Foto: Lucas Baptista/DL, publicada com a matéria, na primeira página
Um novo olhar para a Cidade da Criança
Considerada pela Unesco referência
internacional na década de 70, a cidade da Criança, em Praia Grande, há anos é um gigante adormecido. A falta de investimentos e de sensibilidade
dos homens públicos contribuíram para que o equipamento que ajudou na formação pessoal e profissional de milhares de menores carentes entrasse num
processo de deterioração. A entidade só não se perdeu totalmente por causa de poucos heróis da resistência.
Foto: Lucas Baptista/DL, publicada com a matéria, páginas 8 e 9
Um gigante adormecido
Repórter: Carlos Ratton
Fotos: Lucas Baptista/DL
"Neste momento afirmo que devo tudo ao povo brasileiro. E faço um apelo para que nunca se esqueçam das crianças pobres, dos necessitados e das casas
de caridade".
Se esta frase, dita em novembro de 1969, por Edson Arantes do Nascimento, o Rei Pelé, logo após marcar o milésimo gol na carreira, fosse levada a
sério pelo Estado Brasileiro, jamais a Cidade da Criança estaria na situação atual.
Localizada no Jardim Solemar, em Praia Grande, a Cidade da Criança, que chegou a ser considerada pela Unesco referência internacional no
atendimento a adolescentes na década de 70, tenta se reerguer às custas de poucos cidadãos que insistem em proporcionar uma vida melhor a dezenas de
crianças carentes.
É difícil não se revoltar ao ver um local tão grande sendo tão mal aproveitado pelos governos estadual e federal. São vários espaços que,
reformados, poderiam se tornar um dos maiores pólos esportivos, educacionais e culturais da Região Metropolitana da Baixada Santista.
E para que isso se realizasse, não é preciso muito. Na verdade, bastam exatos R$ 5 milhões em investimentos, numa área de 600 mil metros quadrados
– 220 mil metros de área plana, 10 mil metros quadrados de edificações e o restante em mata atlântica resguardada pela legislação ambiental de
preservação da Serra do Mar. Um verdadeiro gigante adormecido.
Uma quantia irrisória, se comparado ao que os governos gastam com obras que "levam o nada a lugar nenhum", em que o mérito é mais visual do que
prático, como o que ocorreu com as gavetas de atracadouro da travessia entre Santos e Guarujá, que custaram cerca de R$ 60 milhões, quando já existe
um projeto de ligação seca (túnel) em planejamento.
Um investimento na
criança – Menos de 10% investidos na travessia seriam o bastante para que centenas de crianças e adolescentes
não só do Jardim Solemar, em Praia Grande (onde fica a Cidade da Criança), como de toda a região, tivessem a oportunidade de sair das ruas, do
caminho das drogas e da prostituição e passassem a desfrutar de um equipamento de primeiro mundo, tornando-se cidadãos e cidadãs de bem.
"Estamos buscando parceiros para reerguer a Cidade da Criança. O primeiro passo foi a elaboração do Plano Diretor da entidade. Agora, estamos em
busca de recursos para tirá-lo do papel", explica o atual presidente da Associação Assistencial da Cidade da Criança (AACC), o engenheiro Élio
Rodrigues da Silva.
Élio Rodrigues comenta que, mesmo precariamente, o complexo atende 180 crianças carentes, com aulas de artesanato, teatro, taekendo, tênis de mesa
e capoeira. Porém, ele quer mais, muito mais: "Confesso que se investimentos fossem feitos, a Cidade da Criança voltaria a ser referência mundial",
sonha.
Atualmente, a Cidade da Criança recebe subvenção da Prefeitura de Praia Grande, responsável por fornecer mão-de-obra para solucionar pequenos
problemas de infra-estrutura e pelo pagamento do abastecimento de luz e de água do lugar.
"Estamos tentando viabilizar a reforma do campo de futebol e da quadra poliesportiva. A nossa idéia é promover uma série de escolinhas de
esportes", afirma o presidente.
Plano Diretor – O presidente da Cidade da Criança explica que o Plano Diretor foi cuidadosamente estudado e aprovado pela atual diretoria da AACC, que pensou
em todos os detalhes para transformar o local.
O Setor de Esportes (A) seria composto por um campo de futebol; uma quadra poliesportiva; um campo de futebol society e uma quadra de
tênis. Os setores de Alimentação (B) e Recreação (C) teriam um restaurante; quiosques; sorveteria; loja de souvenir; piscina; pedalinho; pesca; nado
recreativo; arborismo; trilhas ecológicas e outros. "Isso poderia ser aberto ao público em geral e geraria renda à entidade e um grande ponto
turístico para a região, pois também teríamos o Setor de Hotelaria (D)", conta Élio.
O Plano também contempla uma Fazenda (E), com horta, poço, estábulo, lago e viveiro; uma Escola Técnica (F), que ministraria cursos de
informática; petróleo e hotelaria; e um Setor Administrativo (G).
A Prefeitura ocuparia o Setor H, destinado à Educação Municipal, e o restante do espaço abrigaria os setores Religioso (I); Ilha Técnica (J);
Geração de Renda (K); Horto Florestal (L); Industrial (M) e Projetos Especiais (N).
Foto: Lucas Baptista/DL, publicada com a matéria
Artista tenta ajudar
Engajado nesta tarefa de auxiliar menores carentes a se tornarem cidadãos completos, o artista praiagrandense Thiago Pomes, o Soul Pixaim, lançará
projetos culturais para ajudar a instituição a recuperar seu prestígio.
Com uma carreira ainda em fase de ascensão, Soul Pixaim já conquistou alguns sucessos. Um deles, exatamente na área de elaboração de projetos
culturais. Neste ano, ele recebeu o Prêmio Quality Cultural, oferecido pela Sociedade Brasileira de Educação e Integração (SBEI).
A premiação tem como objetivo "reconhecer, distinguir e premiar a gestão de empresas e instituições que se destacam no mercado brasileiro, cuja
excelência na qualidade de seus produtos ou serviços contribui efetivamente para o desenvolvimento sócio-econômico do País, valorizando o produto
nacional".
"Receber esse prêmio foi um grande estímulo para minha carreira e para alguns projetos que eu tinha em mente, em especial, o de ajudar a Cidade da
Criança", comenta Sou Pixaim.
Segundo ele, a idéia nasceu de uma visita que ele fez à entidade, a convite do presidente Élio Rodrigues da Silva. Lá percebeu a necessidade de
contribuir para mitigar a carência das crianças assistidas, e viu que poderia colaborar de várias formas.
O músico pretende assumir o papel de "Embaixador da Cidade da Criança", através de ações que irão muito além do simples assistencialismo.
Um dos projetos nesse sentido em andamento é o "Mão em Mão", que tem como meta o lançamento de um CD com músicas de Soul Pixaim, produzido por Ari
Nascimento.
A intenção é cobrir os custos da produção com cotas de patrocínio, para que o material seja distribuído gratuitamente, de mão em mão, em um evento
no qual serão arrecadados alimentos e brinquedos para a Associação Assistencial da Cidade da Criança.
"O mais importante é divulgar o trabalho da entidade em meio a empresários da região, para que eles se sensibilizem com as necessidades do local e
ajudem de outras maneiras", acrescenta Soul Pixaim.
O artista explica que já conta com sete patrocínios, das dez cotas previstas. Os patrocinadores terão seu logotipo divulgado na contracapa de cada
CD, do qual serão produzidas cinco mil cópias.
Empresários interessados em apoiar o projeto podem entrar em contato com ele pelo e-mail
soul-pixaim@hotmail.com ou pelos telefones (13) 9738-3399 e (13) 7812-0095.
Foto: Lucas Baptista/DL, publicada com a matéria
É preciso parar de sonhar
Fundada em 1960, com apoio de empresários e beneméritos da Baixada Santista, a Cidade da Criança, quando começou a funcionar, contava com
maquinário industrial moderno, com o qual os jovens passavam por cursos profissionalizantes como mecânica, tipografia, marcenaria, fábrica de
sapatos. Através do curso de panificação, por exemplo, a entidade chegou a fornecer 1.500 pães diariamente à Santa Casa de Santos.
Nas últimas décadas, com a rigorosidade das leis de defesa da criança e do adolescente e os vários altos e baixos da economia brasileira, a
entidade passou a ter dificuldades para sobreviver e só conseguiu um fôlego econômico após vender parte da área para a Prefeitura de Praia Grande
construir uma escola.
O dinheiro vem sendo gasto com a reforma de alguns prédios da entidade, como o local onde funciona um bazar beneficente. Mas hoje, conforme
vislumbra Élio Rodrigues, a entidade poderia estar preparando jovens para atuar no setor de Informática e outras áreas industriais. "Espero para
isso não falta na Cidade da Criança", afirma.
Em 2005, o então prefeito Alberto Mourão, hoje deputado federal, havia anunciado um projeto que previa investimentos de R$ 4 milhões ao longo de
um ano na Cidade da Criança.
A idéia era transformar o complexo em uma escola de período integral, com laboratórios, teatro, prática esportiva e ensino para o trabalho. Ele
também havia prometido reformar os antigos salões e o anfiteatro, de forma que, enquanto uma turma de estudantes estivesse na sala de aula, a outra
estaria aprendendo uma profissão ou praticando uma atividade esportiva ou cultural. Ficou só no sonho.
Em 2001, havia um projeto de recuperação do complexo educacional, em que a Cidade da Criança seria transformada numa vila olímpica, com auditório
e fazenda experimental.
A proposta não saiu do papel porque o empreendimento – na ordem de R$ 80 milhões – não despertou a atenção dos investidores regionais. Ele é
considerado até pelo próprio presidente como um valor irreal. "Como engenheiro, sei que por muito menos que isso dá para fazer muita coisa".
Qual deve ser a
prioridade? – Não é preciso ser nenhum técnico para perceber que no País existe uma profunda inversão de valores
quando se trata de investimentos. Principalmente com relação a entidades como a Cidade da Criança, que se preocupa com a formação e o futuro de
crianças e adolescentes. Não é à toa que se investe mais na construção de presídios do que em escolas.
Segundo fontes oficiais, em 22 estados, o custo por aluno da rede pública para 2011 fica abaixo do mínimo estipulado para se ter educação com
qualidade, definido pelo Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQI) com base no Produto Interno Bruto (PIB) de 2008.
O valor estimado pelo CAQI para os primeiros anos do ensino fundamental é de R$ 2.194,56. O valor mínimodo estudante da escola pública será R$
1.722,05, segundo a portaria interministerial 1.459 de 30 de dezembro de 2010.
A cifra é base para a distribuição de recursos pelo Ministério da Educação (MEC), por meio do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).
Segundo especialistas, desde 2010, o valor repassado pela União a estados e municípios para uso da merenda escolar foi reajustado para R$ 0,30 por
dia para cada aluno matriculado em turmas de pré-escola, ensino fundamental, ensino médio e educação de jovens e adultos.
No contraponto, e numa comparação lamentável, no estado de Goiás, são destinados aos presidiários o valor de R$ 7,10 por três refeições – café da
manhã, almoço e jantar – por detento.
Vale ressaltar que para detentos é refeição e para alunos, em alguns casos, é simples lanchinho. Esse valor é repassado pelo Estado ao município
de acordo com a quantidade de presos de cada cidade.
Mais uma vez vale o comparativo: paga-se mais para manter um indivíduo preso do que manter um aluno na escola, onde, em muitos casos, além da
educação, tem a sua melhor refeição.
Foto: Lucas Baptista/DL, publicada com a matéria
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