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HISTÓRIAS E LENDAS DE GUARUJÁ
Conchas pré-históricas na Pérola do Atlântico

Se Guarujá já era conhecida como a Pérola do Atlântico, agora tem mais um motivo para esse nome, com a descoberta nesse município de um sambaqui (amontoado de conchas deixado por habitantes pré-históricos, semelhante aos de Cubatão) que já é considerado o maior da América, conforme registrado pelo jornal santista A Tribuna em 18 de julho de 2009 (página A-14):


Arqueólogo Manoel Gonzalez usa pincel para limpar fragmentos de restos humanos, que ajudam a entender a história dos primeiros povos

Foto: Edison Baraçal, publicada com a matéria

HISTÓRIA

Descoberto em Guarujá maior sítio arqueológico da América

Sambaqui foi achado por agentes da Secretaria de Meio-Ambiente entre a Serra do Guararu e o Canal de Bertioga

Alessio Venturelli

Da Redação

Um verdadeiro tesouro da história da evolução humana foi descoberto no último dia 22 de junho, em Guarujá, por agentes da Secretaria Municipal de Meio-Ambiente, durante um patrulhamento de rotina pelas imediações do Rio Crumaú - região de mangue localizada entre a Serra do Guararu e o Canal de Bertioga. Trata-se do maior sítio arqueológico dos povos indígenas que habitaram o litoral das Américas no período arcaico (ou pré-cerâmica), compreendido entre 8 mil e 500 a.C.

Um enorme cemitério pré-histórico se formou, ao longo de milhares de anos, numa montanha de calcário e matéria orgânica (de 31 metros de altura e cerca de 100 de largura), resultado da sedimentação de conchas, ossadas humanas, fragmentos de peixes e de mamíferos que ali se compactaram com o tempo.

Apesar de pouco comuns, essas formações são conhecidas por arqueólogos e têm sido identificadas em quantidade cada vez maior nos últimos 30 anos, principalmente no Litoral Paulista. Chamam-se sambaquis (palavra derivada da língua tupi, que significa monte de conchas), mesmo nome como também são denominados os antepassados que habitaram o Continente Americano durante esse período.

 

Material pertenceu aos povos indígenas que habitaram o litoral no período arcaico (ou pré-cerâmica), compreendido entre 8 mil e 500 a.C.

 

História - Registros históricos dão conta que esses grupos primitivos eram nômades, panteístas (cultuavam animais como deuses) e viviam basicamente da caça e coleta de moluscos. As carapaças desses animais eram utilizadas como principal matéria-prima para a fabricação de utensílios domésticos, adereços. Também serviam para a construção de suas sepulturas que, reunidas, formavam essas montanhas funerárias, hoje chamadas de sambaquis.

Encontradas principalmente no litoral brasileiro, essas formações não costumam passar de dois metros de altura, o que torna a recente descoberta ocorrida em Guarujá algo mais do que especial para os estudiosos da evolução humana.

"É o maior sambaqui já identificado em todo o planeta", garante o arqueólogo Manoel Gonzalez, diretor do Centro Regional de Pesquisas Arqueológicas do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP. Ele estima que centenas de esqueletos humanos estejam enterrados no local, devido às dimensões do sítio arqueológico.

"Ele tem quase dez metros a mais do que o maior sambaqui até então identificado, que é o Garopaba Sul, de 22 metros (localizado em Santa Catarina)", compara Gonzalez. Há quatro anos o diretor pesquisa essas estruturas em rios e manguezais da Baixada Santista, onde já encontrou evidências da história desses povos.

"Tratam-se de antepassados dos índios tupiniquins e tupinambás que habitaram o nosso litoral na época de transição entre o período pré-cerâmico e pós-cerâmico", revela o diretor, contando que apesar de ainda não terem uma organização social, nem explorarem a cerâmica, há indícios de que esses grupos utilizavam o fogo para preparar alimentos e fazer seus rituais religiosos, o que evidencia um processo evolutivo em curso nesse período.

"Nesses locais, nunca foi encontrado nada escrito ou pintado, como foi visto em cavernas do interior do País (datadas de 24 mil anos). Temos só o que eles deixaram de cultura material, que são os seus sepultamentos, rochas polidas em forma de animais (zoolitos), restos de ossadas, principalmente de tubarão, tartarugas e golfinhos", diz Gonzalez, que acredita que, mais do que cemitérios, os sambaquis tinham por finalidade sediar rituais primitivos.

31 metros

de altura tem a montanha de material calcário,

 que alcança 100 metros de largura

 

Rituais - "A gente acredita que esses animais não eram utilizados somente para a alimentação, mas também como oferendas aos mortos", explica o arqueólogo da USP. Ele acredita que, com a descoberta em Guarujá (a maior registrada até então) será possível talvez encontrar novas evidências nesse sentido.

"Certamente vamos encontrar novos subsídios a respeito desses grupos, quando começarmos a fazer as sondagens", supõe o arqueólogo, contando que a descoberta já foi registrada no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e deve ser iniciada dentro de pouco tempo.

"Em breve, vamos começar os primeiros trabalhos de escavação no local. A idéia é tentar fechar os laços que ainda continuam abertos sobre esses grupos. Vamos fazer o manejo preservacionista dessa área e tirar apenas as informações que necessitamos, sem destruí-la", garantia.


"É o maior sambaqui já identificado em todo o planeta"  - MANOEL GONZALEZ, diretor do Centro Regional de Pesquisas Arqueológicas do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP

Foto: Edison Baraçal, publicada com a matéria

Acesso difícil ajudou a preservar

Se não estivesse incrustado em uma das regiões mais inóspitas e de difícil acesso da Ilha de Santo Amaro, certamente o maior sambaqui já avistado no mundo (batizado de Crumaú 1, devido à localização em que se encontra) não teria sobrevivido ao processo de ocupação do território brasileiro.

Isso porque, por muitos séculos, principalmente durante o período da colonização portuguesa, os sambaquis foram utilizados para produção de cal - principal matéria-prima da construção civil naquela época. Misturado ao óleo de baleia, ele era transformado em argamassa e servia como cimento e asfalto.

Registros históricos apontam que muitas edificações de Santos, datadas dessa época, foram erguidas a partir da exploração dos sambaquis, como foi o caso do Casarão do Valongo, Mosteiro de São Bento, Theatro Guarani, Casa do Trem Bélico, Outeiro de Santa Catarina, entre outros prédios do período colonial.

Sobrevivente - No caso do Crumaú 1, a densa área de mangue que se formou em torno dele - ao longo de cerca de 2 mil anos -, além da volumosa vegetação secundária que ocupou praticamente toda sua cobertura a partir de então, foram os fatores fundamentais para a sua preservação. Situação semelhante ocorreu com outros 19 sambaquis localizados em regiões alagadiças da Baixada Santista.

A maior concentração está nas imediações do Canal de Bertioga, onde já foram identificados sete no total: dois na área do Monte Cabrão, três no Largo do Candinho, um no Iriri, além do recém-descoberto do Rio Crumaú.

Exceto este último, nenhum dos demais atinge mais de dois metros de altura, segundo o arqueólogo Manoel Gonzalez. "Apenas em Cubatão há um sambaqui que se assemelha ao do Rio Crumaú, em termos de dimensões", diz ele, contando que este foi descoberto há cerca de um ano no Núcleo Cotia-Pará e já está sendo explorado.

"Trata-se de um sítio arqueológico de 20 metros de altura (o terceiro maior do mundo)", destaca o arqueólogo. "Nós já temos a topografia dele, e as escavações devem começar no dia 27 deste mês".

Pelo mundo

Além do Brasil e outros países da América do Sul, existem registros de sambaquis na Ásia, Europa, Oceania, América do Norte e América Central. Nesses lugares, porém, eles costumam ter um formato mais plano e comprido, e por isso são chamados de "acampamentos de conchas".

O estudo dos sambaquis da Baixada Santista é resultado de um projeto desenvolvido pelo Centro Regional de Pesquisas Arqueológicas, denominado A Pré-História da Baixada Santista. Autorizado pelo IPHAN, através da Portaria nº 11 de 25 de março de 2008, o projeto conta com a colaboração das prefeituras de Guarujá e de Cubatão.


Foto: Edison Baraçal, publicada com a matéria

Origem

Estima-se que, para construir um sambaqui como o encontrado no Rio Crumaú, os antepassados dos povos indígenas demoraram cerca de 4 mil anos para chegarem à disposição atual em que este se encontra. Segundo o pesquisador Manoel Gonzalez, trata-se de uma obra de gerações e gerações. Ele acredita que provavelmente esse terreno era plano, inicialmente, e conforme eles enterraram seus entes, foi tomando as proporções que tem até hoje, explica Gonzalez, contando que os cadáveres eram cobertos por conchas e areia, basicamente.

Nessa época, segundo estudos arqueológicos, o mar estava cinco metros acima do nível atual e chegava próximo à Serra do Mar, daí o motivo para a maior incidência dessas formações nessa região. "Não existia Santos e nem São Vicente. Apenas parte do Guarujá, parte da Praia Grande e parte de Cubatão", lembra Gonzalez, frisando que os povos sambaquis viviam próximos da praia, e não do mangue, que só veio a ocupar essas áreas depois de 2 a 3 mil anos, quando o nível do mar foi baixando para os padrões atuais.


Foto: Edison Baraçal, publicada com a matéria

Mistério

Entre as dúvidas que permeiam a história dos povos sambaquis está a função específica desses sítios arqueológicos. Devido à grande quantidade de utensílios de pedra polida e de calcário encontrados nesses locais, bem como restos de animais que serviam de alimentos e oferendas, pesquisadores consideram que essas formações também serviam de habitação para esses grupos e não apenas como cemitério. Até hoje não se sabe onde eles moravam. Como não há registro em cavernas, os pesquisadores defendem a tese de que o sambaqui também servia de moradia. A recente descoberta em Guarujá pode dar elementos a esse respeito. A exploração científica vi em busca de elementos nesse sentido.

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