Nome dela
é Roseana,
mas pode
chamar de Sarney
por
Palmério Dória
A HISTÓRIA
SE REPETE
31 de janeiro
de 1966. Numa São Luís secular e suja, onde mendigos
perambulam,
bairros carecem de saneamento básico, esgotos a céu aberto,
ratos e urubus dividem a paisagem, um jovem e fogoso deputado federal toma
posse no governo do Estado do Maranhão. Ele acabava de derrotar
a mais torpe das oligarquias, especialmente truculenta, comandada pelo
senador Vitorino Freire, um cacique pessedista imortalizado por Rubem Fonseca
como o "senador Vítor Freitas", o homossexual violento do romance
Agosto.
Num discurso
histórico, denunciando a miséria, o abandono da população,
a violência e a corrupção, José Sarney anuncia
uma "ruptura", uma "democracia de oportunidades" e enterra a era vitorinista
com caixão de segunda classe. Mesmo sendo da UDN, ele teve o decisivo
apoio da esquerda. O fato de o PSP de Adhemar de Barros e da empreiteira
Mendes Jr. terem irrigado sua campanha não diminui a importância
histórica de sua vitória.
Entusiasmado,
o já famoso cineasta Glauber Rocha filma toda a solenidade. O documentário
ganharia o nome de Maranhão 66 e chocaria pelo final: o belo
discurso de José Sarney, denunciando as mazelas de seu Estado e
o sofrimento de sua gente era reproduzido em off, enquanto cenas
da miséria explícita dos maranhenses eram mostradas. Encerrando,
grandiloqüente, a fala do novo governador, em que ele "jurava" acabar
com a política vigente, um turberculoso agonizava em público.
31 de janeiro
de 2002. Numa São Luís secular e suja, onde mendigos
perambulam,
bairros carecem de saneamento básico, esgotos a céu aberto,
ratos e urubus dividem a paisagem, uma não tão jovem governadora
aparece em rede nacional de televisão, querendo ser presidente da
República. Tal qual um Glauber da direita, as formas roliças
de um antipático, mas competente, Nizan Guanaes conseguiram transformar
em princesa cobiçada uma administradora falida. Ela exerce o seu
segundo mandato no Palácio Henrique de La Rocque. Ela é a
herdeira de uma oligarquia não menos torpe do que a do velho senador
Vitorino Freire, mas, seguramente, muito mais corrupta e bem-sucedida.
Ela é
filha dileta do homem que jurou sepultar o atraso e a oligarquia há
exatos 36 anos. Ela é a continuadora de um sistema político-eleitoral
que humilha o seu povo com índices sociais tenebrosos. As maiores
taxas de analfabetismo e de mortalidade infantil do país. As menores
taxas de desenvolvimento em todos os setores. O menor PIB do Brasil per
capita, num sistema em que os amigos e correligionários não
pagam o fisco estadual. Ela entregou a administração do Estado
ao marido, que já foi preso por improbidade. Ela é Roseana.
Roseana Sarney. Fruto do marketing, do desconhecimento e da irresponsabilidade
política. Ela é um projeto muito semelhante ao de Fernando
Collor de Mello. Ela é, mesmo, o Collor de saias.
O DNA DE
ROSEANA
Quando seu
pai foi eleito governador, Roseana tinha 12 anos de idade e vivia no Rio
de Janeiro. Sua chegada à província foi o prenúncio
do que a vida lhe reservava no Maranhão: declaradamente a preferida
do pai, mimada, cercada de atenções e de carinho. Isso talvez
sirva para explicar melhor uma faceta ainda obscura de sua personalidade:
ela é profundamente mandona, irritadiça, temperamental e,
não raro, protagoniza memoráveis escândalos e faniquitos
comentados à meia voz nos corredores palacianos e na alta-roda de
sua terra.
Após
acompanhar papai em sua campanha para o Senado em 1970, foi estudar na
Suíça. Teria ido fazer pós-graduação
de um curso de ciências sociais. O deputado estadual Aderson Lago,
um tucano que se especializou em não dar trégua à
governadora, não consegue esconder o sorriso irônico: "Não
se conhece nenhum colega de turma da Roseana, e, pior ainda, apesar dessa
passagem pela Suíça, ela não fala qualquer outro idioma
e mal domina o português".
Em 1981, Roseana
tornou-se funcionária do gabinete de seu pai no Senado Federal.
Nessa época residia no Rio de Janeiro, o que nunca a impediu de
receber integral e pontualmente o salário. Em 1988, por obra de
uma lei muito bem-vinda, ela foi efetivada como funcionária do Senado,
onde vai se aposentar com todos os benefícios. A isso irá
somar sua aposentadoria de governadora.
Depois de eleita,
ela enviou um projeto "moralizador" à Assembléia Legislativa.
Cortava uma série de vantagens do funcionalismo público estadual,
além de reduzir a polpuda pensão dos ex-governadores, atingindo
até o próprio pai. A primeira parte, a dos barnabés
e bedéis, foi votada sem emendas pelo rolo compressor da maioria
esmagadora que a obedece no Legislativo estadual. Bem, já a segunda
parte, até hoje não mereceu mais que o fundo de uma gaveta
qualquer...
Quando seu
pai, por obra das bactérias do Hospital de Base de Brasília,
viu-se guindado à presidência da República, Roseana
ganhou sala ao lado no próprio Palácio do Planalto. Sem contar
que, junto ao marido, Jorge Murad, foi morar no Palácio da Alvorada.
O SENHOR
MEU MARIDO
Tudo parecia
um sonho na vida da bela Roseana. Os humoristas de O Planeta Diário,
que hoje formam a Casseta & Planeta, a celebrizaram como "a
estonteante Roseana Sarney". Sua filha adotiva, Rafaela, tinha como babá
não menos que um tenente do glorioso Exército brasileiro.
E os deslocamentos da família eram feitos em jatinhos da FAB, ou
de 1966, ou Aníbal Crosara, da goiana EMSA.
Já o
maridão, o discreto, sisudo e antipatizado Jorge Murad, freqüentava
com certa insistência a crônica política, que dava conta
de atividades empresariais no submundo do governo Sarney. Hoje, Jorge é
o homem-forte do governo Roseana. Gerente de Planejamento, o equivalente
a secretário, é quem manda e desmanda. Pagamentos? É
com ele. Obras? Só com ele. Nomeações? Com Jorge Murad,
ok?
Ele trabalha
ao lado da governadora, mas passa boa parte do tempo na avenida Colares
Moreira, quadra 121, número 1, Edifício Adriano, no bairro
Renascença. É lá que atende amigos empresários
e administra seus negócios. No mesmo endereço está
o advogado de Roseana, Vinicius de Berredo Martins. Ele também é
o defensor de duas empreiteiras cujos nomes se confundem com a própria
gestão da governadora: a EIT e a Planor.
A EIT é
a responsável por um dos maiores escândalos do governo, a
"construção" de uma estrada ligando Arame a Paulo Ramos,
de 127 quilômetros de extensão, ao custo de 33 milhões
de dólares, entre 1995 e 1996. A Planor, que seria de propriedade
de Fernando Sarney, embora registrada em nome de humildes "laranjas", é
a sócia da EIT na empreitada e com ela dividiu os lucros.
O único
problema é que a estrada não existe. Vou repetir: a estrada
não existe. Ela jamais foi construída. Existe, sim, uma picada
de terra batida, por onde desfilam, solenes, jegues e galinhas-d'angola.
Os poucos automóveis que se arriscam na aventura terminam em alguma
oficina mecânica, trocando a suspensão, os amortecedores ou
até, quem sabe, retificando o motor que fundiu. E, como tudo no
Maranhão, a oficina ou concessionário deverá ser de
propriedade de algum membro da família Sarney.
(Em tempo:
todas as ações sobre a estrada-fantasma foram arquivadas.
Em todas as instâncias. Até o doutor Geraldo Brindeiro, aquele
da gaveta, arquivou também a representação do deputado
Aderson Lago, o denunciante da milionária maracutaia.)
Jorge Murad,
o marido da candidata a presidente da República, não desperta
amores. Dona Marly, a sogra, segundo se comenta, já gostou mais
dele. Os cunhados não gostam muito. Mas José Sarney sempre
o defendeu com uma frase lapidar: "O Jorginho não é casado
com a Roseana. Ele é casado comigo".
Em fins do
ano passado, quando sua mulher despontava nas paradas de sucesso, Murad
contou com a declarada proteção do sogro. Sarney telefonou
ao dono de um importante jornal de São Paulo pedindo que evitasse
a publicação de uma matéria no mínimo embaraçosa
para o genro. Conseguiu. Da história, além da influência
do velho cacique, restou a explicação dada à redação:
"Isso é pura sacanagem. Só porque ele é casado com
a Roseana, isso agora aparece. Além do mais, essa matéria
é puro machismo contra ela", sapecou a editora. A história
é triste, reveladora e lamentável.
Em meados dos
anos 70, a fábrica de óleo de babaçu do empresário
Duailibe Murad foi à bancarrota. Um sobrinho, escolhido pela Justiça,
foi nomeado fiel depositário de toda a instalação
industrial. O rapaz, entusiasmado e revelando o seu caráter, não
se fez de rogado: encostou dois imensos caminhões FNM, embarcou
toda a maquinaria e a levou até a cidade de Teresina, no vizinho
Piauí, vendendo-a a conhecido empresário local. Foi preso
dias depois como depositário infiel. Teve direito a algemas, nota
em jornal e cela comum. Um escândalo. O jovem em questão chama-se
Jorge Murad.
MINHA FILHA,
MEU TESOURO
O pai, fascinado
pela herdeira, nunca deixou de escutar seus conselhos políticos.
E ela, vaidosa, sempre se acreditou uma expert no assunto. Ministros
foram feitos por sua vontade. Dante de Oliveira, um deputado mato-grossense
famoso por sua emenda das Diretas Já (contra a qual José
Sarney tanto lutou), teve a sorte de trocar a prefeitura de Cuiabá,
onde enfrentava índices assombrosos de desaprovação,
por um inócuo Ministério da Reforma Agrária.
Arthur Virgílio
Neto, deputado amazonense, disputou o governo de sua terra contra a poderosa
máquina de Gilberto Mestrinho e Amazonino Mendes. Quase ganhou.
Talvez tenha vencido, sendo vítima de uma proverbial técnica
de apuração de votos onde o derrotado ganha. Mas o fato é
que a boa retaguarda financeira de sua campanha foi oferecida por uma amiga
íntima: Roseana.
Flávio
Jussiani Ramos, um rapaz com então pouco mais de 30 anos, sósia
de Bill Clinton, chegou pelas mãos de Roseana a diretor da Caixa
Econômica Federal. Antes, no Planalto, era conhecido pelo curioso
apelido de "assessor da assessora", já que carregava a pasta da
amiga Roseana. Um belo dia, ao se sentir excluído de um "esquema"
organizado pelo presidente da CEF, Paulo Mandarino, Jussiani recusou-se
a assinar a ata de uma reunião de diretoria. Com isso, centenas
de processos seriam paralisados, empresas tiveram prejuízos, mutuários
seriam penalizados. Mandarino, muito amigo do presidente da República,
exigiu a demissão do moço. Dias depois, foi ele, Mandarino,
quem caiu. Flávio ficou e hoje é um homem rico.
Mas a união
com Murad, iniciada em 1976, estava indo muito mal. Os comentários
tanto sobre as incursões do marido no mundo dos negócios
como a respeito das desavenças conjugais eram a cada dia mais freqüentes.
"Jorginho" era figura fácil na noite brasiliense, sempre acompanhado
nas mesas alegres do extinto restaurante Florentino. Fotos registram essa
fase boêmia. Ele já tinha sido submetido à humilhação
de ser drasticamente interrogado pelos senadores José Ignácio
e Itamar Franco, na emblemática CPI da Corrupção.
Foi, como sempre, frio, monossilábico e evasivo. Mas deixou uma
péssima impressão e não conseguiu provar sua inocência
em nenhuma das várias acusações que lhe eram imputadas.
Roseana, chocada, se distanciou ainda mais.
Logo após,
quando o governo do pai já fazia água e os sucessivos pacotes
econômicos afundavam um a um, ela resolveu partir. Na verdade, a
saúde não estava boa, o casamento tinha acabado e ela havia
reencontrado um grande amor da adolescência. Embora hoje, de todas
as maneiras, seus assessores e companheiros de partido tentem omitir, Roseana
viveu com Carlos Henrique Abreu Mendes. Generosa, conseguiu com o então
governador carioca Wellington Moreira Franco a nomeação de
Mendes para secretário de Meio-Ambiente do Estado. O casamento durou
até fins dos anos 80.
Em 1990, com
o pai buscando um mandato de senador no distante Amapá, Roseana
conquista uma cadeira na Câmara dos Deputados, na mais cara campanha
já vista no Maranhão. Foi a campeã de votos. Deixou
para trás o seu irmão, Sarney Filho, o "Zequinha", um bom
sujeito, que morre de medo do mau gênio da irmã.
Em São
Luís, sentado numa mesa do Hotel Vila Rica, um dos empresários
mais respeitados do Estado e eleitor de Roseana conta a história
que todo o Estado comenta: num dia de fúria, a governadora buscou
pelo irmão ministro do Meio-Ambiente. Cobrava mais atenção,
apesar de o mano ter enviado para os cofres do Maranhão mais da
metade das verbas disponíveis em sua pasta. Mas ela, como sempre,
queria mais. Queria porque queria e pronto. Assim é Roseana. Zequinha,
sabendo da cobrança iminente, escafedeu-se. Foi encontrado por uma
irmã transtornada, que se ajoelhou no jardim da casa dele e arremessou
uma pedra que espatifou a porta de Blindex em milhares de pedacinhos.
"Essa moça
é muito raivosa. E só tem duas amigas: a rainha de copas
e a viúva Clicquot", disse um dia o ex-governador Epitácio
Cafeteira, o mais popular dos adversários políticos e inimigos
pessoais dos Sarney. Foi ele, em 1994, que, por apenas 1 por cento dos
votos, não tomou de Roseana o governo do Estado. Ganhou folgado
o primeiro turno e por um triz perdeu o segundo, embora existam denúncias
impressionantes e documentadas de uma fraude grosseira nas apurações.
O colunista
Márcio Moreira Alves, por exemplo, no jornal O Globo, chegou
a denunciar que o próprio Cafeteira teria recebido uma fortuna para
ficar quieto, aceitar a derrota e fazer corpo mole em seu recurso junto
ao TSE. Jamais qualquer uma das partes respondeu a gravíssima afirmação
de Marcito. Já na reeleição, em 1998, até o
PC do B engrossou a coligação que deu, de lavada, um segundo
mandato para a governadora.
UM CARTÃO
TIROU O CRÉDITO
Ao contrário
do que diz o desafeto, porém, Roseana tem muitos amigos. Ela, na
verdade, é uma sedutora. Elegante, simpática, bem-humorada,
cativa as pessoas e mantém um diálogo inteligente, descontraído
e agradável. Em geral, deixa uma impressão muito melhor que
os indicadores sociais de seu Estado e o resultado alcançado depois
de sete longos anos de reinado absoluto, sem contar os outros 29 sob a
batuta de papai.
Os humildes
são cativados pelo sorriso bonito. Embora se pareça muito
com o pai, no rosto ovalado e até na voz, é um mulher muito
sensual. Os eleitores gostavam de pegar nos seus cabelos na campanha de
1994, quando ela soltava, de propósito, as então longas melenas.
Toca (mal) um violão, canta com alguma afinação e
desfila na escola Flor do Samba, que neste Carnaval teve José Sarney
como tema do samba-enredo.
Roseana tem
amigos, sim. Alguns que impressionam pela fidelidade que lhe devotam e
outros pela generosidade com que ela os trata. Michael Gartenkrault, por
exemplo, um técnico com tumultuada passagem pelo governo de Sarney,
hoje é o reitor do ITA, o Instituto Tecnológico da Aeronáutica,
uma das melhores instituições de ensino do país. Soldado
de Jorge Murad, tem se dado ao trabalho de ir todos os fins de semana até
a casa do amigo, em São Luís, onde ministra impensáveis
aulas de Brasil e de conhecimentos gerais à candidata presidencial
do PFL! É uma espécie de "intensivão", um pré-vestibular
surreal sobre o país, seu povinho e seus problemões. Magnânima,
madame contratou seu mentor intelectual para elaborar um pitoresco Plano
de Diretrizes para Oportunizar Negócios para o Maranhão (sic).
Custo da farra: 3,5 milhões de reais! Afinal, uma mão lava
a outra!
Candidata,
Roseana se hospeda toda vez que vai a São Paulo na mansão
do banqueiro e mecenas Edemar Cid Ferreira. Uma amizade que vem de muito
longe. Márcia, a senhora Edemar, é filha do falecido senador
biônico Alexandre Costa, um violento coronel da cidade de Caxias,
e amiga de infância. Quando Roseana deixou o Planalto e reencontrou
Carlos Henrique, estava deprimida e desgastada. Resolveu viajar, correr
o mundo, divertir-se.
E lá
se foi para alguns dos lugares que ela mais ama: Monte Carlo, Atlantic
City e Las Vegas. É que ela é jogadora compulsiva, apaixonada,
incontrolável. Diante do pano verde, seus belos olhos verdes se
integram numa simbiose perfeita. O girar da roleta, o tilintar das fichas,
a voz do crupiê, a emoção da aposta suprem qualquer
deficiência emocional da candidata do PFL à presidência
do Brasil. E esse fato, sobejamente conhecido no Maranhão, é
um trauma para a família, especialmente para o velho pai, que num
discurso, em 1993, chegou às lágrimas na tribuna do Senado
respondendo uma nota da colunista Danuza Leão, que tratava das peripécias
da moça por centros internacionais de carteado.
Esse dolce
far niente foi bancado por um expediente que impressiona. Um cartão
de crédito internacional, ilimitado, emitido por um banco de Miami,
o Schroder, segundo denúncia do Jornal do Brasil e da revista
Exame.
Dono da conta responsável pelo débito mensal do cartão
da felicidade: Edemar Cid Ferreira. O mesmo Edemar, segundo o JB,
seria sócio de Murad num banco no Caribe, o Claymoore Bank, que
seria o destino de centenas de milhões de dólares que teriam
sido alcançados em excelentes negócios realizados à
sombra do governo do sogro e amigo José Sarney.
Em 1994, Roseana
e Jorge voltaram a dividir o mesmo teto. Ela era candidata ao governo do
Maranhão. Ele, o tesoureiro da campanha. Nos anos de separação,
havia se envolvido com a belíssima empresária Carmem Ruete,
herdeira de uma usina de açúcar em São Paulo. Tiveram
uma filha, hoje com 9 anos. Carmem teve de ir à Justiça para
conseguir que Murad reconhecesse a paternidade da menina, a quem não
visita e paga uma pequena pensão alimentícia.
"Essa criança
e a minha candidatura ao Senado foram a causa do novo casamento do meu
irmão com a Roseana. Eles poderiam ter, simplesmente, anulado a
separação, mas preferiram casar-se novamente, e com separação
de bens. Evitaram que a filha dele herde a espetacular fortuna dos Sarney
e impediram a eleição do maior inimigo que eles têm,
que sou eu, que fiquei inelegível por ser cunhado da governadora",
diz o ex-deputado Ricardo Murad, do PSB do Maranhão, atual secretário
de Educação do município de Coroatá. Ele é
um dos mais temidos adversários da oligarquia. E sua presença
no cenário político maranhense é quase um flagelo
para os Sarney: seu irmão Jorge é o marido de Roseana, sua
irmã Teresa é a mulher de Fernando, o filho-empresário
de dona Marli e do senador José Sarney.
Ricardo, PhD
na família Sarney, é curto e grosso sobre a cunhada: "Faz
um governo corrupto, é uma despreparada e vai quebrar o Brasil".
GLOBO E
ROSEANA: TUDO A VER
Se Roseana
chegar ao Planalto, cai a profecia de Millôr Fernandes, que se dedicou
a desconstruir com rara aplicação a obra literária
e o governo de José Sarney. Assim que o ex-presidente deixou o cargo,
o humorista disse que só dali a cem anos um outro maranhense seria
novamente presidente do Brasil.
Mesmo com números
francamente favoráveis, não falta quem não vislumbre
futuro na pré-candidatura de Roseana. O presidente do IBOPE, Carlos
Augusto Montenegro, em entrevista à revista Época,
apostou todas as fichas num segundo turno entre Lula e José Serra,
explicando por a + b como a bola de Roseana iria murchar.
No mesmo dia
em que a revista chegou à bancas, Roseana teve outro dissabor, o
jornal O Estado de S. Paulo circulou com um artigo demolidor de
Mauro Chaves, "Roseana, o charme da miséria". Nele, o jornalista
faz um contraponto do levantamento do IBGE que aponta o Maranhão
como líder na pobreza e nas diferenças sociais do país
com os casos de corrupção que pipocam naquele Estado. O charme
fica por conta das medidas cosméticas e dos efeitos especiais que
a governadora usa para edulcorar a dura realidade de sua terra. "Cachaça
et circensis", na impagável definição do articulista.
Esse levantamento
do IBGE também foi o mote do documento da CNBB maranhense amplamente
divulgado na véspera. Dom Affonso Felippe Gregory, presidente da
entidade no Maranhão, vaticinou que tais números poderiam
afundar a candidata. Vendo a ofensiva, o alarme vermelho acendeu no crânio
do velho acadêmico, que saiu em defesa da filha no mesmo dia. Abandonou
o distanciamento que vinha adotando até então. "Em relação
a mim, eu posso compreender as injustiças, mas em relação
à minha filha não vou ter a mesma atitude", ameaçou
na porta de sua mansão brasiliense, ao lado de FHC, que fora ali
para dar plena garantia de que não haveria mais agressões
a Roseana.
Esta reportagem
começou nesse clima. Uma avaliação mais realista só
pôde ser feita quando desembarquei em São Luís.
De um radinho
de pilha dependurado numa das tendas-padrão do Projeto Reviver,
ecoa a voz potente do radialista Roberto Nunes, da Rádio Educadora,
comentando a reação intempestiva do pai: "Parece que se tocar
na Roseana ela quebra! Parece que é de vento". Parece, mesmo.
O Projeto Reviver,
um dos redutos da boêmia e do turismo na ilha, é uma das jóias
da bela coroa. Seus preservados casarões coloniais serviram como
uma luva para os quatro dias consecutivos de merchandising do turismo
nativo na novela O Clone, na semana seguinte ao esperneio de Sarney.
O próprio clone, Léo, pintou na telinha da Rede Globo pela
primeira vez nos paradisíacos Lençóis Maranhenses.
Uma operação desse tipo não saiu por menos de 1 milhão
de reais para o erário maranhense, sem contar toda a infra-estrutura
proporcionada pelo governo, segundo especialista do mercado publicitário.
Nos intervalos,
inserções de trinta segundos da propaganda política
do PFL, Roseana, embalada num de seus corretos terninhos, pontificava:
"Um presidente não pode ser presidente de São Paulo, da República
da CUT, da República do MST". E, de quebra, imagens da baderna e
do quebra-quebra recente na Argentina.
José
Serra não acusou o golpe, nem na insossa cerimônia de lançamento
de sua pré-candidatura presidencial, seguindo conselho de FHC. Mas
o PT, enfim, abandonou a postura olímpica ("A Roseana é problema
do PSDB", costumava dizer Lula) e escalou José Dirceu, o presidente
do partido: "Tudo o que ela está falando da Argentina aconteceu
aqui, no fim do governo Sarney, do qual ela participou... Só não
houve renúncia porque se construiu uma saída, quando eles
se omitiram e deixaram o Collor de herança".
Sobre o festival
maranhense na novela das 8, de inestimável apelo popular, nada.
O PT, sem perceber, se omitiu na denúncia de que a Globo, como na
edição fraudulenta do debate entre Collor x Lula, em 1989,
misturou dramaturgia e propaganda política subliminar, numa operação
casada, clara e evidente, que atenta contra a lei e deixa à mostra
uma relação comercial e promíscua entre o clã
Sarney e o império dos Marinho.
A educação
no Maranhão, que apresenta índices vergonhosos, é
um capítulo que a Globo, com certeza, jamais passará. Nem
a imaginação fértil de dona Glória Perez, no
seu folhetim eletrônico e medíocre, poderia contar, por exemplo,
que em sete anos de governo dona Roseana não construiu uma única
sala de aula. Muito menos, que a educação de 2º grau,
à qual 400.000 jovens maranhenses não têm acesso por
absoluta impossibilidade, foi substituída por um incrível
contrato com a Fundação Roberto Marinho, no valor de 102
milhões de reais!
Quando o deputado
estadual Aderson Lago (PSDB) denunciou a trama, a governadora resolveu
baixar a cifra para 92 milhões de reais. E o Ministério Público
se deu por satisfeito com esse "desconto" de 10 milhões na sangria.
Escândalo que se amplia quando se lê a contundente ação
da Federação dos Trabalhadores na Educação
junto ao Ministério Público, denunciando que os professores
serão substituídos por aparelhos de televisão e fitas
cassetes da Globo, e que os candidatos selecionados no concurso público
aberto (o primeiro em sete anos de governo Roseana!), na verdade, irão
funcionar como bedéis, sem ministrar aula alguma, atendendo pelo
pomposo apelido de "orientadores de aprendizado".
Como se tudo
isso fosse pouco, os 92 milhões de reais são apenas para
as fitas. As apostilas dos alunos são por fora. Mais a bagatela
de 16 milhões de reais, somente na primeira compra. Editadas por
quem? Ganha uma passagem só de ida para a ilha de Curupu, com escala
na sofisticada mansão da praia do Calhau, quem respondeu Editora
Globo...
Neste mês
de fevereiro teremos a primeira turma de formandos do
"tele-ensino",
batizado pelo povo do Maranhão de "tele-engano". São 124.000
adolescentes. Educadores e pedagogos locais prenunciam um baixíssimo
nível de aproveitamento e uma péssima base educacional: "Será
um exército de semi-analfabetos. A vantagem é que já
sabem, pelo menos, desenhar o próprio nome". Irônico, o professor
Paulo Rios, líder dos professores, constata, impiedoso: "Eu conhecia
o método Paulo Freire. A Roseana aplicou o método Roberto
Marinho".
UM JEITO
ROSEANA DE GOVERNAR
Alguns exemplos,
dos muitos que poderíamos oferecer aos leitores, de feitos da gestão
de Roseana Sarney à frente dos destinos do Maranhão. Nenhum
deles, com certeza, será exibido em O Clone...
Projeto
Salangô - Num ambicioso projeto de culturas de arroz e de limão
irrigadas, sumiram 53 milhões de reais de verbas federais. Nenhum
hectare de arroz, nenhum pé de limão, foram plantados. O
Tribunal de Contas da União, após pareceres de auditores
técnicos que visitaram o local, recomendou ao governo federal que
não dê mais um real ao projeto.
Pólo
de confecções de Rosário - O chinês de Taiwan
Chao Kwo Cheng, amigo íntimo de Jorge Murad, arrancou recursos do
Banco do Nordeste e do governo estadual e montou um pólo de confecções
na região metropolitana de São Luís com a promessa
de milhares de empregos.
O projeto,
inaugurado por FHC, não passou de um barracão rústico
com algumas máquinas de costura e milhares de costureiras frustradas.
Fugitivo, com os financiamentos no bolso, Chao
acabou preso
pela Polícia Federal por estelionato e formação de
quadrilha. Solto por obra de um habeas corpus, jamais devolveu um
único real dos milhões que conseguiu alavancar com o apoio
da governadora.
Lagoa do
Jansen - Inaugurado em 30 de dezembro passado, com festa, discurso
e foguetório, o Parque Ambiental da Lagoa do Jansen, em São
Luís, não resistiu à primeira chuva, duas semanas
depois. Tendo custado 70 milhões de reais, enviados pelo mano Zequinha,
ministro do Meio-Ambiente, o lago artificial de pouco mais de 1 metro de
profundidade transbordou, invadindo condomínios de classe média
alta e casebres paupérrimos que o rodeiam.
Dejetos, matéria
vegetal não retirada e sujeira desmoralizaram o que Roseana havia
chamado dias antes de "a nossa lagoa Rodrigo de Freitas". A despoluição,
item mais caro do dinheiro gasto, simplesmente não foi feita.
Favorecimento
à OAS - O jornalista Walter Rodrigues calcula em quase meio
bilhão de reais as obras entregues por Roseana à notória
empreiteira baiana OAS, sem falar nas denúncias de ligação
com Antônio Carlos Magalhães. O projeto Italuís, de
duplicação da adutora do rio Itapicuru, no montante de 300
milhões de reais, além do projeto da lagoa do Jansen, entre
outros, são executados pela OAS. Em todos, irregularidades constatadas
pelo Tribunal de Contas da União.
Caminhando
pelas ruas do centro histórico de São Luís, o jornalista
Walter Rodrigues é alvo da curiosidade, da admiração
e de muitos cumprimentos. Mal chegado aos 50 anos, paraense de nascimento,
ele é o homem que mais conhece, enfrenta e combate a oligarquia
local. Sério, comedido, bem-humorado e com uma coragem pessoal absoluta
("Esse tem colhões", observou um deputado governista), Walter
é colunista de um diário cinqüentenário, o destemido
Jornal
Pequeno, único órgão de oposição
na imprensa maranhense.
Ele sabe muito.
Sabe tudo de Sarney e de sua turma. Mas ele é só perguntas
para mim: "Será que o Brasil não aprendeu com Collor?" "Como
é que um homem de origem modesta pode ser um empresário riquíssimo,
dono de rádios, televisões, jornal, imóveis, como
é o Sarney hoje?" "A memória nacional se esqueceu do que
foi o fracasso de seu governo, com 80 por cento de inflação
ao mês e casos de corrupção piores que os da era Collor?"
"O governo de Roseana é um desastre. Com os indicadores sociais
que temos, segundo a revista Veja, se o Maranhão fosse um
país, seria o segundo mais miserável das Américas,
perdendo só para o Haiti."
O jornaleiro
da Rua do Egito escuta. Calça uma sandália havaiana. Sua
camiseta rota traz a propaganda do jornal Estado do Maranhão,
propriedade da família Sarney. "Ela quer fazer no Brasil o que não
consegue fazer no Maranhão", diz, tomando coragem. Sua boca mostra
um sorriso triste. Só tem um dente. A distância que nos separa
da posse de José Sarney, em 31 de janeiro de 1966, é de exatos
36 anos. Mas parece ser de poucos dias. Quem sabe, até, se esse
jornaleiro não é o filho daquele tuberculoso. O do filme
de Glauber Rocha. Mas isso pouco importa. Nizan Guanaes não irá
mostrá-lo nos intervalos de O Clone. |