Para chegar ao local é preciso enfrentar o mar agitado
numa viagem de barco que demora 30 minutos
Foto: Walter Mello, publicada com a matéria
ESTUDOS
Ilha do Arvoredo vai virar centro de pesquisas
O núcleo, ligado à Unaerp, vai aproveitar os projetos científicos desenvolvidos
na área pelo pesquisador Fernando Lee
Júlio Cesar D'Ieposti
Da Sucursal
A Ilha do Arvoredo, situada a 1.800 metros da Praia de
Pernambuco, vai passar a funcionar como um centro de pesquisas científicas a partir do próximo ano, ligado à Universidade da Associação de Ensino de
Ribeirão Preto (Unaerp). Com uma área de 57 mil m², o local abriga vários projetos pioneiros desenvolvidos pelo engenheiro e pesquisador Fernando
Lee, na área de energias alternativas e Oceanografia. Fernando Lee, que desenvolveu várias experiências científicas na ilha, faleceu há três anos,
deixando uma obra que agora está se tornando conhecida da população.
Executivo que ocupou cargos de diretoria em empresas como a Companhia Antárctica
Paulista, Metalúrgica Matarazzo, Pirelli e Volkswagen, entre outras, estima-se que ele tenha investido todo o dinheiro que ganhou ao longo de sua
vida nesse projeto (o eqüivalente a R$ 20 milhões). Mas, depois de sua morte, a ilha, que é mantida pela Fundação Fernando Eduardo Lee, ficou
praticamente fechada por três anos, por causa da falta de recursos. E a solução foi buscar parceiros que quisessem investir no projeto.
R$ 15 milhões - A Unaerp, além de ter pessoas em seus quadros ligadas à
Fundação Fernando Lee, venceu a concorrência aberta para a instalação no balneário do Centro Universitário de Guarujá, obra que absorverá
investimentos de R$ 15 milhões. A Fundação de Apoio e Pesquisas de Extensão da Unaerp vai implantar em Guarujá cursos de várias áreas, como Biologia
Marinha, Biotecnologia Vegetal, Engenharia de Computação e outras.
Segundo diretores da Unaerp, a Ilha do Arvoredo deverá atrair muitos pesquisadores,
professores das duas universidades e alunos, funcionando como um posto avançado de estudos. Para recuperar os equipamentos ali instalados a entidade
já investiu cerca de R$ 400 mil nos últimos meses. Local que até o início dos anos 50 era desabitado e selvagem, a ilha abriga uma estação
científica autosuficiente em energia.
Com sistema de geração eólico e solar, saneamento por biodigestor e captação de água
totalmente natural, ali é possível manter uma equipe de pesquisadores por vários meses, sem necessidade de voltar à terra.
Geraldo Anhaia de Mello, representante da Fundação Fernando Lee, e Marco Ribeiro Lima,
administrador da ilha e funcionário da Unaerp, integram uma equipe de pessoas que estão trabalhando na recuperação da área. Três delas são mantidas
na ilha e duas em terra, além de um marinheiro que pilota o barco da fundação.
O barco que faz a ligação entre a Ilha do Arvoredo e a terra demora cerca de 30
minutos para cumprir o percurso de 1.800 metros, se o mar não estiver muito agitado. Para desembarcar, é preciso o auxílio de um guindaste, que iça
a embarcação para uma piscina instalada nos rochedos da ilha. Mas, como o local passa por reformas, os visitantes estão sendo transportados por uma
espécie de gaiola presa em um cabo de aço e puxada pelo guindaste.
Quem chega ao local observa que o engenheiro Lee não conhecia limites para o que
queria realizar. Apenas a base de concreto que dá sustentação ao guindaste, presa a uma rocha, na forma de um fênix pintado de branco, pesa 8
toneladas. Geraldo Anhaia de Mello, sobrinho de Maria Resende de Lee, viúva do engenheiro, hoje com 92 anos, afirma que Fernando Lee conseguiu
trazer muitos equipamentos e materiais para a ilha num pequeno barco, fazendo viagens exaustivas.
"Se o mar fica agitado de repente, não se consegue sair da ilha. A Unaerp já adquiriu
um barco maior (que ainda não está em operação) para fazer o transporte dos convidados e pesquisadores, com melhor capacidade para vencer as ondas",
explica Geraldo Anhaia.
Quem está na ilha tem uma visão extasiante da paisagem. É um lugar paradisíaco, com
plantas exóticas, muito conforto, cercado por um mar azul, com ondas que explodem contra os rochedos.
Pesquisas - Segundo Geraldo, o engenheiro ganhou um prêmio internacional
concedido pela Sociedade de Conservação de Solos dos Estados Unidos, em 1982, por ter conseguido desenvolver uma técnica nessa área, através do
plantio, em um trecho da ilha, da espécie vegetal conhecida como neumarica. Fernando Lee também se tornou um entusiasta das fontes alternativas de
energia, quando pouco se ouvia falar delas.
Um exemplo é o sistema eólico. Trata-se de um moinho, cujas pás de aço são
movimentadas pelo vento, girando um relê que faz gerar energia. Outro projeto desenvolvido pelo pesquisador é um painel de energia solar, instalado
numa área da ilha. "Fernando Lee montou esse projeto, que contribui para gerar energia a partir da luz do sol, nos anos 50, tornando-se um dos
pioneiros na pesquisas dessa fonte no mundo", diz Geraldo, que conheceu a ilha ainda menino.
Dominando técnicas de Engenharia e Botânica, Fernando Lee desenvolveu um projeto
ecológico na ilha, quando essa palavra sequer integrava o vocabulário das pessoas. Uma prova é o sistema de captação de água natural da chuva.
Utilizando espécies vegetais apropriadas, o pesquisador conseguiu criar um filtro no terreno por onde escorre a água, canalizando os efluxos, livre
de impurezas e detritos, para um tanque com capacidade para 2,5 milhões de litros.
As instalações para os visitantes e funcionários são amplas e confortáveis, como a
casa principal
Foto: Walter Mello, publicada com a matéria
Caixa d'água é réplica de foguete da Nasa
Segundo Geraldo Anhaia de Mello, que representa a Fundação Fernando Eduardo Lee,
muitas coisas a respeito da obra do pesquisador ainda estão sendo descobertas. Ele se correspondia com a Nasa e conseguiu da empresa espacial
norte-americana um projeto da nave Saturno I, que conduziu a Apollo 11 à Lua. Com sua inteligência brilhante, construiu uma réplica do foguete no
jardim da ilha, que funciona como caixa d'água.
Outra obra muito interessante e que desafia a imaginação das pessoas é a piscina de
água natural construída na parte de trás da ilha, que funcionou por muito tempo como um tanque de tartarugas marinhas. O projeto arquitetônico
conquistou um espaço junto ao mar, num local onde há uma forte arrebentação. A água do mar penetra por meio de janelas construídas pelo pesquisador
no meio do paredão.
Segundo Geraldo, após a morte de Fernando Lee, já com mais de 90 anos, Maria Resende
de Lee pensou em abandonar tudo porque começaram a faltar os recursos. Ela chegou a destinar cerca de R$ 10 mil mensais para a manutenção da ilha.
Os investimentos da Unaerp conseguiram salvar o projeto. "É necessário ainda cerca de R$ 1 milhão para deixar o local em ordem", diz Geraldo, que
chegou a oferecer o projeto para a Universidade de São Paulo, mas não houve progressos nas negociações por causa da crise financeira que envolve
essa instituição de ensino.
A Ilha do Arvoredo já foi um criadouro de muitas espécies de aves que viviam soltas em
sua área de rica vegetação. Hoje, há um projeto da fundação para repovoá-la com esses animais. Segundo Geraldo, quem tiver uma ave e quiser
soltá-la, pode procurar a fundação.
Oceanografia - Fernando Lee desenvolveu também algumas experiências na área da
Oceanografia, principalmente com a criação de espécies marinhas, como as tilápias. Esse é um dos campos que a fundação quer explorar no centro de
pesquisas da ilha nos próximos anos. Segundo Geraldo, duas pesquisadoras do Instituto de Oceanografia da USP pretendem instalar na ilha, no próximo
ano, uma torre de medição de impacto da poluição no mar, que pode ajudar em futuros estudos nessa área.
O painel de energia solar foi um dos primeiros equipamentos
construídos pelo engenheiro Fernando Lee
Foto: Walter Mello, publicada com a matéria
Idéia é receber também estudantes
Segundo membros da Fundação Fernando Eduardo Lee, a Ilha do Arvoredo poderá se
constituir em um centro avançado de pesquisas na área de energias alternativas, além de projetos ligados à pesca e aqüicultura, funcionando como um
importante ponto de apoio ao Centro Universitário do Guarujá. A idéia é fazer com que o local, além dos pesquisadores, possa receber também alunos
que estudam na Unaerp e os que estiverem freqüentando os cursos oferecidos pela universidade local.
A Ilha do Arvoredo possui instalações confortáveis e bem amplas, com dependências para
empregados. Grande parte do mobiliário da casa principal, no alto da ilha, é constituído de pinho de riga, uma madeira nobre originária de um
veleiro de três mastros adquirido pelo pesquisador no exterior, que foi desmontado e o material aproveitado no local. Segundo Geraldo Anhaia de
Mello, empresários norte-americanos e várias personalidades ilustres visitaram a ilha no passado. Mas ela continua sendo um local que poucos tiveram
o privilégio de conhecer.
Fernando Lee também construiu uma oficina de barcos acima de um rochedo com mais de 30
metros de altura. No ponto mais alto instalou um sistema de sinalização com bandeiras que funcionou durante os anos em que viveu na ilha. Lee montou
um canhão nos rochedos que disparava quando uma pessoa ilustre chegava à ilha. A Unaerp, agora, pretende recuperar o sistema de sinalização com
bandeiras, trazendo de volta o glamour que a ilha teve no passado, apesar de abrigar uma estação de pesquisas.
Na hora em que a equipe de A Tribuna chegava à ilha, o marinheiro Antônio,
contratado pela fundação, teve um grande trabalho para controlar o barco no mar agitado, impedindo o desembarque pelo dispositivo suspenso no cabo
de aço. Mas conhecer a Ilha do Arvoredo vale o risco, porque é mesmo um privilégio.
Desembarque é feito por uma espécie de gaiola puxada pelo guindaste
Foto: Walter Mello, publicada com a matéria
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