A velha fortificação, situada à entrada do Estuário, está desabando
Foto publicada com a matéria (imagem extraída de copião fotográfico do jornal Cidade
de Santos. Pesquisa do historiador Waldir Rueda nos arquivos do jornal,
mantidos no acervo da Unisantos)
A Marinha, abandonando nossa história
Treze anos no mais absoluto abandono, resultante do
antagonismo entre a burocracia e os interesses culturais da comunidade, podem levar a antiga fortaleza de Santo Amaro da Barra Grande a um estado
irreversível de destruição. A velha fortificação, situada à entrada do estuário santista, na Ilha de Santo Amaro, está prestes a desabar. Na
verdade, já está desabando, quase totalmente destelhada, sem forro, sem portas e janelas, vulnerável à ação do tempo, invadida pelo mato.
Enquanto se assiste a perda de um inestimável documento da história santista e da
colonização portuguesa, a Marinha, responsável pela fortificação, discute há mais de três anos as condições de um convênio para a restauração e
aproveitamento da construção, pela Soamar - Sociedade Amigos da Marinha de São Paulo. O impasse é em torno do período de vigência desse convênio, já
que a Soamar não pretende assumir o complicado e oneroso compromisso de restaurar um patrimônio histórico sem que tenha garantida a sua utilização
por um tempo razoável, compensador do investimento.
As condições da velha fortaleza são lastimáveis. Desde 1969, quando foi abandonada
pelo Círculo Militar de Santos, que ali tinha sua sede, nenhuma obra de manutenção ou restauração foi feita. Naquele ano, a Secretaria do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) decretou o seu tombamento, reconhecendo o valor histórico e arquitetônico da construção.
Hoje, o antigo forte é visitado praticamente apenas pelos carentes moradores da Praia
da Pouca Farinha. Estes parecem compreender o valor cultural que se perde. "Isso corta o coração", diz um velho baiano de Salvador, Ramiro
Mascarenhas, 70 anos, 23 filhos, que de vez em quando vai à Fortaleza recolher terra para a sua horta, na Pouca Farinha.
O sr. Ramiro, ateu e materialista, acha o abandono do forte uma "traição à Pátria".
"Este forte presenciou a invasão do pirata Cavendish - diz ele, lembrando a história. Aqui deveriam estar professores ensinando História do Brasil,
a compreender o nosso meio-ambiente. Quem é que vai fazer uma obra dessas hoje? É uma coisa maravilhosa que se perde. Mas isso tem que mudar, tem
que acabar com esses canalhas todos. Pode meter o pau, pode mandar brasa meu amigo, que nada é eterno. As eleições vêm aí e se não mudar muita coisa
pelo menos poderá iniciar uma transformação. O negócio é lutar, lutar para mudar tudo isso".
A fortaleza e os corsários - O conjunto arquitetônico que compõe a Fortaleza da
Barra conta com um quartel, uma capela, casa do comandante e paiol de pólvora. Sua construção começou em 1584, durante o reinado de Felipe II, da
Espanha, I em Portugal. Pouco tempo antes, o corsário inglês Edward Fenton invadiu a Vila de São Vicente. Eram
freqüentes os saques de piratas na nova colônia portuguesa e pouco tempo depois do início da obra outro pirata assaltou a vila,
Cavendish, que também tomou o forte, na época apenas uma posição militar de defesa.
Durante todo o século XVII, nenhum registro sobre a fortaleza, que teria servido nesse
período como presídio político, prisão do Estado, para os oposicionistas da coroa portuguesa. Sabe-se, no entanto, que somente em 1742 foi
completada a obra, com a nomeação do seu primeiro comandante, Luís da Costa de Siqueira.
Em 1885, o forte foi restaurado, vindo depois a desmoronar completamente e a ser
reconstruído em 1955, pelo Círculo Militar de Santos, que o ocupou até 1969. Como unidade militar, foi desativado em 1911, quando caiu em completo
desuso, com suas últimas baterias transferidas para a Fortaleza do Itaipu, na Praia Grande.
Esses dados foram compilados em 1978, por um grupo de estudantes da escola de História
da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Fundação São Leopoldo, coordenado pela professora Wilma Therezinha, diretora do Museu de Arte Sacra
de Santos. Essa historiadora vê uma grande importância no conjunto histórico da Fortaleza Velha da Barra: "É um documento da arquitetura de caráter
militar do Século XVIII, ano em que foi reconstruído. Portanto, tem muita importância arquitetônica. Além disso, o antigo forte documenta o esforço
português para defender essa parte do Brasil.
"Acredito que qualquer tipo de aproveitamento da construção, desde que respeite as
suas características, é válido. De nada adiantaria restaurar e fechar. Mas é preciso saber como será o processo de ocupação. Não se pode, por
exemplo, permitir a instalação de um restaurante, pois a cozinha poderia comprometer a construção. Além disso, o local tem que ser aberto para
turistas, estudantes, não pode ser fechado para o público".
A Soamar, que reivindica para si os cuidados do forte, pretende instalar ali a sua
sede social. José Console, prático do porto, ex-comandante do Lloyd Brasileiro, é presidente da entidade. Ele é quem fala das dificuldades impostas
pela burocracia do Serviço de Patrimônio Histórico: "É isso que leva ao abandono durante todo esse tempo. Eles não fazem nem deixam fazer. O forte
vem sendo requisitado há muito tempo por antigas diretorias da Soamar. Há três anos estamos com esse processo e só em 1981 a União passou para a
Marinha a responsabilidade da fortaleza, que agora quer firmar um convênio conosco. Existem algumas dificuldades e a principal é o tempo a ser
fixado para a ocupação, pois não poderemos assumir uma responsabilidade dessa, se não tivermos garantido um período longo de aproveitamento.
Acredito, no entanto, que em dois meses teremos uma solução, para então podermos levantar meios para a restauração, junto ao empresariado".
"A nossa idéia, para a ocupação da fortaleza, é de servir ao nosso quadro associativo,
mas poderemos elaborar uma regulamentação que permita a visitação pública".
Aqui, a Soamar quer instalar sua sede social
Foto publicada com a matéria (imagem extraída de copião fotográfico do jornal Cidade
de Santos. Pesquisa do historiador Waldir Rueda nos arquivos do jornal,
mantidos no acervo da Unisantos)
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