Na cerimônia de abertura do seminário em Santos: Carlos José Negrelli, diretor do Senac de Santos (E), José Carlos Mello Rego, diretor da Área de Operações
da Codesp; Marcelo Perrupato e Silva, secretário coordenador dos Transportes do Ministério dos Transportes; Augusto da Silva Saraiva, vice-presidente da Federação do Comércio do Estado de São Paulo; Fernando Nunes Cunha, presidente da Câmara
Brasileira de Containeres; Joaquim Faro Aguiar, presidente do Sicndicato do Comércio Varejista de Santos e conselheiro do Sesc/Senac (D)
Foto: Marinha Mercante/OESP, 1/12/1981
SEMINÁRIO DE CONTEINERES E INTERMODAL/SANTOS
História do Fisco e sugestões da Receita às autoridades
Surpreendendo o auditório com a enumeração de uma série de sugestões às autoridades para melhoria operacional do Terminal de Conteineres do Porto de Santos, o
representante da Delegacia da Receita Federal em Santos, Oswaldo da Silva Campos, iniciou sua palestra com um histórico do surgimento do fisco e da própria conteineirzação no mundo e no Brasil.
"Tanto econômica como historicamente, o progresso humano sempre esteve ligado ao transporte e ao comércio. Da básica permuta de objetos chegou-se a uma mercadoria-padrão de permuta, a que se
convencionou chamar moeda. Através dela, surgiu o conceito de preço da mercadoria, e a própria permuta passou a ser compra e venda. Surgiu a economia monetária, o comércio se desenvolveu, e em conseqüência os transportes terrestre e
marítimo; apareceram as feiras nos pontos de parada dos navios e nas estradas, e também foram surgindo normas para reger diversos tipos de negócios."
Oswaldo continua, lembrando que o Código de Hammurabi, escrito cerca de 3.600 anos atrás, em seus 282 artigos, encerrava preceitos e normas costumeiras para regerem vários tipos de negócios.
Embora não se fizessem referências ao comércio e ao transporte, havia indicação de salários para profissões nesses setores (aliás, o próprio conceito de salário mínimo surgiu nesse código).
"Foi aí que decerto surgiu o primeiro rugido do leão, como é conhecida a tributação, com taxas por serviços de proteção feitos pelas autoridades, e os primeiros funcionários do rei da
Babilônia encarregados de arrecadar essas taxas foram os primeiros fiscais."
Citando depois os fenícios, o representante da Receita Federal lembrou que Rodes, por eles criada, foi famosa pela legislação que criou; sua lei de avarias, com algumas modificações, chegou
até nós; ali surgiu também o empréstimo a risco, ou câmbio marítimo.
Já os romanos, conhecidos pela sua pecuária - daí o nome pecúnia - necessitavam promover grandes trocas. O ouro e a prata tirados dos povos vencidos enriqueciam o erário romano. E havia
os fiscais encarregados de transportar os fiscu (o mesmo que cesta ou canastra de vime, utilizada então para a arrecadação dos tributos); os romanos sempre se preocuparam em revestir de formalidade seus negócios, e todos os atos jurídicos em
Roma tinham uma contribuição que era depositada nos fiscu.
Romanos e o multimodal - Outro aspecto citado por Oswaldo Campos foi o de que as mercadorias destinadas a Roma eram então muitas vezes colocadas em caixotes, sem maiores problemas de
transporte. Porém, o transporte de feras para as arenas romanas exigia mais cuidados. Nos navios, foram adaptados paus-de-carga, guinchos e cabos para o transporte das jaulas do navio para o porto, para que não houvesse contato humano, e foram
colocadas rodas nas jaulas para o transporte terrestre. Assim, apareceu em Roma o sistema de transporte intermodal de carga porta-a-porta.
"Neste século (N.E.: século XX), com as guerras mundiais, mas principalmente após a Segunda Guerra, houve um estudo mais apurado sobre
formas de transporte de cargas, e surgiram os conteineres, então ainda pequenos e quadrados, com oito pés de altura por oito pés de largura; eram destinados a cargas de valor e enviados por navio, sendo esvaziados sob fiscalização aduaneira no cais
e voltavam para o navio.
"O sistema se desenvolveu, surgiram normas como a ISO, que o Brasil adotou, e cada vez mais se busca a simplificação de métodos, que entretanto às vezes se esbate em normas e leis que impedem
um fluxo mais rápido. Nossa legislação sobre conteineres já é extensa, e está se superando. E nota-se sobretudo o interesse do governo em incrementar esse tipo de transporte".
Questão tributária - Lembrou o representante da Receita Federal que todo ordenamento de tributação tem sua base no volume de negócios, no controle de importação e exportação, e nos
recursos do Tesouro Nacional. A tarefa da fiscalização é evitar a evasão, sonegação e má aplicação dos favores legais, e parece antipática, embora provenha desde a Roma antiga.
Especificamente sobre conteineres, lembrou que todo conteiner tem um valor, e existem várias formas para determiná-lo. A delegacia santista da Receita Federal optou pelo arbitramento do valor,
como forma de obter a redução de burocracia. Depois, falou das cautelas fiscais, mencionadas no artigo 17 do Decreto nº 79.804/77: sinetagem e lacração dos volumes; marcação para separação física de mercadorias; acompanhamento fiscal; e a
possibilidade de se exigir, em relação aos termos, uma garantia real ou pessoal, quanto ao responsável pelo regime (consignatário/importador ou transportador, conforme o caso). Explicou ainda a diferença entre zona aduaneira primária e
secundária, e abordou a questão da apreensão de conteineres.
Nesse aspecto, lembrou que parece haver uma contradição entre a legislação que define o conteiner e a que permite sua equiparação à carga para efeito de penalidades no caso de abandono - caso
aliás em via de solução, em função de trabalho elaborado pela Câmara Brasileira de Conteineres.
Oswaldo concordou que conteiner não constitui embalagem das mercadorias, sendo parte ou acessório do veículo transportador. Em outro decreto, entretanto, o conteiner que permanece na zona
primária além do prazo-limite seria incluído nos procedimentos de punição existentes para mercadorias abandonadas. Entretanto, recentemente, a própria Receita Federal reconheceu que não se caracteriza então o dano ao Erário Público, mas pode ser
configurado o abandono, ultrapassado o prazo máximo de permanência fixado pela delegacia da área do porto. Assim, a colocação de conteineres em perdimento não acabou, apenas a conceituação de dano ao erário desapareceu.
... era um pó branco...
...O gato gostou, provando que era leite...
...sendo descoberto assim um contrabando...
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Conferência de conteineres - Por fim, abordou os problemas atinentes à conferência de mercadorias conteinerizadas, sob vários aspectos:
"É demorada, porque em muitos casos a porta do conteiner está bloqueada por haver outra unidade junto a ela, ou porque o conteiner está situado sobre outro, e assim uma conferência de
30 minutos pode demorar duas horas;
"É difícil, porque a função do fiscal é fazer a conferência física e ver se a mercadoria está de acordo com os documentos de importação, se os tributos foram recolhidos devidamente. E
mesmo assim, a vistoria abrange até menos de 10% do total da quantidade do lote, inclusive no conteiner, onde, devido à forma de colocação dos produtos em seu interior, se o fiscal retirar uma parte pode acabar nem conseguindo recolocá-los no
conteiner depois.
"É também difícil, por exemplo, nos casos de produtos químicos. Uma vez, estava sendo importado a granel um produto químico que era um pó branco, com aparência de leite em pó, mas classificado
no manifesto com outra denominação. Depositado no armazém, o fiscal estranhou, e experimentou servir o produto diluído em água a um gato que estava por perto. O gato gostou, provando que era leite, como foi confirmado depois por análise
laboratorial, sendo descoberto assim um contrabando de leite em pó. Já em conteiner essa mercadoria poderia ter passado em uma vistoria menos cuidadosa, desde que as primeiras fileiras de sacos do produto fossem realmente condizentes com a
mercadoria manifestada".
"É problemática, portanto, em função dessas situações, que aliás ocorrem em outros países: em recente conferência realizada no Comitê Técnico Permanente de Bruxelas houve a denúncia de
que conteineres eram usados no transporte de armas e munições para o fomento de revoluções em vários países; paralelamente, ocorreu uma proposta de solução, a de que os construtores de conteineres encontrassem uma fórmula que atendesse à segurança
e ao mesmo tempo permitisse a fácil conferência das mercadorias neles contidas - talvez conteineres passíveis de abertura por todos os lados.
"É ainda cansativa, na medida em que a conferência se faça sob calor ou chuva, o que desgasta o fiscal".
Sugestões para o terminal - Referindo-se então ao Terminal de Conteineres do Porto de Santos, citou as dificuldades naturais de uma fase inicial, que entretanto se refletem no serviço
da fiscalização. Por exemplo, quando o terminal tiver um navio operando para descarga de conteineres, não adianta a agência de navegação pedir, que não há meios de se colocar conteineres para conferência, por falta de elementos de apoio
(equipamentos para sua movimentação).
Citando que entretanto se deve apoiar o terminal, Oswaldo apresenta uma lista de sugestões às autoridades:
1) rápida conclusão das obras de interligação da Avenida Portuária com o Corredor Norte, na margem direita do porto;
2) integração do transporte rodoviário ao ferroviário e marítimo;
3) duplicação urgente da Rodovia Piaçagüera-Guarujá;
4) rebaixamento do leito carroçável ou elevação do túnel sob o KM 55 da Via Anchieta;
5) reaparelhamento urgente dos serviços portuários;
6) estabelecimento de um moderno serviço de ferry-boat com balsas grandes e modernas, para transporte de conteineres entre as margens, evitando a onerosa volta rodoviária.
Conteiner vazio - Já na fase de debates, Reginaldo Figueiredo (Moore McCormack/Santos) lembrou a questão dos conteineres vazios, a dificuldade para sua rápida liberação da zona primária
junto à Receita Federal, que se reflete no aumento das despesas e portanto dos fretes marítimos. Fernando Nunes Cunha, da CBC, completou observando que "hoje o fiscal também deve ter mentalidade empresarial, porque senão prejudica os contribuintes.
Antes, o conteiner vazio era liberado mediante declaração do fiel de docas, mas depois o desembaraço passou ao Grupo de Busca e Apreensões".
"Esse grupo - declarou Fernando - designa um fiscal, denominado marinheiro, que faz exigências como a de buscá-lo em casa de táxi, de vistoriar quando quiser, e até de propinas, embora
às vezes nem vá examinar o conteiner, pois sabe que ele está vazio. Várias agências de navegação sentiram-se muito prejudicadas com isso".
Respondeu Oswaldo que a mudança ocorreu em razão de problemas surgidos anos atrás com conteineres supostamente vazios, e que eram apreendidos na Capital carregados de contrabando, ou mesmo
cheios de mercadorias manifestadas e não desestivados por engano. Entretanto, já existe um estudo no âmbito da Receita Federal que abrange essa questão, devendo solucioná-la em breve.
Fernando Cunha voltou ainda ao tema, lembrando que hoje qualquer transportador, com uma minuta, retira do cais do porto uma carga e passa pela guarita da fiscalização sem problemas, ninguém
lhe pergunta se a mercadoria foi ou não desembaraçada. Já no caso de conteiner que por vezes vem vazio do exterior (já que a importação está restringida, mas as unidades são necessárias no porto), existem empecilhos.
Quanto à possibilidade da fiscalização de conteineres por amostragem, questionada por Renato, do Terminal de Conteineres da Codesp, Oswaldo respondeu que poderá acontecer, mas não tão cedo, já
que depende de se ter uma confiança muito grande para se dispensar o controle.
"Enquanto a gente assiste a um filme mostrando o dinamismo e a agilização do trabalho no porto novaiorquino, há três dias um funcionário da Receita Federal vem procurando ter uma conversa
particular comigo, e não consigo tirar 10 conteineres vazios do cais, apesar de precisar liberá-los com urgência para uma empresa enchê-los com carga de exportação". Dessa forma, na sexta-feira (N.E.: 27/11/1981), Fernando Cunha voltou ao problema, conseguindo uma resposta do delegado santista da Receita Federal, Oswaldo Campos:
"Existem casos que nos são apresentados, e que gostaríamos que o fossem por escrito, e por vezes a parte se nega a fazê-lo. Quanto ao caso citado por Fernando Cunha, é inadmissível que existam
funcionários exigindo vantagens para solução de algum problema no cais, e atrapalhando as exportações. O nosso objetivo é bem servir o público, e é importante que toda vez que o problema surgir, se não for possível uma solução de conciliação, que
se exija uma solução a uma autoridade superior para esses casos".
Fernando Cunha respondeu que "embora o delegado santista da Receita peça o diálogo, muitos dos funcionários do órgão só aceitam monólogo. As providências já foram tomadas, através de contatos
com a chefia da fiscalização em Brasília, e ainda não foram dadas soluções. Apesar de todas as gestões feitas, a questão do conteiner vazio continua na mesma ou pior". |