E A MÁQUINA
AVANÇA
As ações
e reações de Fernando Henrique, Nelson Jobim... e, mais uma
vez, o embarque da mídia numa candidatura oficial.
Por Bob Fernandes
Fato. Segunda
semana deste setembro. O presidente da República, Fernando Henrique
Cardoso, telefona para o dono de um jornal. Apela para que não publique
uma notícia sobre o candidato do governo, José Serra, e acrescenta:
Isso seria muito ruim para o Serra nesta hora. Para preservar a fonte,
omite-se o nome do jornal. Se o presidente assim desejar é possível
avançar; incluindo-se os fatos, inconclusivos até a madrugada
da sexta 13. Mas nem isso ofusca a importância do telefonema.
Fatos. Fernando
Henrique Cardoso é presidente do Brasil. Na primeira porção
do seu governo, e até abril de 1997, Nelson Jobim foi ministro da
Justiça. Depois, por indicação do presidente da República,
tornou-se ministro do Supremo Tribunal Federal. Jobim é casado com
Adrienne Senna, que no Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf)
é detentora do poder de puxar ou não puxar o fio do fluxo
e contrafluxo financeiro, em especial o ilegal, que circula, entra e sai
do País. Quando Jobim e Adrienne se casaram, o padrinho foi José
Serra que um dia com Jobim já dividiu apartamento em Brasília.
Serra, candidato à Presidência da República pelo PSDB,
partido que tem Serra, Fernando Henrique, e Nelson Jobim, entre os fundadores.
Jobim, hoje, preside o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o processo eleitoral.
Na sexta-feira
2 de agosto, o colunista Luís Nassif revelou, em longo artigo na
Folha
de S.Paulo: com a intermediação de um amigo da família
Bush, o empresário Mario Garnero, eleito Bush Jr. presidente dos
Estados Unidos, "montou-se uma operação meticulosa para aproximá-lo
de Fernando Henrique Cardoso".
Fatos, outros
fatos, impediram uma relação mais amistosa, mas, relata Nassif,
"a data final foi fechada entre Garnero e Jobim em uma reunião no
Plaza Athénée de Paris". Condoleezza Rice era a ponte do
lado de Bush Jr, o ministro Jobim, o interlocutor de Fernando Henrique
Cardoso.
Quando fez
seu relato da operação diplomática envolvendo o trio
FHC-Garnero-Bush, Nassif referiu-se a Jobim como "o então ministro
da Justiça". A CartaCapital, disse Nassif: "Nem me passou
pela cabeça que à época ele já era ministro
do STF". Mas já era.
A colunista
da mesma Folha de S.Paulo, Mônica Bergamo, detectou a impropriedade
e reescreveu a história. Já ministro do STF, Nelson Jobim
teria participado de articulações e de uma missão,
informal, em nome do governo de Fernando Henrique. O relato de Nassif,
depois de publicado, não foi contestado.
CartaCapital
perguntou a Nassif: "O que você publicou merece ou mereceu algum
reparo? É aquilo mesmo?" Nassif respondeu: "Não teve reparo
algum à época, pelo contrário. E a única coisa
que não estava certa foi eu ter afirmado que ele ainda era ministro
da Justiça. Eu nunca iria imaginar..." Nunca iria imaginar um ministro
da mais alta corte do País a cumprir uma missão em nome do
Estado do qual deve, constitucionalmente, independer.
CartaCapital
procurou também o ministro Jobim para esclarecimentos. Seu assessor
de comunicação, Armando Cardoso, infirmou que o ministro
rumava naquela noite, quarta-feira 11, para Londres e que suas explicações
já haviam sido dadas.
O ministro
Jobim, em resumo, disse ao UOL News que "soube do assunto" pela
reportagem na Folha de S.Paulo do domingo 8 de setembro. E ponto.
Desde então, na mídia, necas de pitibiribas. Não se
falou mais no "assunto".
Imaginemos
então o seguinte cenário: Lula é o presidente do Brasil.
Jobim Nelson, que foi seu ministro da Justiça, é indicado
para o STF (O que não diria a mídia?). Jobim Nelson e Adrienne
se casam e João é padrinho do casório. João
e Jobim Nelson, de tão amigos, já dividiram apartamento em
Brasília. Mais tarde, João Encerra candidato a presidente
da República, Jobim Nelson é alçado à
presidência
do TSE. (O que não diria a mídia?) E Jobim Nelson muda a
legislação, em pleno ano eleitoral, para tentar impingir
uma verticalização a obrigatoriedade de, feita uma aliança
no plano nacional,ela ter de se repetir no plano regional.
A modificação
nas regras do jogo, ainda que embalada em anunciadas boas intenções,
ajuda, não há como negar, a candidatura do amigo João.
Empurra para o seu palanque o PMDB, que não tem alternativa uma
vez que Gomes Ciro montou seu jogo com PTB e PDT, e faz crescer o tempo
de João no horário eleitoral. (O que não diria a mídia?).
Não
apenas isto: Jobim Nelson é, através de Mario, o amigo empresário,
escalado para, sem deixar o Supremo Tribunal, servir como interlocutor
na montagem de uma operação diplomática que envolve
o presidente da República do mesmo partido do seu candidato, o João,
e o presidente de um outro país, o mais poderoso da face da Terra.
(O que não faria a mídia?).
CartaCapital,
na vida real, ouviu também um grande amigo de Mario Garnero. Que
foi categórico: Essa história é isso mesmo. O Mario,
como brasileiro, trabalhou para ajudar o Brasil e o interlocutor comum
entre Bush e o presidente Fernando Henrique foi o ministro Jobim.
A mídia,
no mundo de Fernando Henrique, José Serra e Nelson Jobim, tirante
a Folha no domingo 8, o UOL News no dia seguinte e o Correio
Braziliense, mal registrou. E ponto. Seqüência ao caso?
Investigações? Nadinha. É absorvente, extenuante,
a tarefa de liquidar Ciro Gomes e mirar em Lula. Dada por encerrada a primeira
parte do serviço, preparava-se, anotem, aquele que será o
maior bombardeio de que já se teve notícia num ano eleitoral.
Bombardeio contra o candidato Lula.
Em 1989, campanha
a ser tratada ao final deste arrazoado, Fernando Collor de Mello foi assimilado.
José Serra não. Ele é o candidato visceral do establishment,
inclusive, e, em especial, o midiático.
Note-se o levantamento
de exposição dos candidatos, feito não por Ciro Gomes,
mas pela assessoria do candidato Lula. Exposição nos jornais
O
Estado de S. Paulo, Folha de S.Paulo, Jornal do Brasil
e O Globo entre os dias 31 de agosto e 6 de setembro. Notícias
negativas sobre Ciro Gomes: 106. Notícias negativas sobre Lula:
90. Notícias negativas sobre José Serra: 43. Notícias
positivas sobre Ciro Gomes: 42. Notícias positivas sobre José
Serra: 71.
Antes de adentrarmos
a história do bombardeio que já se anuncia, e a de outros
a que o País já assistiu entre pasmo alguns poucos e cúmplice
muitos, vale reler o que dizem alguns ilustres personagens sobre o processo
eleitoral ou uma porção dele em curso.
Escreve, em
4 de setembro, Luis Fernando Veríssimo na crônica O Serra
Sambando: (...) Quem nos assegura que não está nessa
sua disposição (do Serra) de ser ridículo pelo Brasil,
de ser desengonçado pela democracia e atravessar o ritmo por uma
missão maior e não, como estão dizendo, no claro favorecimento
da sua candidatura pela grande imprensa a explicação de sua
subida nas pesquisas?
Escreve, em
3 de setembro, Jânio de Freitas, na Folha de S.Paulo, no artigo
intitulado Ciro e Serra: (...) Em todas as redações
há sempre algum novo episódio a comentar, na relação
conflituosa de José Serra com jornalistas. Ninguém telefona
mais, todos os dias, para dirigentes de mídia e editores do que
Serra. A crônica lhe debita prejuízos sofridos por profissionais
sérios... Sobre José Serra e Ciro Gomes, Jânio nota:
Bem, há uma diferença adicional, esta por parte da mídia:
é a diferença de tratamento entre a tolerância silenciosa
e o rigor.
Escreve o ombudsman
da Folha de S.Paulo, Bernardo Ajzenberg, no domingo 8 de setembro,
sob o título Reta final: Foi uma semana em que serristas
somaram motivos para comemorar, enquanto lulistas e ciristas acabaram "maltratados".
A longa e
cirúrgica coluna do ombudsman é toda dedicada a, com exemplos,
mostrar o claro favorecimento a José Serra em desfavor de Ciro Gomes
e Lula.
É notável
o fato no restante da mídia absolutamente incomum de a Folha
de S.Paulo assegurar espaços para tão contundentes autocríticas.
Recorde-se também o trecho em que Jânio de Freitas se refere
a telefonemas para "dirigentes de mídia e editores". É aí
que o jogo se resolve.
Escasso é
o poder real da patuléia das redações. Quem, redações
Brasil afora, der sinais de que não tem bom faro para o rumo dos
ventos estará condenado ao degredo. Como está, de resto,
quem ouse dizer aquilo que qualquer foca sabe, mas que não
pode e nem há espaço para ser dito. De mais a mais, já
dizia Karl Marx: "A ameaça de desemprego é um fator de disciplina
no chão da fábrica". Imagine-se então nestes tempos
de crescente desemprego no setor.
Antes de chegarmos
ao bombardeio que se promoverá contra Lula, um pouco da metodologia.
Primeiro, há que ser pragmático, e cínico. De um lado,
visceralmente identificados, estão os interesses dos dirigentes
das empresas, dos seus porta-vozes numa redação. De outro,
os interesses de quem tenha, ou busque, um espaço privilegiado.
A moeda do, ou da, escriba, na boa hipótese costuma ser a informação.
Aposta-se sempre em que está, ou estará no poder.
É garantia
segura de, acredita quem assim age, boa informação. Quando,
já no poder, alguém dá mostras de estar em queda,
ou liquidado, prepara-se rapidamente o grande salto em direção
ao futuro; sempre haverá espaço para a meia-trava e a recueta;
quem está no poder assimila, só chegou lá porque sabe
como é esse jogo.
É da
boa prática também a defesa prévia com ataques. Tome-se
o caso da sucessão presidencial em curso. Desmonta-se quem aparecer
pela frente da candidatura oficial e, depois, antes do desmonte seguinte,
busca-se colar um rótulo em quem resista. Quem resista, seja lá
por qual motivo for: princípios, mero impulso, ou mesmo as ânsias
que o espetáculo costuma provocar.
A tática
foi empregada pelo Chefe, Fernando Henrique Cardoso, quando do primeiro
mandato em busca do segundo. Quem não se recorda dos seus adjetivos,
repetidos ad infinitum pelos porta-vozes do governo em emissoras
de televisão, rádio, jornais e revistas? Pessimistas, catastrofistas,
primários, caipiras, radicais, atrasados, neobobos, nhenhenhém...
Bem, de repente
o laureado governo teve de, num curto espaço de quatro anos, passar
o pires e pedir US$ 70 bilhões ao FMI. Some-se a dívida interna
de R$ 819 bilhões, o desemprego de 11 milhões de cidadãos...
mas não há problema.
Quem está
no poder conhece o jogo, sabe que, para salvar a face, alguma crítica
sempre poderá ser feita por seus porta-vozes nos momentos mais dramáticos.
Nada que não se esqueça pouco depois.
Nesta segunda
semana de setembro, o cardápio do prato seguinte, Lula, já
estava nas páginas: MST, muito MST, Santo André, Olívio
Dutra, Zeca do PT... Para ser servido fartamente.
Eis que reaparece
a reencarnação do inominável: José Rainha!
Amigas, amigos, por onde andava José Rainha? Por que só agora,
como se viu também às vésperas da reeleição
em 98, José Rainha reaparece nas páginas, nos telejornais?
Por que, ao comando vocal de José Serra, manchetes buscam, cobram,
apontam ligações entre o PT e o MST? Por que, enquanto se
demonizava Ciro Gomes, desapareceram Rainha, o MST? Porque, ali, a hora
era de matar Ciro.
Não
por acaso, consumados e atestados os fatos, via pesquisas, o próprio
candidato oficial prega e as páginas, colunas, manchetes, vibram
na reverberação do que virá: Agora é o Lula!
Por que Santo
André é um caso que esfria e esquenta no noticiário?
O método é o de sempre. Nas colunas, nas notas, planta-se
a intenção, com muita pimenta. Bate-se até ficar bem
moído. A seguir, depois do fogo lento, coloca-se no noticiário,
nas manchetes. Repete-se a operação tantas vezes quantas
forem necessárias. Depois é só enfiar na gráfica,
ou no ar... e servir. O filé irá para as manchetes e ao repasto
no horário eleitoral gratuito. Ou para os debates, quando eles acontecem.
A propósito
de debates, Renata Lo Prete, na Folha, Ricardo Noblat, no Correio
Braziliense, e uma pequena matéria em O Globo noticiaram
o cancelamento do debate no SBT. Vamos aos bastidores, significativos,
do cancelamento. José Serra, depois de acuado por Ciro, Lula e Garotinho
no debate da TV Record, temia a repetição do esquema 3 contra
1 e não queria o debate a ser mediado por Silvio Santos no SBT.
Silvio Santos, patrão de Gugu Liberato, estrela da campanha de Serra
no horário eleitoral gratuito. Gugu, que recebeu Serra domingos
e domingos, quando a sucessão ainda se iniciava. Serra não
queria o debate e Silvio não queria desagradar a Serra, mas, sendo
Silvio, não queria desagradar a ninguém. O que fez Silvio?
Tirou uma do baú. Numa reunião com assessores dos candidatos,
impôs uma condição de última hora: não
seria permitido atacar o presidente da República nem o seu governo.
Ah, não aceitamos, foi a resposta dos candidatos de oposição.
Então cancele-se o debate, encerrou o patrão do Gugu.
Dirão,
com razão, que Ciro Gomes cometeu erros que o levaram para o alvo.
Lembrarão ACM, Bornhausen, o PFL oligárquico... (Mas o que
dirão as manchetes agora, quando o mesmo PFL anuncia o embarque
na candidatura Serra?).
Ciro, além
de permitir dúvidas reais e legítimas quanto à hegemonia
em seu projeto, cometeu o pecado do excesso de auto-suficiência.
Imaginou ser possível enfrentar A Máquina apenas com seu
verbo e suas intenções.
Descuidou-se,
se expôs, fez frases diante de quem estava pronto para trucidá-lo.
Ciro, em determinado momento, trocou a crítica às estruturas
pelo combate direto, nominal, pessoalizado. E trocou num crescendo de temperatura
verbal.
Anotava o diretor
do Correio Braziliense, Ricardo Noblat que vive e conhece Brasília
há 20 anos, em 18 de agosto, na sua Carta ao Leitor: A maioria
dos donos de veículos de comunicação quer a vitória
de Serra. A maioria dos jornalistas se divide entre Lula e Serra. Ciro
virou um incômodo para Lula, Serra, donos de mídia e jornalistas.
O modo como trata os jornalistas piora o tratamento que recebe deles. Uma
eventual vitória de Ciro obrigaria os jornalistas a renovarem suas
agendas de fontes de informação e a voltarem a cultivar fontes
que já tinham descartado, como o ex-senador Antônio Carlos
Magalhães...
Parece tão
pouco, não é, caro leitor, cara leitora? Mas é assim
mesmo. Boa porção de colunistas e/ou importantes jornalistas
que das informações de ACM se alimentaram por anos e anos,
de repente, não mais que de repente, descobriu ser Antônio
Carlos um oligarca.
Quando da desgraça
daquele que, sob silêncio obsequioso, foi sócio do governo
de FHC desde sua gestação, desceram-lhe o malho, ajudaram
a encaminhá-lo de volta para a Bahia de onde agora retornará.
Daí, ao notar o fechamento do cerco, a ferina, histórica
e minimalista constatação de Antônio Carlos no dia
em que sentiu no lombo a volta do cipó de aroeira: A mídia
é safada.
Talvez seja
necessário ocupar os microfones do Maracanã, ou do Morumbi,
num dia de Fla x Flu ou Palmeiras e Corinthians, e perguntar a quem dispõe
de grandes redações, de recursos para investigar em larga
escala e continuamente: Onde está Ricardo Sérgio, aquele
que foi tesoureiro de campanhas de José Serra e personagem central
no processo de privatização do Sistema Telebrás???
Como anda o inquérito que, na Polícia Federal, do Rio, apurava
suas peripécias no processo de privatização??? Por
que o delegado que apurava o caso foi afastado??? O que foi feito da denúncia,
de Benjamin Steinbruch, de que propinas foram cobradas (R$ 15 milhões)
na privatização da Vale do Rio Doce??? Pagaram ou não
pagaram??? Quem recebeu??? Em nome de quem??? Quem financia, quanto custam
as campanhas presidenciais??? Todas!? Por que sumiram, na Sabesp, a companhia
de águas de São Paulo, os adendos que tratavam do bilionário
projeto de despoluição do Rio Tietê? Projeto que teve
na gestão a empresa do falecido Sérgio Motta.
Por que, um
dia, o ministro Paulo Renato sentiu-se alvo de um conjunto de informações
que ligava o alto tucanato ao bilionário empréstimo do BID
para a despoluição do Tietê? (Que uma década
e centenas e centenas de milhões depois segue poluído.)
É certo,
seguro, que uma frase infeliz de Ciro Gomes sobre o papel de sua mulher
deve ser alvo de críticas, talvez até de dias e dias de manchetes,
como foi, mas o que dizer do escandaloso silêncio diante, por exemplo,
dessa pautaria aí acima?
É do
bom jornalismo investigar, repisar, mais uma vez, as ligações
do PT com o MST, mas e as imbricadas ligações entre o mundo
da política e o processo de privatizações no Brasil,
onde andam?
Por que o lado
obscuro das privatizações sumiu das páginas, das manchetes,
dos telejornais? Se tudo aquilo era ficção, por que um dia
foi notícia? Se não era, por que não é mais
notícia, enquanto Santo André, o Zé Rainha e o Olívio
voltam às manchetes?
Qual foi, como
se deu, a ascensão econômico-financeira de cada um dos candidatos?
Como ganharam a vida, em que instante deram o salto, se é que deram?
O que dizem, disseram, seus pares ao longo da caminhada na vida pública?
CartaCapital
já respondeu a muitas dessas indagações em seus oito
anos de existência.
Por que razão
grupos de mídia que têm repórteres qualificados em
quantidade suficiente para tal missão que é árdua,
onerosa e lenta não esclarecem, ou não retomam esses pontos,
básicos, para o eleitorado? Quiçá porque uns terão
mais explicações a dar do que outros.
Por que razão
a mídia, que vive quase toda ela uma situação de extremada
penúria, não levou à população, aos
seus telespectadores, ouvintes e leitores, o debate sobre o ingresso ou
não de capital estrangeiro para as atividades no setor? Não
levou porque esse é, foi, um jogo e um acerto de portas fechadas,
entre meia dúzia de senhores. A sobrevivência da maior parte
dos grandes grupos dependeu, depende, dependerá, da vontade, da
caneta e dos cofres de quem estiver na Presidência da República,
de quem mandar no BNDES, no Banco do Brasil, uma vez que o ansiado capital
estrangeiro anda escasso, pode nem desembarcar. Para tanto, é preciso
apostar, confiar em quem for chegar lá. É preciso história,
convivência, compromisso de classe. Esse é o jogo.
A Máquina
se move, como já se moveu em tantas outras ocasiões. Em 1998,
quase solitário, no telejornal da Band, Paulo Henrique Amorim
anunciava, dia a dia: "Hoje o Brasil perdeu 900 milhões... perdeu
1 bilhão... perdeu 700 milhões... a mudança do câmbio
é inevitável..."
Manteve-se
a farsa até que se encerrasse o segundo turno. O País sangrou
em US$ 39 bilhões e, no 13º dia depois da posse, fez-se a inevitável
desvalorização.
Por que a
mídia, em especial a eletrônica, calou-se diante da obviedade?
Basta conferir quem ganhou concessões na telefonia, nas tevês
a cabo, nos satélites, nas listas telefônicas, nos guichês
do BNDES ou do Banco do Brasil. Lá estarão as digitais e
mais um capítulo da história do Brasil.
Que Lula coloque
suas grisalhas barbas de molho. A Máquina se move, e tem sede, fome
de manter-se à frente do poder. A título de ilustração,
recordemos alguns de seus grandes momentos.
Setembro de
1994, edição 567, a revista Exame, em 14 páginas,
faz uma reportagem e entrevista Fernando Henrique Cardoso. Título
da reportagem: "Nunca foi tão fácil fazer a opção
certa". Capa da revista com o rosto do candidato e a manchete, garrafal:
Por
que Fernando Henrique é melhor.
Cinco anos
antes, novembro de 1989, a três semanas do 17 de dezembro, data do
segundo turno entre Fernando Collor de Mello e Lula. A revista Veja,
em sua matéria de capa, traz Lula e o capitalismo. À página
53, em matéria de sete páginas, caracteriza-se o PT: (...)
se abrigam sindicalistas com variados graus de agressividade, líderes
grevistas e seitas esquerdistas que adoram fazer elogios ao sandinismo
da Nicarágua, ao comunismo cubano de Fidel Castro e à luta
de classes.
Ao lado de
Collor havia de tudo um pouco, inclusive um bando que iria assaltar os
cofres públicos, mas aquilo não era importante naquele momento
decisivo.
Segue a matéria,
aterrorizadora: Aquela fatia da população que é dona
do seu próprio negócio tem a impressão de que vai
ficar muito mais difícil trabalhar, investir e ganhar dinheiro caso
a hipótese Lula se transforme no presidente Lula.
Não
era o suficiente. Havia mais: As pessoas que conseguiram formar um pequeno
patrimônio ao fim de uma vida de trabalho, mesmo que seja uma casa
posta para alugar, perguntam-se o que pode lhes acontecer. Há advogados
querendo saber se sua clientela terá dinheiro no bolso para pagar
seus honorários. Profissionais bem-sucedidos alimentam dúvidas
sobre a possibilidade de ficar sem as promoções que esperam,
sobre as nuvens que passam a cercar suas carreiras ou mesmo sobre as chances
de perder o emprego.
Quarenta e
cinco dias depois, Collor e os seus assaltavam a poupança de um
país inteiro. O que se vê e o que se verá daqui por
diante, embora mais sutil, mais sofisticado pelas experiências anteriores,
é mais do mesmo. Em quantidade amazônica. |