"Praia Grande praticamente não existia. Não tinha quase nada antes da inauguração
da Ponte Pênsil. Tinha uma estradinha por onde eles traziam lenha de mangue"
"Afaste-se da Fortaleza do Itaipu que virei bombardeá-la às
11,30 horas do dia 5".
Aviso aos corações temerosos: não se trata de uma nova revolução. Estamos começando a
contar a história de uma praia tão grande que virou Cidade.
Um dia um major, de nome Carambert Pereira da Costa, que servia na Fortaleza do
Itaipu, planejou o ataque à unidade, conforme relato feito por Graziela Dias Sterque em seu "Informativo Cultural", mensalmente editado em
Praia Grande. Era o período da Revolução Paulista de 1932, que defendia ardentemente a Constituição. A luta era
contra Getúlio Vargas, o mesmo Getúlio que esta semana foi alvo de diversas homenagens pela passagem do
centenário de seu nascimento.
O aviso de ataque do major Carombert era para sua esposa, que morava na Fortaleza. E
veio o bombardeio, com 48 bombas destruindo parcialmente as dependências tomadas pela 1ª Bateria.
A Fortaleza do Itaipu, assim como a Ponte Pênsil, sempre esteve ligada à história de
Praia Grande, uma Cidade cuja atração principal são seus quase 27 quilômetros de faixa de areia de praia.
Estradinha - "Praia Grande praticamente não existia. Não tinha quase nada antes
da inauguração da ponte. Tinha uma estradinha por onde eles traziam lenha de mangue para vender em São Vicente e Santos. Pouca gente morava por
ali".
José Evaristo sempre viveu na Baixada e na verdade não exagerou quando disse que Praia
Grande praticamente não existia. Além das praias só existia mesmo muita vegetação, a ponto de inúmeras pessoas saírem de Santos ou São Vicente para
buscar lenha, utilizando pequenas carroças puxadas por burricos.
O arquiteto Eliseu de Andrade Júnior, que também conhece muito da história de Praia
Grande, lembrou que as terras interiores, como se chamavam os terrenos junto aos morros, eram utilizadas para a agricultura, principalmente no
cultivo da banana. "Foi a fase áurea da banana, cujo maior consumidor era a Argentina. A faixa de areia de praia era para o tráfego, muito
insegura".
Praia Grande naquela época tinha características de final de região e a maior prova
disso foi o sistema de saneamento idealizado pelo engenheiro sanitarista Saturnino de Brito para a Ilha de São Vicente. O despejo final era junto ao
final do Morro Itaipu, utilizando um emissário que vinha pela Ponte Pênsil e depois pela Avenida Marechal Mallet. Há cerca de dois anos esse sistema
foi desativado, mas curiosamente no final de 1982 voltou a ser acionado, desta vez para receber os dejetos da área central de Praia Grande.
O efetivo surgimento do que hoje é Praia Grande começou em 1902, quando foi
determinado o início da construção da Fortaleza do Itaipu. Logo depois, em 1912, começou a construção da Estrada de Ferro Santos-Juquiá, depois
Estrada de Ferro Sorocabana e hoje absorvida pela Fepasa.
A época levou inclusive o então presidente do Estado de São Paulo até Praia Grande,
para presidir a solenidade de inauguração da estrada variante de acesso ao Forte, atualmente Avenida Marechal Mallet. A orla da praia, porém, apesar
das estradas de ferro e de rodagem e do Forte, permanecia intacta.
Segundo o arquiteto Eliseu, o maior entrave ao desenvolvimento era a falta de água. A
rigor, a primeira efetiva utilização da orla ocorreu em 1936, quando um grupo de santistas fundou o Aeroclube de Santos, até hoje em pleno
funcionamento.
Com a construção da Via Anchieta, porém, deu-se a abertura do mercado turístico, já
que a expansão da indústria automobilística possibilitou o êxodo semanal do Planalto à região, valorizando as terras da orla da praia em toda a
Baixada Santista.
Nessa altura, já se observava que Praia Grande era visualizada como estância balneária
de recreio, principalmente pelo fato que em toda a área não havia população fixa. Eliseu de Andrade Júnior destacou que os grandes empresários da
época logo perceberam a vocação da Cidade, partindo para os grandes empreendimentos.
O primeiro deles surgiu em Cidade Ocian, visando principalmente atender ao interesse
dos turistas que procuravam casas para veraneio nos fins de semana. Esse processo termina com a instalação oficial do Município de Praia Grande,
depois de muita polêmica com São Vicente. Começam, então, outras lutas, dentre elas a que prevê a construção de uma nova ponte sobre o Mar Pequeno.
Era, como diziam as autoridades, a emancipação geográfica, a solução para que Praia Grande realmente pudesse desenvolver sua vocação turística.
Há grande preocupação no Município com a
possibilidade de ser modificada
a lei que impede a construção de altos edifícios na orla da praia
Foto publicada com a matéria, cor adicionada por Novo Milênio
Grande parte da vegetação lembrada por seu Evaristo hoje
não existe mais. Em seu lugar surgiram prédios, casas etc. A vocação para estância balneária de recreio foi respeitada? Qual a realidade de Praia
Grande?
Pelo menos oficialmente as características foram respeitadas: "Estância Balneária de
Praia Grande". A cada fim de semana centenas de turistas, do interior de São Paulo e até de outros estados, visitam a Cidade, à procura de momentos
de lazer que façam, mesmo que temporariamente, esquecer o ritmo alucinante de trabalho. Há caso inclusive de pessoas, do interior do Paraná, que
nunca viram o mar e quando chegam a Praia Grande correm pela faixa de areia como crianças inocentes.
Em dezembro de 1981, quase 20 anos após a primeira reivindicação, A Tribuna
documentava a inauguração do primeiro tabuleiro da nova ponte sobre o Mar Pequeno. Houve de tudo naquela festividade de caráter político, com vistas
às eleições gerais do ano seguinte. Na opinião de inúmeras pessoas, com a nova ponte nada mais deteria o progresso de Praia Grande. Os mais
otimistas falaram até na futura "Capital da Baixada Santista no prazo de cinco anos".
Problemas - Depois da implantação do empreendimento "Cidade Ocian", as
construções foram surgindo nos mais variados pontos, concentrando-se prédios no Bairro do Boqueirão e as casas entre o Campo de Aviação e o Distrito
de Solemar, na divisa com Mongaguá.
Na opinião do arquiteto Eliseu de Andrade Júnior, foi exatamente a partir das
construções que começaram a aparecer os problemas, evidenciando a necessidade de se dotar o Município da infra-estrutura necessária a suportar a
avalancha turística. "O maior problema é a drenagem, para escoamento das águas pluviais, já que as terras, como nos demais municípios da Baixada,
são baixas".
Santos e São Vicente não suportam mais receber o número de turistas que nos fins de
semana procura o Litoral para descanso. Praia Grande não conta com o mínimo de infra-estrutura necessária ao atendimento à população fixa, razão
pela qual há necessidade de um grande planejamento para evitar que o caos se estabeleça por completo.
Depois da construção da ponte só se fala da "explosão" que ocorrerá nos próximos anos.
Eliseu de Andrade Júnior alertou que o maior perigo é justamente o desenvolvimento a qualquer custo: "Já pensou quando todas as áreas estiverem
ocupadas? Sem estrutura certamente haverá um desastre, principalmente se não forem resolvidos os principais problemas de drenagem".
Esgoto - Praia Grande, atualmente, não tem qualquer problema sério referente a
abastecimento de água, mas quanto ao esgoto a situação causa preocupações, principalmente porque as perspectivas são de que a explosão imobiliária
ocorrerá a curto prazo.
A proliferação de prédios e residências na orla colocará em risco justamente a maior
atração da Cidade: seus 27 quilômetros de praias. Até agora, com muito sacrifício, foi implantada rede de esgoto apenas na área entre o Canto do
Forte e o Campo de Aviação, numa extensão de aproximadamente três quilômetros. O sistema já está parcialmente em atividade, mas assim mesmo, naquele
trecho, continua o despejo de dejetos "in natura".
O comprometimento da balneabilidade das praias coloca em risco a vocação turística da
Cidade, razão pela qual, conforme o arquiteto, precisam ser adotadas providências urgentes. "A expansão acelerada pela ansiedade do público do
Planalto tornou-se rápida e superficial, passando por cima de diretrizes de planejamento que jazem esquecidas sob o peso dos interesses
imediatistas".
Para Eliseu de Andrade Júnior, a população flutuante ainda não se encontra
sensibilizada pelos problemas do Município, preocupando-se apenas com o lazer durante o fim de semana.
Lado pobre - A área geográfica de Praia Grande é dividida quase que ao meio
pela Rodovia Padre Manoel da Nóbrega, ligação entre a Baixada Santista e o Litoral Sul e Vale do Ribeira. Do lado direito da Rodovia está a outra
realidade do Município: o lado pobre.
Em diversos pontos observam-se favelas ou residências construídas sem o mínimo de
condições para uma vida com um pouco de dignidade. À direita da estrada os problemas são inúmeros, havendo até pequenos núcleos que não contam
inclusive com água encanada.
Eliseu de Andrade lembrou que nos últimos anos centenas de pessoas, a maioria de
Cubatão, transferiram-se para Praia Grande, provavelmente para fugir aos problemas decorrentes da poluição. Em razão disso começaram a surgir os
grandes núcleos habitacionais, exigindo dos órgãos públicos, municipais e estaduais, atuação semelhante à que é imprescindível na orla da praia.
Afinal, pelo menos em tese, todos são iguais.
A necessidade de se planejar o crescimento para os próximos dez anos é a única solução
para que Praia Grande mantenha sua vocação turística e também para que sua população possa desfrutar da área que até pouco tempo, como disse seu
Evaristo, praticamente era só mato.
Washington Luiz (o quinto à esquerda, sentado),
numa solenidade em 1924 no forte
Foto publicada com a matéria, cor adicionada por Novo Milênio
"O planejamento integrado se impõe. A defesa do
meio-ambiente é compromisso assumido". A afirmação é do arquiteto Eliseu de Andrade Júnior, curiosamente o atual diretor de Obras da Prefeitura de
Praia Grande. Numa referência indireta à vitória do PMDB neste município, o arquiteto falou que está se iniciando um novo ciclo de trabalho, desta
vez com a participação de todos os interessados. "A administração se abre para a comunidade e a convoca para participar efetivamente, mesmo porque
deverão ser respeitadas as tradições vigentes e também a experiência comunitária".
Por coincidência, o principal assunto hoje na Cidade é o decreto número 750, que, além
de preservar os morros, limitou a quatro pavimentos o gabarito máximo dos prédios na orla da praia. Na semana passada houve efetivamente a primeira
participação de um setor do Município: o empresarial. Incorporadores, o prefeito Wilson Guedes e o diretor de Obras reuniram-se num restaurante para
debater justamente a nova legislação sobre as construções. Sabe-se conforme os comentários, que a grande reivindicação é a alteração do artigo que
veda as grandes construções na orla da praia, que não conta sequer com 70 por cento da infra-estrutura de que necessita. Como conciliar os
interesses empresariais, que para muitos representam o progresso, com a vocação turística da Cidade?
Pressão danosa - Segundo Eliseu de Andrade Júnior, esse realmente é o problema:
"A grande pesquisa que atualmente se efetiva é conciliar a expansão urbana dentro das reais vocações da região. Toda e qualquer pressão nesta fase
será, de fato, danosamente irreversível".
Para o arquiteto há necessidade de se desenvolver uma consciência no sentido de que a
faixa à beira-mar seja reservada para os melhores interesses comerciais: "Isso possibilitará que a orla se apresente como um grande boulevard;
a força comercial instalada ao longo das praias possibilitará o equipamento necessário ao desenvolvimento do turismo, garantindo a vocação da
Cidade".
Eliseu de Andrade Júnior revelou em seguida que já estão em desenvolvimento os estudos
referentes à elaboração do plano diretor físico, de modo a preparar o futuro da Cidade. "Praia Grande foi escolhida pelo povo do Planalto como área
de descompressão leve e também de recreação. O Município inseriu-se no contexto da Grande São Paulo, é hoje uma região de utilidade estadual".
Para o arquiteto, os prédios na orla da praia têm que ter características comerciais,
abrigando no térreo, e até nos primeiros andares, bares, lanchonetes, restaurantes e lojas. Eliseu defendeu também uma idéia antiga: a implantação
de self-containers, conjunto de apartamentos sob administração empresarial.
Esse sistema, além de propiciar recursos tanto na fase de construção como na de
utilização, por intermédio do Imposto Sobre Serviços (ISS), evita a privatização da área defronte ao mar.
A importância do Estado - A manutenção da vocação turística de Praia Grande
exigirá a realização de obras com custos elevados, principalmente no setor de saneamento. Além da execução da segunda e terceira etapas do sistema
de esgoto, há necessidade de implantação de vários canais de drenagem, semelhantes aos existentes em Santos. Para o arquiteto, a construção dos
canais é a única solução para evitar que no futuro Praia Grande enfrente sérios problemas de drenagem, em razão de sua área muito baixa, a nível do
mar.
O fato de Praia Grande ser considerada uma área de utilização estadual por certo
servirá como argumento para que o prefeito Wilson Guedes convença o governador Franco Montoro a investir na Cidade.
Paralelamente, a administração municipal pretende criar novas fontes de recursos para
ter condições de atender ao visitante e também para melhorar a situação dos moradores à direita da Rodovia Padre Manuel da Nóbrega.
A idéia do prefeito Wilson Guedes é incentivar a instalação de indústrias não
poluentes, numa área defronte da Cubatão-Pedro Taques, nas proximidades da divisa com São Vicente. A industrialização, além de gerar recursos,
proporcionaria um desenvolvimento mais rápido da área à direita da estrada, o que melhorará as condições de vida da população carente.
No começo do século XX, a lenha retirada de Praia
Grande era transportada em carroças
Foto publicada com a matéria, cor adicionada por Novo Milênio
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