Na Cidade da Criança, o menor recebe uma orientação segura
Foto: Sílvio Guimarães, publicada com a matéria
Cidade da Criança: estudo e trabalho promovem o menor
Texto: José Rodrigues
Fotos: Sílvio Guimarães
Na edição de 18 de dezembro de 1960, domingo,
A Tribuna publicou trabalho assinado por Hamleto Rosato, com a
seguinte abertura: "Cidade da Criança, concretização do sonho de um povo devotado ao bem". Idéia do sr. Wadih Pedro, que se propagou numa reunião no
Sírio-Libanês, presidida pelo dr. Sílvio Fernandes Lopes. Doou o terreno o
sr. Adriano Dias dos Santos. Nesse dia, às 16 horas, era lançada a pedra fundamental da instituição, que se propunha a instruir e preparar
profissionalmente menores desprovidos de recursos.
No dia 3 de abril de 1959, comissão representativa do Clube Sírio-Libanês de
Santos, da qual faziam parte diretores da Associação Protetora de Menores, entregava ao Presídio local uma barbearia, como donativo. Os detentos, na
ocasião, ofereceram show artístico a todos os presentes. No ato, o sr. Wadih Pedro lançou a idéia de fundação de entidade que atendesse a
crianças órfãs e desamparadas e ainda às que procedessem de lares cujos chefes se encontrassem recolhidos à prisão.
A Associação Protetora de Menores foi então reestruturada, encampando as
providências para a concretização da idéia. Em pouco tempo, toda Santos via-se envolvida pelo mesmo ideal. Pessoas e instituições ofereceram toda
forma de contribuição. Este jornal publicava diariamente os últimos resultados do movimento, em colaboração decidida.
Hoje, a Cidade da Criança está pronta, mas há ainda metas para atingir. Toda obra,
como toda pessoa, precisa viver para aprender. Por isso, tanto na parte humana, como na material, há que chegar à auto-suficiência, pontos que
demandam tempo e dedicação, ideal e desprendimento, perseverança e amor ao próximo.
Ensinar uma profissão é objetivo fundamental na Cidade da Criança
Foto: Sílvio Guimarães, publicada com a matéria
"A obra é feita pelo Homem, mas em nome de Deus. Foi por
isso que a Cidade da Criança venceu", explica um dos diretores da instituição, após quase nove anos de luta para ver concretizado o sonho de um
punhado de santistas que se lançaram ao trabalho de construir a gigantesca obra. Mas uma obra não se faz só de sonhos, principalmente quando ela é
grande. É-lhe indispensável dedicação diuturna, preocupação constante, doação de si mesmo e sobretudo calor humano, quando se trata de lidar com
criaturas humanas, ajudando-as a formar destino mais feliz. Por isso, alguns ficam só nos sonhos, e outros partem para a realidade, para a ação. É o
tempo que seleciona, que define posições.
A Cidade da Criança aí está. É algo de concreto, de palpável, demonstrando que os
recursos materiais e humanos foram carreados para fins úteis, para o bem de criaturas cujos meios não lhes possibilitariam formação profissional
capaz de garantir sobrevivência em condições dignas. É a união do estudo ao trabalho, de modo a preencher o tempo disponível de crianças em período
de idade delicada, evitando possíveis desvios.
Com 11 anos de idade, após terminado o curso primário, o menino já pode ser "cidadão"
da Cidade da Criança. Durante aproximadamente quatro anos, irá aprender, na prática, uma das seguintes profissões: tipógrafo, mecânico, padeiro,
barbeiro, marceneiro, colchoeiro, fabricante de calçados e músico.
Toda obra é marcada por alguma idéia, por algum pensamento que lhe transmite a
diretriz durante a existência. Esse pensamento, na Cidade da Criança, é o da liberdade. Não há muros ou sistemas rígidos de disciplina. O menor que
não se adapta ao sistema por si mesmo volta para o local de onde veio. Nem por isso há falta de estrutura interna; pelo contrário. Quando muitos
pensavam que a Cidade fosse invadida por multidão de menores, seus diretores estipularam que o funcionamento se iniciasse com 6 crianças. Por quê?
Era necessário, justamente, formar sistemas, dar estrutura, organizar e impor métodos, de tal forma que aqueles que fossem chegando se adaptassem ao
meio, e não o modificassem. "Só entra 1 por semana", diz o presidente da Casa.
Após algum tempo de experiência, o menor passa a ser meio-oficial da profissão. A essa
altura, percebe mensalmente NCr$ 33,00, importância que é creditada em seu nome. Quando de sua saída da Cidade, o total acumulado lhe será entregue,
em cheque. Como o funcionamento da Cidade é relativamente recente, em tais condições saíram cinco adolescentes, que estão empregados, com bons
salários. Outros saíram antes de completar o aprendizado, porque algum parente os reclamou, mas sempre levam alguma bagagem profissional, que poderá
ser desenvolvida posteriormente.
Atualmente, recebem instrução 86 meninos lá residentes. Mais 30, moradores das
redondezas, também são assistidos pela Casa da Criança, recebendo alimentação, roupa, estudo e trabalho, além de recreação.
A capela, de linhas muito simples, lembra a presença de Deus
Foto: Sílvio Guimarães, publicada com a matéria
Promoção humana - "Promover é possibilitar a uma pessoa a descoberta e o pleno
uso de seu valor como criatura humana; é proporcionar a alguém a oportunidade de poder escolher conscientemente seu caminho e, unido a seu
semelhante, nesse esforço comum, criar um mundo melhor no qual o homem seja a meta principal de qualquer programa proposto, quer pelos órgãos
governamentais, quer pela comunidade"; quem o afirma é d. Maria do Carmo Abreu Sodré. A Cidade da Criança procura essa meta, fugindo dos velhos
depósitos de menores, dando novo sentido à assistência; do contrário, todo esforço despendido teria resultados mínimos.
Na oficina gráfica, são ocupados 12 menores, seis no período da manhã e seis no
período da tarde. Quem trabalha à tarde, estuda de manhã. A fábrica de calçados (produz 70 pares por dia) ocupa 27 meninos; a marcenaria 14; a
oficina mecânica, 6; a colchoaria, 4; a padaria, 4, e a barbearia, 4, todas no mesmo sistema de divisão com dois períodos.
Já há convênio assinado com o MEC (N.E.: sigla de
Ministério da Educação e Cultura) para instalação de cursos de alfabetização de adultos, bem como de pedreiro e pintor
para os menores de idade superior a 14 anos e pessoas residentes nas imediações da Cidade. Desde que haja número suficiente de alunos será iniciado
esse curso.
Em cada oficina de trabalho, há mestres contratados que ensinam aos menores as
profissões. Os contratados também residem na Cidade. Na confecção de calçados, trabalham cinco oficiais vindos de Franca. O presidente aponta a
máquina de costurar sapatos por dentro e diz: "Só esta máquina custou-nos NCr$ 8.000,00; dentro de um mês esperamos produzir 150 pares por dia". O
par é vendido a NCr$ 6,00 (todo de couro, costurado por dentro e por fora, com saltos de borracha). A loja para venda está localizada na
Rua General Câmara n. 143. A receita da fábrica em 1968 foi de NCr$ 29.591,72. A tipografia possui 3
impressoras, 2 máquinas de cortar, 1 de picotar e 1 de grampear. Os preços cobrados são menores do que os comuns, e há boa variedade de tipos.
Roberto, moreno, 14 anos, é aprendiz de marcenaria. Não tem mãe. O padrasto ficou com
seus quatro irmãos e por fim também os internou, em São Paulo. O menino mostra ar de satisfeito, sorri quando fala e deixa ver dentes bonitos. Dona
Ermelinda é a dentista dedicada que também reside na Cidade há dois anos e cuida de toda a criançada. Os gabinetes médico e dentário estão muito bem
instalados.
A marcenaria em 1968 não produziu receita para a instituição; em troca, contudo,
produziu móveis, portas, janelas, vigamentos, armários, cadeiras etc., para a própria Cidade, com grande economia.
Sargento Walter, da Força Pública, vai três vezes por semana à Cidade. É o mestre da
banda, que conta com 30 meninos. No ano letivo escolar ensina à noite; nas férias, de dia.
A padaria funciona dia sim, dia não, e atende ao consumo de todos os moradores da
Cidade, que aprendem desde cedo o "Ganharás o pão com o suor do teu rosto". |