Com foices, operários recuperam a fortaleza
Armados de foices, picaretas e enxadas, nove funcionários
da Superintendência de Desenvolvimento do Litoral - Sudelpa - invadiram ontem a Fortaleza de Santo Amaro da Barra Grande, ou Forte de Santo Amaro,
para combater um dos muitos inimigos da velha fortificação: o mato. Essa é a primeira iniciativa para a reconquista daquele monumento histórico, que
desde o século XVI vem guardando a Cidade (N.E.: a referência é à cidade de Santos, onde fica a
sede do jornal) e, depois de suportar o ataque de piratas ingleses, caiu diante de uma força irresistível, o abandono.
Até que o monumento volte a se constituir num orgulho para os santistas levará tempo.
Abandonado pelo Poder Público depois de tombado pela extinta Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - SPHAN -, o forte não resistiu
à ação dos vândalos e do próprio tempo. O que até a saída do Círculo Militar - em 1950 - foi um prédio bonito, amplo e confortável, não passa hoje
de um amontoado de ruínas entre grossas paredes, sem telhado, sem piso e com o madeiramento apodrecido.
O tombamento aconteceu em 1969, o que comprometeu ainda mais a fortaleza. Uma vez
tombado, um prédio não pode ser reformado, sem autorização expressa do órgão tombador ou por sua própria iniciativa. O SPHAN manteve o forte no rol
de propriedades sob sua "segurança" até 81, quando pressionado por vários outros organismos decidiu restituir a propriedade ao Ministério da
Marinha. Foi então que surgiu a possibilidade de restaurá-lo, desde que cedido às Sociedades de Amigos da Marinha - Soamares -, que obtiveram
concessão para utilizá-lo pelo prazo de 30 anos, a partir de agosto passado.
O mais importante - Para o capitão dos Portos, capitão-de-mar-e-guerra Thiago
de Moraes, a fortificação é o bem histórico mais importante de Santos, por ter se constituído na garantia de progresso da Vila de Santos, ao impedir
invasões e saques de corsários, principalmente ingleses. Embora essa opinião seja clara, para a população santista a fortaleza não passa de um
prédio "estranho" na entrada do Estuário. "Acredito que só a médio prazo a população passará a dar o devido valor àquele imóvel", sentencia o
comandante da Capitania dos Portos.
O capitão acredita que apenas depois de recuperado, com o início da visitação, é que a
população em geral formará uma nova mentalidade a respeito do imóvel. Mas a inexistência de um senso de valores não é exclusividade dos que
desconhecem o papel que teve a fortaleza no desenvolvimento de Santos. Até mesmo o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e
Arquitetônico - Condephaat - do Estado parece não relevar o monumento, quando sua função básica é defender a manutenção da memória estadual.
Desde que as Soamares conseguiram a concessão do forte, em agosto, vem-se tentando
trazer técnicos do Condephaat para visitá-lo. Essa vistoria foi adiada diversas vezes, e está prevista - sujeita a confirmação - para a próxima
sexta-feira. Até que se conseguisse sensibilizar o órgão, foram necessários muitos encontros, envolvendo inclusive a Delegacia de Cultura do Litoral
- que coordena a recuperação ao lado das Soamares -, e ainda assim não se sabe como o órgão poderá ou quererá agir.
Recuperação - Felício Agostinho da Purificação Souza, presidente da Soamar/Santos,
explica que o trabalho de reconstrução da fortaleza não deve ficar submetido a burocracias, e nesse sentido conta com o apoio da Sudelpa, da
Delegacia de Cultura e da própria Capitania dos Portos. O problema é como recuperá-lo. O empreendimento não será barato, embora existam muitas
empresas particulares dispostas a auxiliar com material.
"Estamos correndo atrás de recursos, de auxílio. Já conseguimos o apoio da Sudelpa, e
há várias firmas dispostas a ajudar com telhas, madeiras e outros produtos", salienta Felício. Conjugando esses esforços, e realizando a
reconstrução em forma de mutirão, a Soamar espera que dentro de mais alguns meses o prédio já esteja em condições de uso.
Com o início das atividades dos funcionários da Sudelpa - fornecidos pelo Escritório
Regional da Baixada - já se poderá, dentro de mais alguns dias, andar pela área externa da fortaleza sem temor de se encontrar uma cobra pelo
caminho; ou ingressar no prédio olhando para o chão e não para o alto, como que aguardando a queda de uma telha do telhado apodrecido.
Essas pequenas medidas de segurança serão tomadas preparando o local para, no dia 4
próximo, receber o ministro da Marinha, Maximiliano da Fonseca. Essa visita deverá ser muito importante para o imóvel, pois existe a possibilidade
de o Ministério da Marinha auxiliar financeiramente na reconstrução. Essa possibilidade não é confirmada pelo capitão dos Portos, mas existe.
Imposto de Renda - De forma alguma se pode dizer que a Soamar ficou parada
desde que conseguiu a concessão da fortaleza. Nesses seis meses, além dos contatos com diversos organismos estaduais para se formar um plano de
recuperação, se conseguiu encaminhar junto ao Ministério da Fazenda um processo que permita liberar as doações que forem feitas para a reforma, a
partir de agora, do Imposto de Renda.
"Já foram estabelecidos contatos com o Ministério, e a isenção parece possível, embora
se deva fazer alguma alteração nos estatutos das Soamares", informa o capitão Thiago de Moraes. Confirmada a isenção, automaticamente aumentará o
interesse de firmas em colaborar com a empreitada, o que, por conseqüência, diminuirá os custos de reforma.
Esses seis meses a partir da concessão serviram, também, para que os organismos
diretamente envolvidos estudassem documentos informando sobre as características originais da fortaleza, que se quer ver reconstituídas.
"Provavelmente não poderemos chegar à sua forma inicial, mas pelo menos o mais próximo possível da época de sua última reconstrução", diz o
comandante Thiago de Moraes, referindo-se às obras ocorridas no século XVIII.
Depredações - Além do abandono físico, que provocou a ruína do imóvel, também o
vandalismo e as depredações colaboraram para deixá-lo no estado em que se encontra. Para se ter uma idéia do abandono, basta dizer que a velha
capela que se situa ao lado do prédio principal do forte, construída originalmente por volta de 1508 e reerguida em 1955, teve sua porta arrombada
há alguns meses. Os invasores que fizeram o "serviço" levaram, de recordação, uma imagem de santa muito antiga, que com uma imagem de Santo Antônio
dividia o altar decorado com azulejos portugueses pintados à mão.
Para evitar que tais fatos se repitam, o forte deverá ser policiado ininterruptamente
- já há negociações nesse sentido com a Polícia Militar -, e está nas cogitações da Capitania dos Portos recomendar à Soamar que retire, da capela,
a imagem remanescente, para que também ela não desapareça.
Com a presença de guarda, se poderá impedir que outros crimes se cometam como a
retirada de canhões que guarneciam o forte originalmente. As bases dos canhões estão vazias, e apenas duas peças de artilharia são visíveis no
forte: uma está no patamar inferior, jogada há uns três metros da base, e o outro canhão está semi-enterrado nas proximidades do prédio principal.
Um terceiro canhão, que pertenceria ao forte, foi encontrado há algum tempo nas águas da Barra, e está apreendido na Polícia Federal,segundo o
delegado de Cultura, Carlos Pinto.
Na visita que realizaram ontem pela manhã à fortaleza, dirigentes da Soamar, da
Sudelpa e da Delegacia de Cultura confirmaram o estado de deterioração em que se encontra o imóvel, e garantiram que o processo de restauração -
iniciado com a capinagem do mato - será permanente. Ainda não há previsões de custo ou prazo para que as obras terminem, e as Soamares também estão
discutindo prováveis utilizações para o local, além de sede dessas entidades. |