase todos os tipos de carga, tendo capacidade para mais de 1.000 conteineres na coberta e possuindo elevadores submersíveis com capacidade para 2.000 toneladas, tornando possível deslocar barcaças com carga para dentro dos porões mais baixos (N.E.: sistema que lembra os serviços lash operados no Brasil pela antiga Delta Lines Steamship).

Além disso, 13 de seus navios classe Pride foram encompridados, pelo sistema conhecido no Brasil como jumborização: foram cortados ao meio e neles enxertados 97 pés de seções intermediárias de porões, que incluíam um porão celular para conteineres. Os navios jumborizados que resultaram deste enxerto são conhecidos como Pacers.

Em 1979, cinco navios ro-ro foram acrescentados à sua frota, tendo sido dois deles designados para cobrir o tráfego transpacífico, enquanto os outros três foram afretados para o United States Military Sealift Command.

Navio porta-conteineres/ro-ro da Lykes deixa os EUA em direção ao Extremo Oriente
Reprodução de folheto de 1984 da armadora Lykes Bros.

Em 1983, uma radical mudança - A data de 9 de fevereiro de 1983 tem um significado especial para a Lykes, marcando o início de um novo capítulo em sua história. Para entendê-lo, porém, é necessário rever sua história desde o início, por um outro prisma.

Apesar de haver iniciado como um negócio de família, desde o começo a Lykes sofreu diversas alterações internas. Quando os sete irmãos se uniram, em 1910, para formar a empresa holding da família, a Lykes Brothers Inc., as bases foram assentadas para que a companhia se ramificasse por outras áreas que não somente as originais de criação de gado e navegação. A primeira área regional enfocada foi o Sul dos Estados Unidos - que então estava somente começando a se industrializar.

Antes da Primeira Guerra Mundial, atuou como agente para linhas estrangeiras, além de operar navios estrangeiros afretados. Com a entrada dos Estados Unidos na guerra, tornou-se a primeira, no Golfo, a afretar e operar navios do governo federal estadunidense.

Nos anos 20, adquiriu o controle da Tampa Interocean Steamship Company, que atendia os portos tanto do Oeste do Mediterrâneo quanto do Extremo Oriente. Em 1927, com a compra da Lone Star Steamship Company, mais dois navios foram adicionados à frota da Lykes. Durante o apogeu dos anos de desenvolvimento que antecederam a queda de 1929 da Bolsa de Valores, o governo americano quis liquidar com seus navios construídos para a Primeira Guerra Mundial.

O Ato da Marinha Mercante de 1928 ofereceu navios do governo para serem vendidos a companhias particulares, e aumentou os empréstimos a juros baixos para a construção naval, além de prover subsídios para viagens ao exterior em rotas específicas. Os 52 navios que a Lykes adquiriu da Dixie and Southern Lines em 1933, no auge da Depressão, tinham na realidade pertencido ao governo. A Dixie não desejava correr o risco de comprá-los. Assim, quando a Lykes comprou os navios da Dixie, colocou-os sobre a posse de uma companhia colateral - Lykes Bros., Ripley Steamship Company -, após haver adquirido a Daniel Ripley & Company.

Por volta de 1936, o fantasma de outra guerra mundial novamente assombrava o comércio internacional. O Ato da Marinha Mercante daquele ano visava restabelecer a marinha mercante dos Estados Unidos e as indústrias de construção naval. A Lykes arriscou US$ 30 milhões para repor 28 navios - era muito dinheiro durante aqueles anos de depressão econômica. Em dezembro de 1941, quando os Estados Unidos entraram na guerra, 16 navios cargueiros tipo C foram entregues a Lykes. Durante todo esse conflito, a companhia não somente operou seus próprios navios, como também foi agente de outras linhas americanas e agente técnica para o Ministério Britânico de Navegação nos portos do Golfo, executando serviços de manutenção e reparos e atuando como agente protetor em geral.

Os custos da construção naval subiram em espiral após a guerra, e, para atender à grande demanda, a Lykes afretou navios do governo a casco nu. Em 1947, a empresa operava 145 navios - 47 próprios e 98 afretados. Naquela ocasião, já havia vendido considerável número de seus navios mais velhos. Seu acordo para subsídio, amparado pelo Ato da Marinha Mercante, exigia depósitos regulares num fundo de amortização para reposição de navios. A companhia adotou então uma posição mais conservadora do que aquela dos anos 30, quando dispôs de todos os seus recursos. Os empréstimos bancários para fins de construção naval não eram considerados. Daí a decisão de colocar suas ações no mercado.

Esta decisão levou a muita atividade de construção naval, mas também possibilitou que mais tarde estranhos assumissem a direção.

Navio tipo SeaBee da Lykes, carregado de barcaças e conteineres, em meio à travessia oceânica
Reprodução de folheto de 1984 da armadora Lykes Bros.

Por volta de 1970, a Lykes Steamship havia se tornado uma subsidiária da Lykes Corporation, uma companhia diversificada. Em 1978, a Lykes Corp. foi assumida pela LTV Corporation, de Dallas, Texas - o maior conglomerado americano -, ficando na condição de subsidiária da LTV.

Assim, foi em 9 de fevereiro de 1983 que a Lykes iniciou um novo capítulo de sua história, ao ser comprada pela Interocean Steamship Corporation. Essa empresa, baseada em Tampa, na Flórida, foi formada por interesses da família Lykes e três executivos senior da Lykes. Essa venda marcou o retorno da companhia aos seus fundadores originais, já que a Interocean pertence à Lykes Brothers Inc., a holding originalmente proprietária da Lykes Steamship, além dos três antigos executivos.

Desde então, seu gerenciamento vem privilegiando um dinâmico programa de desenvolvimento corporativo. Recentemente, comprou quatro navios full-containers com capacidade para 1.100 unidades, e planeja construir 12 porta-conteineres completamente automatizados e com capacidade para 2.500 unidades.

A empresa de New Orleans participou, aliás, de um evento histórico em 1979, quando o navio Letitia Lykes foi o primeiro de bandeira americana a escalar um porto chinês, desde a revolução de 1949 e da violenta política estadunidense contra a China comunista. Grandes riscos envolviam aquela viagem, diante da ameaça dos chineses de apreenderem o Letitia para satisfazer o clamor contra o congelamento dos recursos desde o início da guerra fria.

Transporte para o mundo todo, e um navio porta-conteineres, sob a bandeira da Lykes
Reprodução de folheto de 1984 da armadora Lykes Bros.

Hoje, uma olhada no mapa-mundi mostra que a Lykes cobre os seis maiores tráfegos do comércio mundial, como lembra a agência marítima Laurits Lachmann:

1) Serviço Seabee entre o Golfo Americano e o Reino Unido/Europa Continental - com os navios intermodais Seabee, oferece o mais rápido percurso entre as duas áreas, demorando 13 dias, e sua capacidade é de mais de 2.000 conteineres e 249 barcaças de transporte oceânico, levando cargas que variam desde gêneros alimentícios refrigerados até peças de grandes tamanhos, que requerem 8.000 libras/pés quadrados de reforço de coberta.

2) Serviço Seabee e convencional entre o Golfo Americano/Portos do Sul atlântico dos EUA/Grandes Lagos e o Mediterrâneo - a cada oito dias há uma saída do Golfo e a cada 15 dias dos portos do Sul estadunidense, além do Seabee ser o único navio competitivo entre os Grandes Lagos dos EUA/Canal de São Lourenço e a região do Mediterrâneo/Mar Vermelho/Golfo Pérsico, e além de contar com pontes terrestres de interconexão com as principais linhas marítimas que partem dos EUA. Estes são os fatores que dão proeminência ao serviço.

3) Serviço convencional entre o Golfo Americano e as costas Sul e Oriental da África - a Lykes é a única operadora do Golfo Americano a oferecer serviço direto nesta rota. Rumo ao Sul, seu tempo é nove dias mais rápido que o do competidor, e na viagem northbound dois dias. Os portos africanos escalados incluem Capetown, Mombasa e Mogadiscio.

4) Serviço convencional entre o Golfo Americano e as costas central e Oeste da América do Sul - a cada 14 dias, incluindo cargas conteinerizadas, a granel, pesadas, sacarias e frigorificadas. Os portos latinos normalmente escalados são os do Panamá, Equador, Peru, Chile e da costa Leste da Colômbia.

5) Serviço convencional entre o Golfo Americano e o Extremo Oriente - saídas regulares entre os portos do Golfo Americano e o Extremo Oriente, incluindo Japão, Coréia, Taiwan e o Sudeste Asiático, além de oferecer o mais rápido percurso por água entre o Golfo e Singapura. A Lykes é a única transportadora de bandeira norte-americana a oferecer serviço entre o Golfo Americano e o Japão, a Coréia e Taiwan, o que significa tarifas competitivas para os embarcadores, segundo lembra. A frota de navios convencionais pode transportar granéis, conteineres, sacarias, implementos agrícolas e cargas pesadas.

6) Serviço de linha convencional entre a costa americana do Pacífico e o Extremo Oriente - seis navios full-container e dois ro-ro oferecem serviço expresso semanal. Transportam cargas com rodas, de todos os tipos, algodão, frutas cítricas, equipamentos eletrônicos, peças e maquinarias pesadas, nesta rota transpacífica.

Além dos serviços transoceânicos, a Lykes opera um serviço de mini-bridge/microbridge completo, com conhecimento de transporte intermodal único e embarques porta-a-porta entre virtualmente todo o interior dos EUA e pontos da costa ou complemento a localidades no interior do Reino Unido, Europa, Mediterrâneo, Sul e Leste da África, costas Norte e Oeste da América do Sul e Extremo Oriente. E não transporta apenas carga, mas também passageiros, que utilizam modernas acomodações em seus navios liners, nas viagens para Extremo Oriente, América Latina, África, Mediterrâneo, Norte Europeu e Reino Unido, entre outros lugares.

O Tillie Lykes, um dos transportadores de barcaças Seabee
Reprodução de folheto de 1984 da armadora Lykes Bros.

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