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DIA DE ANCHIETA
No início de São Paulo

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Em 1965, a Comissão Nacional para as Comemorações do Dia de Anchieta (9 de junho) promoveu um amplo debate entre intelectuais e pesquisadores nacionais e estrangeiros sobre a figura de José de Anchieta, e dessas conferências resultou o volume Anchietana, publicado naquele ano pela Gráfica Municipal - Divisão do Arquivo Histórico - Departamento de Cultura, da Secretaria de Educação e Cultura/Prefeitura do Município de São Paulo. Um exemplar dessa obra rara pertence ao Arquivo Histórico Municipal de Cubatão, e é dele transcrito o seguinte texto:

Anchieta e as primeiras famílias de São Paulo

Padre Hélio Abranches Viotti S.J. [*]

Chegava ao seu ocaso o primeiro século de nossa história, quando, na capital do Espírito Santo, a então próspera Vila de Vitória, proclamava o Prelado do Rio de Janeiro, Bartolomeu Simões Pereira, ao Padre José de Anchieta, falecido pouco antes em Reritiba, a 9 de junho de 1597, Apóstolo do Brasil. Que era então o Brasil? À distância e com a documentação hoje disponível, podemos ter idéia do caminho percorrido até ali pelo nosso País.

No alvorecer do novo século, depois de surgir aos olhos deslumbrados da maruja cabralina, a Terra de Santa Cruz aparecera a Américo Vespúcio envolta na miragem fascinante de um novo paraíso terreal. Suas praias e enseadas, seus rios e montanhas, seu revestimento de luxuriantes florestas, suas pressentidas riquezas de ouro e pedrarias, eram outros tantos atrativos do misterioso Novo Mundo.

Mas, ao mesmo tempo, para o senso prático do florentino, nada oferecia ela de imediatamente aproveitável para os seus novos donos, a não ser produtos de menor monta, como fosse o pau-brasil. Quanto aos seus habitantes, descreve-os na mais absoluta pobreza e desnudez, entregues a inexplicáveis guerras fratricidas e aos piores vícios: bebedeira, libertinagem, antropofagia.

Que fazer da nova terra? Como proceder em relação aos seus habitantes? Eram perguntas, estas e outras semelhantes, que mais de uma vez, lá nos Paços da Ribeira e no intervalo entre o despacho e o regresso das armadas do Oriente, ocupadas no tráfego das especiarias, se deve ter dirigido El-Rei Dom Manuel o Venturoso.

Claro que a resposta vinha condicionada pela filosofia imperante, de cunho profundamente providencialista. Deus, o mesmo Jeová da revelação mosaica, adorado agora pela Cristandade, lhe pusera diante, no desenrolar da epopéia dos descobrimentos, essa nova conquista, cujos direitos de posse assegurara o Tratado de Tordesilhas, ampliando em favor de Portugal o laudo de Alexandre VI.

Sobre esses direitos de possuí-la e desfrutá-la em benefício do velho reino de Afonso Henriques, nenhuma dúvida intranqüilizava as consciências. Como instrumento da Providência que era, alguma coisa, entretanto, deveria ser feita, em troca, a favor dos homens que a habitavam. Tudo isso espontaneamente está explícito na embevecida carta de Pero Vaz de Cainha. Acima de tudo, o dever da evangelização!

E contudo, para isso, havia um obstáculo que parecia insuperável. O Oriente representava a riqueza acumulada, o lucro imediato, densas e cultas populações a serem atraídas para o grêmio da Igreja de Cristo. E a libertar, desde logo, da hegemonia econômica e política do Islã, o tradicional inimigo da Cristandade mediterrânea. Como sacrificar tais vantagens, distraindo forças escassas para o aleatório aproveitamento da nova terra?

Continuasse, pois, a Terra de Santa Cruz aguardando a sua vez... O arrendamento a princípio a particulares, que se propunham a explorar o pau de tinta, a criação de três ou quatro feitorias no litoral, medidas acompanhadas da proibição do plantio das drogas do Oriente, estavam de acordo com a imposição do dilema: ou a Índia ou o Brasil. Cedia a cruz ao pau-brasil: Terra... do Brasil!

Ia entrementes servindo de escala, por vezes, no caminho das Índias, e sobretudo como lugar de degredo. A esse fato alude Gil Vicente mais de uma vez nos seus "autos". Assim, por exemplo, na Barca do Purgatório, pela boca de Marta Gil: "Ora assim me salve Deos / e me livre do Brasil..." [1]. Por 1528, escrevia da feitoria de Pernambuco D. Rodrigo de Acuña: haveria como 300 cristãos, espalhados pela costa, muitos deles aqui nascidos, mas na Turquia estariam mais seguros de salvar-se do que aqui... [2]

Aquela mesma Providência, porém, de que Portugal se confessava instrumento, se encarregou de criar a urgência da colonização do nosso País. Haviam também os franceses... descoberto o Brasil! E insistiam em nome do controvertido inventário de Adão em freqüentá-lo. Demonstravam, aliás, maior habilidade que os portugueses no trato com as populações primitivas. Via-se agora, pois, D. João III, em face de um novo dilema: povoar o Brasil, ou permitir que ele passasse às mãos dos franceses.

Como paliativo, surgiram as expedições guarda-costas. Mas veio, afinal, a experiência das donatárias. Fracassaram totalmente as do Norte. Vingou, pelo contrário excelentemente, a de Pernambuco. Pouco acima continuou a vegetar a antiga feitoria de Itamaracá. Na Bahia acabou devorado o donatário. Debateram-se entre dificuldades de toda espécie, sobretudo na luta contra os selvagens, as de Ilhéus e de Porto Seguro. Sobreviveu um pouco melhor a do Espírito Santo. Consumiu-se nas chamas, ateadas pela revolta dos indígenas, a Capitania de São Tomé.

Cá, no outro extremo, em São Vicente (englobamos nessa capitania a de Santo Amaro), progrediu a colonização, empreendida a princípio diretamente pela Coroa, sob a forma de uma feitoria para o tráfico de escravos, depois de colônia regular. Aqui se fixaram por fim os povoadores, trazidos em 1530 por Martim Afonso e destinados ao Rio da Prata. Como prêmio de seus vitoriosos combates aos entrelopos franceses e do êxito parcial de sua missão colonizadora, lhe coube em sorte, ao prestigioso fidalgo, essa nova capitania.

Houve quem entrevisse na empresa de Martim Afonso de Sousa o desígnio, maduramente estudado na Corte, de assenhorear-se das riquezas minerais do Peru - então apenas vislumbradas -, mediante a fundação de Piratininga. Se não bastasse o profundo descaso, votado pelo donatário ao destino de São Vicente, bastaria a enorme desproporção entre a grandeza do objetivo e a mesquinhez de meios para isso acumulados (poucas dezenas de colonos aqui deixados pelo ilustre fidalgo, que logo desertaram para o planalto em busca do mar), para destruir a fantasia.


Igreja do Colégio no século XVIII, em aquarela de Jose Wasth Rodrigues
pertencente à Divisão do Arquivo Histórico da Prefeitura do Município de São Paulo
Imagem: reprodução de Anchietana

Mas, enquanto no campo se enraizava o domínio português, com a teimosa presença de João Ramalho e de seus familiares, no papel de fiador do bom entendimento entre os ádvenas de além-mar e as tribos tupis, na marinha encontravam as duas centenas e meia de povoadores da armada de Martim Afonso, unidos aos antigos feitoristas, entregues à lavoura e a uma incipiente pecuária na Ilha de São Vicente e suas adjacências, relativa prosperidade. Foram essas as mais antigas famílias, que se constituíram no Brasil.

Restava, todavia, praticamente abandonado, o problema da evangelização dos autóctones e de sua incorporação aos vassalos de El-Rei. A desordem nas relações entre europeus e americanos, a perigosa desarticulação entre os pequenos núcleos civilizados ameaçados por índios e por navegantes, que a França persistia em mandar, levaram por fim ao Rei povoador, aconselhado pelos resultados mesquinhos da experiência anterior, à criação do governo geral e ao envio dos primeiros missionários da Companhia de Jesus.

Entre as minguadas iniciativas, destinadas à formação da América Portuguesa, foi, não há dúvida, um grande passo. Sobretudo se considerarmos que a metrópole já se ressentia então das conseqüências econômico-financeiras desastrosas de sua heróica aventura oriental. Exaltamos, e com toda razão, as providências desse precursor de Dom João VI no bem-querer ao Brasil, Dom João III. Um de seus mais felizes e também últimos atos em favor desta terra foi a escolha de seu terceiro governador geral.

O primeiro a enaltecê-lo - e de que maneira! - foi o Apóstolo do Brasil, o Padre José de Anchieta, no seu poema épico De gestis Mendi de Sàa. Antecipadamente supria o canarino aos cantos omitidos nos Lusíadas do poeta da raça. Para a época, em que foi impresso em Portugal, isto é, no ano de 1563, ninguém no Brasil, nem fora dele, estava em condições de realizá-lo, a não ser o exímio humanista, já aqui totalmente integrado, o canário de Coimbra...[3]

Não nos esqueçamos, porém, de que o próprio Mem de Sá ponderava reclamando sua volta a Portugal: "Tomo a Deus por testemunha de que faço mais do que posso. A mercê que lhe peço - escreve ao secretário de Estado, Pedro de Alcáçova Carneiro - é que haja licença de Sua Alteza para me poder ir, que não parece justo que, por servir bem a paga seja terem-me degradado em terra de que tão pouco fundamento se faz" [4]. Alguém, é força reconhecê-lo, mais do que Portugal (por falta de interesse, ou mais certo à míngua de recursos) velou do alto pelo futuro deste País.

Em 1573, após a morte de Mem de Sá, eis a que se reduzia em números a terra do Brasil, no Tratado de Pero de Magalhães Gandavo: Itamaracá: - "até 100 vizinhos"; em Pernambuco - "haverá 1.000 vizinhos"; na Bahia - "pode haver 1.100 vizinhos"; em Ilhéus - "pode haver 200"; em Porto Seguro - "pode haver 220"; Espírito Santo - "até 180"; Rio de Janeiro - "pouco mais ou menos 140"; em São Vicente - "haverá 500 vizinhos". Ao todo, menos de 3.500 fogos (N.E.: assim eram denominados então os núcleos familiares) ou 18.000 habitantes. E pouco mais de 60 engenhos, dos quais 23 em Pernambuco.

Os moradores destas capitanias - acrescentava Gandavo - tratam-se muito bem e são mais largos que a gente deste reino, assim no comer como vestir de suas pessoas, e folgam de ajudar uns aos outros com seus escravos e favorecem muito aos pobres, que começam a viver na terra. Isso se costuma nestas partes. E fazem muitas outras obras pias, por onde todos têm remédio de vida e nenhum pobre anda pelas portas a pedir, como neste reino" [4A].

Três fatores sobretudo podem explicar a eclosão dessa prosperidade inicial e a existência de tão belo sentimento solidarista. As condições naturais do país, as qualidades do povo, que aqui se ia aglutinando, o influxo religioso do Cristianismo, através do trabalho missionário principalmente. Entrava assim o Brasil a percorrer a rota de seu desenvolvimento, sob o impulso de seus governantes, e muitas vezes apesar deles... A expansão do país há de ser obra do povo que aqui se vai formando. Fruto da iniciativa particular - diríamos hoje.

Em seus Diálogos de vária história, de 1594, observa por exemplo Pedro de Mariz, a propósito do governo de Mem de Sá na colônia: "... em todo o tempo que nela residiu, foi pouco favorecido do reino, por morrer logo El-Rei Dom João..." E ainda: "Se esta capitania (de Pernambuco) e as outras cresceram em gente, edifícios e fazendas, nasceu-lhe da grande fertilidade da terra, que ajudou os moradores de maneira, que com não serem do reino ajudados e favorecidos, puderam chegar ao estado em que hoje as vemos" [5].

Alguma coisa se pode concretizar acerca do estado a que nesse tempo atingira o Brasil. Já por 1586, segundo os dados colhidos em Gabriel Soares, no seu Roteiro, em Anchieta, na Informação do Brasil e suas capitanias, de 1584 e, sobretudo, na Informação da Província do Brasil de Cristóvão de Gouveia e na Narrativa epistolar de Fernão Cardim, escritas em fins de 1585, a população civilizada se poderia calcular em cerca de 60.000 almas: 25.000 brancos e mestiços, 20.000 índios cristãos e 15.000 escravos africanos. Entre todas as capitanias existiam pouco menos de 140 engenhos de açúcar, quase metade em Pernambuco.

Já para o fim da centúria, atingira a população a casa dos 100.000 civilizados: 30.000 brancos e 70.000 entre mestiços, negros e índios. Quanto aos engenhos, os de Pernambuco somavam uma centena, e a Bahia, que os possuía maiores, contava meia centena, ao que informa Francisco Soares [6]. Enquanto isso, os rebanhos se haviam multiplicado em grande escala por toda parte, a produção agrícola de gêneros alimentícios superava as necessidades, completando-se com a importação do vinho, do sal, do trigo e do azeite, se bem que vinho e trigo se produzissem também em São Paulo.

"E creia-me V. Majestade - dizia a Filipe III o Governador D. Diogo de Menezes, por volta da segunda década do século seguinte - que as verdadeiras minas do Brasil são o açúcar e o pau-brasil, de que V. Majestade tem tanto proveito, sem lhe custar de sua fazenda um só vintém" [7]. A alusão às minas vai por conta da divisão do Brasil em dois governos e da presença de D. Francisco de Souza em São Paulo nessa mesma época, fomentando a procura delas. Rivalidades!

D. Francisco de Souza estava em São Paulo pela segunda vez. Da primeira, em 1598, se transferira da Bahia para cá, "a visitar - escreve Pedro Taques - as minas de ouro e ferro, descobertas por Afonso Sardinha". Referindo-se "Capitania de São Paulo" ou "Piratininga", onde, em Ibira Suiaba acabava D. Francisco de descobrir também o ouro, escreve em 1610 em sua Relação da Província do Brasil o Padre Jácome Monteiro: "Há mais nesta terra, grandes minas de ferro e montaram muito, por haver grande saca dele para o Paraguai e mais partes do Peru" [8].

Antes do fim desse século XVI, a expansão geográfica, econômica e, digamos "cultural" do domínio português na América avançara até o Rio Grande do Norte e começara a espraiar-se pela hinterlândia por iniciativa dos moradores da Capitania de São Vicente. Notemos que desde 1580 passara o Brasil para o governo dos Filipes. Se a união das Coroas atraiu contra o Brasil o ataque dos inimigos de Espanha, favoreceu, de outro lado, e muito, a ocupação do território para Oeste.

O desenvolvimento harmônico da colônia em todo esse período não se teria realizado sem a feliz aliança e a cooperação das três raças, que aqui se foram justapondo e em certa proporção amalgamando. Os europeus, capitaneando em todas as iniciativas do progresso; os africanos oferecendo a principal mão-de-obra da indústria açucareira; os índios, sobretudo como elementos de defesa e de alargamento da terra. Mas tal avanço não poderia ter apenas um sentido material.

As filosofias materialistas mutilam completamente a explicação histórica do progresso humano, ao reduzir seus fatores todos naturalmente correlativos à complexidade de nossa natureza - ao fator econômico exclusivamente. A verdade é que a própria prosperidade econômica depende também de fatores de ordem moral. O desenvolvimento do Brasil nesse primeiro século está claramente vinculado ao seu progresso moral. E este, não menos claramente, ao influxo religioso.

Influxo exercido até certo ponto, neste primeiro século, pela incipiente hierarquia aqui então estabelecida e reforçada, a partir de 1583, pelas velhas ordens religiosas, beneditinos, carmelitas e franciscanos, que por essa época vieram abrir na próspera colônia seus primeiros mosteiros e conventos. Penso, contudo, não estar faltando à modéstia - por se tratar de uma verdade universalmente proclamada -, repetindo com todos os nossos historiadores, que tal influxo foi devido sobretudo aos jesuítas.

Conquanto a luta pela liberdade dos índios nunca cessasse de todo, estabelecera-se a leal cooperação entre conquistados e conquistadores. Até 1585, 100.000 índios haviam sido batizados, de que a quinta parte sobrevivia, a maioria nas aldeias do Padroado Real. Iniciara-se desde logo a catequese dos "escravos de Guiné". E a mocidade masculina, branca ou mestiça, se educava nas escolas dos jesuítas, podendo uma parte dela cursar seus colégios gratuitos de Olinda, Bahia e Rio de Janeiro. Este último, o mesmo que em 1554 se fundara em Piratininga.

Na documentação geral, entre os papéis jesuíticos devemos incluir, como particularmente valiosos neste sentido, os processos pela beatificação de Anchieta. Do ministério exercitado pelos missionários da Companhia, ao que se deduz de todos esses documentos, resultara de modo geral, como fruto de sua cooperação religiosa com o clero diocesano, em missões volantes ou nas suas próprias igrejas e residências, a regularidade na prática da vida cristã, uma apreciável moralização dos costumes, a estabilidade da instituição familiar, o acatamento a todos esses valores de ordem jurídica ou espiritual, tutelados pelas leis civis e eclesiásticas.

Como luz solar entre a luz da lua e das estrelas, se destacou nesse ministério a atuação e o exemplo do Venerável Padre José de Anchieta. O Brasil todo, de Itamaracá a Itanhaém, se edificou com a sua passagem. Maiores benefícios de seu ministério sacerdotal, de sua palavra ardente, de sua obra popular de poesia lírica e dramática, de sua catequese escrita ou falada, receberam a Bahia, o Rio, o Espírito Santo e sobretudo São Vicente. Nada mais houvesse, teria bastado o espetáculo de sua vida de santidade carismática, para causar nesses lugares a mais benéfica impressão.

Sobretudo a Capitania de São Vicente... Atribuindo o resultado da transformação espiritual da Capitania de São Vicente ao seu primeiro apóstolo (o Padre Leonardo Nunes), dizia Anchieta, na sua Informação do Brasil: "Ainda hoje se enxerga naquela terra um nescio quid de mais virtude, devoção e afeição à Companhia que em toda a costa" [9]. Verdade proclamada, por sua vez, logo depois pelo Visitador Padre Cristovão de Gouveia.

Mas já alguns anos antes, a Carta ânua de 1578, redigida pelo Padre Luís da Fonseca, nos fornece a chave para a interpretação desses textos: não fora apenas o apostolado de Leonardo Nunes, tão breve infelizmente... Quando, no ano anterior, pretendeu o Provincial Inácio Tolosa levar consigo dali ao Padre Anchieta, se havia produzido em São Vicente um extraordinário movimento. O afeto que, após vinte anos de convivência dedicavam os vicentinos ao Padre Anchieta era tal, que já não concebiam ver-se privados de sua presença. E teve o provincial que lhes prometer a restituição de Anchieta para o mais breve que lhe fosse possível.

A influência de Anchieta sobre as primeiras famílias de São Paulo mereceria um estudo bem mais profundo do que aquele que no momento é cabível, estudo que se deveria estender às famílias da recém-povoada Guanabara, em boa parte provenientes desta capitania. Se na Bahia sua influência já foi mais limitada, notabilíssima a que exerceu, no último decênio de sua vida, na Capitania do Espírito Santo.

Contentar-me-ei portanto com uma prospecção, por assim dizer instantânea, desse fato junto a algumas das principais famílias de São Vicente ou do meio vicentino, abrangendo São Paulo, para onde acabaram todas elas emigrando. E me vou valer dos depoimentos de cinco senhoras, verdadeiras matriarcas de nossa população de quatrocentos anos. A História se vem erigindo praticamente com a exclusão do papel da mulher. A função, realmente, que as mulheres desempenham - embora da mais alta e decisiva importância - se desenvolve primordialmente no lar.

A esse propósito, e tendo em vista o que se dera até o seu tempo, ponderava o genial Joseph de Maistre, referindo-se, penso eu aos fatos, que não às possibilidades: "As mulheres não fizeram obra prima em gênero algum. Não escreveram a Ilíada, a Eneida, a Jerusalém Libertada, nem Atalia, nem Hamleto, nem o Paraíso Perdido. Não construíram templo algum, como o de São Pedro. Não esculpiram o Apolo do Belvedere, nem pintaram o Juízo Final. Não inventaram a álgebra, nem o telescópio, nem a máquina a vapor... Mas fizeram alguma coisa maior que tudo isso: é no seu regaço que se forma o que há de melhor no mundo: um homem honrado e uma mulher honesta" [10].

Podemos orgulhar-nos, os que delas descendemos, dessas admiráveis matronas paulistas... Representando a todas, comparecem à ribalta da história, através do processo informativo de 1620 em São Paulo, Leonor Leme, Filipa Vicente, Susana Dias, Maria Castanho, Ana Ribeiro. Não incluo, para não ir mais longe, Maria Álvares, Mência da Pena e as outras muitas que compareceram no Rio de Janeiro.

Em dezembro de 1620, atendendo à solicitação do Padre Francisco Pires S.J., delegava poderes o Prelado do Rio de Janeiro Mateus da Costa Aborim, ao Vigário de São Paulo, Padre João Pimentel, para como juiz presidir ao processo informativo a respeito do servo de Deus, Padre José de Anchieta. Em março de 1622 tinham início as formalidades da instalação do tribunal eclesiástico, a que serviram de testemunhas os Padres João Álvares e Gaspar de Brito. Como escrivão, Calixto da Mota, auxiliado no fim por Simão Borges de Cerqueira, sendo cursor nomeado João Clemente.

A 7 de abril de 1622 comparecia a dar testemunho nesse processo Leonor Leme. Nascida em Óbidos, Portugal, filha de Pedro Leme e Lúcia Fernandes, declara ter acima de 80 anos. Nascida, pois, ao redor do ano de 1540. Vamos resumir o conteúdo de seu depoimento, de que só existe o texto da tradução latina. Quem assina por ela é o filho Pero Leme. Este, de 56 anos, e seus irmãos Aleixo, de 58 e Mateus, de 62, testificam igualmente no mesmo processo. Comparecerão cinco anos depois ao processo apostólico de São Paulo. Nesse ano de 1627 Leonor provavelmente havia falecido, pois do contrário seria novamente citada.

Assistiu ela à primeira missa celebrada em São Vicente pelo Padre José de Anchieta em 1567. Com ele se confessou depois muitas vezes. "Todos o tinham por santo publicamente" [11]. A propósito do assalto levado a cabo por tamoios do Rio Paraíba a Bertioga, durante os reféns de Anchieta em Iperui, fato revelado pro este a Antônio Luís (ou melhor ao Padre Nóbrega diante de Antônio Luís), identifica ela uma das vítimas do assalto: uma filha de Pascoal Fernandes, condestável de um os fortes daquela barra.

"Tudo aquilo em que punha a mão levava a bom termo". A plena confiança, que nele depositava, se comprova através do depoimento de seus filhos. Mateus, o mais velho, foi durante 13 anos (de 1570 a 1583 provavelmente), um dos seus assíduos companheiros de jornadas: acompanhou-o como cem vezes [12]. Aleixo e Pedro (ou Pero) figuraram como atores na representação do auto intitulado Pregação Universal, na passagem do ano de 1576 para 1577, em São Vicente, quando durante três horas que durou o espetáculo sobresteve o temporal. Eram então seus alunos: "com ele me criei", diz o primeiro [13].

Ambos se referem ao quarto de século de suas relações com Anchieta, de 1576 a 1594, quando pela última vez, como visitador, pisou Anchieta em São Paulo. Com outros rapazes (Matias de Oliveira, Ascenso Ribeiro, Pascoal Leite, João Soares e outros), também eles acompanharam suas viagens. Muitas delas entre São Vicente e São Paulo, com pouso forçado nas proximidades da Serra de Paranapiacaba.

De si atesta Pedro que, em tais circunstâncias "o vira muitas vezes dormir sobre uns paus e ser tão penitente, que se disciplinava muitas vezes. E pelo não ouvirem disciplinar, o agasalhava muitas vezes (cito aqui as palavras textuais do processo apostólico), a ele e a outro companheiro, dando-lhe o seu roupão para se cobrirem, para que adormecessem, só a fim de o não ouvirem. E eles, sabendo já o que passava por experiência, deixavam de dormir, pelo ouvir" [14].

Forçoso nos é deixar coisas admiráveis, que nos contam esses moços da piedade e rigorosa penitência do Apóstolo do Brasil. Mas podemos estar certos de que tais impressões, recebidas por eles em sua adolescência, jamais se apagaram em sua lembrança e estão na base para uma explicação dessa carinhosa reverência, que até hoje guardamos, em relação ao Venerável Padre José de Anchieta, os milhões quiçá de brasileiros que deles descendemos.

No mesmo dia 7 de abril de 1622, imediatamente aliás antes de Leonor Leme, comparecera a testemunha Filipa Vicente, ou Vicência, consoante o uso da época. Também ela mais que octogenária, nascida em São Vicente, filha de Pedro Vicente e de Maria de Faria. Viúva de João Prado, veio a falecer em 1527 (N.E.: assim grafado no original, em lugar do ano correto, 1627), ano em que se realizou em São Paulo o processo apostólico, a que já não pode ser citada.

Assina por ela seu filho Pedro do Prado, nono entre os onze filhos do casal. O volume III da Genealogia Paulistana de Silva Leme preenche 277 páginas na descrição do título Prados. Por aí se pode calcular o número de seus descendentes em nossos dias. De São Vicente se transferia o casal para São Paulo, pouco antes do ano de 1584. Em São Vicente, tratara - diz Filipa Vicente - muitas vezes com o Padre Anchieta, seu diretor espiritual.

De seu testemunho, confirmado pelo genro Pero Leme, consta o fato de sua própria cura, considerada miraculosa, operada por Anchieta. Presa ao leito havia três anos, coberta de chagas, os ossos aparecendo através da pele e já abandonada por três médicos, nenhuma esperança lhe restava de vida. Numa de suas visitas a São Vicente (como provincial provavelmente), vem vê-la Anchieta. Assumindo a responsabilidade, convida ao cirurgião Antônio Rodrigues de Alvarenga a que lhe rasgue, à enferma, com a lanceta uma das chagas, que supura abundantemente.

"Pó é V. Mercê e estava morta - lhe diz o taumaturgo, abençoando-a com um pequeno crucifixo -, mas viverá ainda muitos anos, e não o diga a ninguém" [15]. Ergueu-se a doente curada, mas até o ano seguinte lhe não cicatrizara a ferida. Falando-lhe um dia sobre isso na confissão, lhe disse o Padre José fosse em peregrinação a Nossa Senhora da Conceição de Itanhaém, ali celebraria ele em sua intenção: "com a graça de Deus ficaria inteiramente boa". O que se verificou ao pé da letra, celebrada a missa, "com espanto de todos os presentes, que diziam ser o Padre José um santo".

Filipa Vicente teve um filho jesuíta, o Padre Domingos do Prado.

Dois dias antes, depusera no mesmo processo informativo Susana Dias. Nascida em São Vicente, no ano de 1552. Filha de Lopo Dias e de sua primeira esposa Beatriz Dias. Esta, se não filha de João Ramalho e de Isabel Dias, quiçá irmã desta última e filha de Tibiriçá. Lopo Dias - esclarecem os processos anchietanos - era irmão de Rui Dias Machado. Susana vinha, pois, a ser prima-irmã do Padre Lourenço Dias Machado e de Daniel (não Manuel) Dias Machado. Faleceu com testamento em 1634. Se não comparece em 1627, é que estaria em Parnaíba.

É a matriarca dos "Fernandes povoadores". Com seu irmão, Belchior Dias Carneiro e o filho mais velho, o grande sertanista André Fernandes, fundou, na última década do século XVI ao que parece, a futura Vila de Parnaíba. Domingos Fernandes, seu filho, é o fundador de Itu. Baltasar, outro de seus filhos, é o fundador de Sorocaba. Título que, logicamente, lhes deveria ser negado, por aqueles que exigem, para tais fundações, um ato de autoridade pública... Demos, pois, a palavra sobre isso a Parnaíba, Itu, Sorocaba e às demais cidades paulistas.

Breve o testemunho de Susana Dias, mas precioso. "Conheceu muito bem ao Padre Anchieta e o teve por diretor espiritual, abrindo-lhe toda a consciência". Conhecia-o desde antes do sacerdócio. E narra o seguinte, que deve referir-se ao ano de 1560, quando novamente se encontram em Piratininga os Padres Luís da Grã e Manoel da Nóbrega: "Sendo eu menina de poucos anos e indo (ou vindo, diremos neste local) à Igreja desta Vila de São Paulo, ouvi muitas vezes aos Padres Luís da Grã e Manoel da Nóbrega, outrora provinciais, que o Irmão José era santo e, contando alguns sonhos do irmão, afirmavam que eram revelações e que ele as dissimulava dizendo que eram sonhos" [16].

Conta mais: "Sendo eu de 12 anos (1564) e estando enferma, desejei morrer, consagrando assim a Deus a minha virgindade, mas o Padre José, sem que a ninguém eu o dissesse, me falou nesse assunto, que só podia saber, através de uma revelação". Susana, alguns anos depois, se casou com Manoel Fernandes Ramos (também Manoel Fernandes o Moço), juiz ordinário em São Paulo no ano de 1575. Anchieta lhe batizou um dos numerosos filhos.

No dia 6 de abril, dá seu testemunho no tribunal eclesiástico Maria Castanho, filha de Antônio Rodrigues de Almeida e de Maria Castanha (essa a forma então usada), nascida em Lisboa por 1557. Para Santos viera aos três anos de idade, em companhia da mãe e da irmã Catarina. Em Santos vivia então o pai, desempenhando o ofício de capitão-mor e ouvidor da Capitania de Santo Amaro (1557-1569). Um irmão dela, nascido em 1573, foi o notável missionário da Companhia de Jesus, Padre André de Almeida, falecido no Rio de Janeiro em 1649.

Seu depoimento, dos mais longos, se repete cinco anos depois no processo apostólico. Da primeira vez assinou por ela Pedro Fernandes; da outra, Gaspar de Brito. Anchieta esteve presente ao seu casamento com Antônio de Proença, não anterior ao ano de 1570. Em sua casa em Santos se hospedou mais de uma vez. Viu-o rezar de joelhos diante de seu oratório, não podendo deixar de comover-se à vista de sua piedade. Viu-o servir com toda a caridade aos pobres e aos doentes, não recuando diante de situações as mais repugnantes à natureza.

Embora pobremente vestido, prometera o Padre José, por ocasião de seu casamento, orar para que não lhes faltassem os bens da terra. Fiado na palavra do santo, de que Maria iria sarar, ainda que se encontrasse então enferma de certa gravidade, empreenderia Proença uma viagem aos Patos, de que trouxe ganhos consideráveis. Duas vezes interveio Anchieta em favor da saúde de ambos. Salvando-a, a ela, uma vez, em certo parto mal sucedido, quando todos a choravam por morta. Quanto à cura de Antônio de Proença, vale a pena recordar as circunstâncias.

Vindo Anchieta uma tarde hospedar-se, juntamente com seu companheiro, Padre João Batista Giacopuzzi, à casa deles, soube que Antonio se achava havia vários dias acamado. Disse então ao companheiro lhe fosse ler um evangelho, pois não cearia, a não ser em companhia do dono da casa. Relutava Batista, mas Anchieta insistiu. Lido que foi o evangelho, levantou-se Proença: "sentia-se tão bem disposto, que carregaria a casa às costas..." E cearam.

No ano de 1575 empreendeu Antônio de Salema sua campanha militar contra os tamoios de Cabo Frio. Fazia-o como governador do Sul do Brasil e por continuarem esses índios a manter amistosas relações com os entrelopos franceses, constituindo isso sério perigo para a segurança da colônia. Do numeroso contingente convocado em São Vicente, fazia parte como alferes o nobre Antônio de Proença. Anchieta, que acompanhou ao comandante, seu grande amigo Jerônimo Leitão, até Bertioga, esteve naqueles dias em Santos.

Maria Castanho, muito jovem - estaria nos seus 18 anos -, não escondia seus tristes pressentimentos com a partida do marido para a guerra. Tranqüilizou-a o Padre José: "todos voltariam com saúde" [17]. A Antônio lhe deu certo relicário de marfim: em caso de tempestade, o mergulhasse nas ondas. Seis meses depois regressava ele. Servira-se do conselho de Anchieta, com resultado. Na repartição dos milhares de prisioneiros, lhe haviam tocado 50 escravos. Proença foi dos mais abastados moradores da Capitania de São Vicente.

A 9 de abril se apresenta a depor no processo informativo de São Paulo Ana Ribeiro (ou Ribeira...). Filha de Estevão Ribeiro e de Madalena Fernandes, todos ao que parece naturais de São Vicente. Ela, ali nascida, em 1559. Um irmão seu, mais moço, Ascenso Ribeiro, presta depoimento nesse mesmo processo e, como ela, também no processo apostólico de 1627. Estevão, o pai, foi dos mais antigos companheiros de Anchieta em suas caminhadas, desde anos anteriores a 1565, dando testemunho em São Paulo, na inquirição particular de 1602-1603. Ana veio a falecer a 23 de outubro de 1647, aos 88 anos de idade.

Ela, testemunha, "lhe ouvira muitas vezes suas missas, pregações e doutrinas". E com ele se confessara muitas vezes. Tratou-o em São Vicente, seja como superior ali (1567-1577), seja como provincial (1577-1587), seja como visitador (1592-1594). "Muitas vezes o vi pedindo esmolas e com um saco às costas. E todos lhe davam esmola. E ele se descarregava algumas vezes, dando a esmola aos pobres" [18]. Neste processo informativo, classificou-o desta maneira: "homem milagroso, apostólico, celeste"!

Refere dois fatos em particular. Havia cinco anos vivia um pobre índio em São Paulo trazendo ferida incurável. O marido de Ana, o cirurgião Antônio Rodrigues de Alvarenga, reconhecendo ser um caso perdido, já o abandonara. De passagem por São Vicente, de volta de São Paulo, insta Anchieta com Antônio Rodrigues que trate novamente do índio. Este vem de São Paulo, hospedando-se com os jesuítas em São Vicente. Ali o medicou Rodrigues três ou quatro vezes. Sarou prontamente, e, como era natural, a cura foi atribuída ao Padre Anchieta.

Passava-lhe, uma tarde já bem avançada, o missionário pela porta. Deteve-o Ana Ribeiro e lhe apresentou o filho Jerônimo de dois anos. Estava muito mal: além de uma ferida congênita no rosto, havia três dias que já se não alimentava. Pediu a mãe que lhe salvasse a vida. Mostrava-se dificultoso nisso: "Deixai-o ir à glória, que não vos dê algum desgosto" [19]. Entretanto sorrira para a criança e lhe falara na língua do Brasil. Vencido pela insistência de Ana, recitou-lhe o sacerdote um evangelho. No dia seguinte acordou o menino inteiramente bom e a ferida desaparecera, sem deixar vestígio. Entrou mais tarde para a Companhia, mas veio a ser dela despedido, com grave desgosto de seus pais.

"Ela e outra mulheres lhe pediam que lhes fizesse alguns milagres. E o dito padre pelejava com elas e as repreendia por lhe dizerem aquilo". Do céu, onde se encontra, já não repreende ninguém, nem há motivo para isso. É tempo de que as mulheres de São Paulo, as mulheres de todo o Brasil, reiniciem, pois, esta mesma peleja, pedindo ao Padre José de Anchieta alguns milagres... Precisamos, quanto antes, de vê-lo nos altares.

Por Ana Ribeiro, assinou em ambos os processos, de 1622 e de 1627, seu filho Antônio Pedroso de Alvarenga.

Foi um grande sertanista. A pedido de D. Luís de Souza, que sucedera em São Paulo a seu pai D. Francisco, chefiou Pedroso grande expedição até o baixo Araguaia em busca de ouro (atrás quem sabe da Serra dos Martírios), 300 léguas para o interior, entre os anos de 1615 e 1618. Refazia o caminho, seguido um quarto de século antes por seus tios Pantaleão Pedroso e Ascenso Ribeiro, componentes da bandeira de Antônio de Macedo e Domingos Luís o Grou, numa entrada que, entre os anos de 1587 e 1593, esteve sete anos no sertão.

Pelos depoimentos de Ascenso Ribeiro de 1622 e 1627, podemos conhecer mais alguns aspectos das relações de amizade entre o Padre Anchieta e a família de Estevão Ribeiro. Colega e coetâneo de Pero Leme, entrou Ascenso Ribeiro igualmente, no papel de um anjo, na representação do auto da Pregação Universal. Com a presença de Anchieta em São Paulo, no ano de 1593, instavam com ele Estevão e a esposa Madalena Fernandes, desejando saber se os filhos, há tanto tempo ausentes no sertão, eram vivos ou mortos.

"Breve tereis convosco o anjo", respondeu Anchieta. Mas nada disse sobre Pantaleão Pedroso. Estava este casado com Ana de Morais Dantas e era pai de duas crianças, Maria de Morais e João Pedroso de Morais. Vinte dias depois regressava Ascenso, trazendo a notícia da morte do irmão mais velho [20]. Dois netos de Pantaleão Pedroso e de Ana de Morais Dantas, filhos de Maria de Morais, se fizeram jesuítas: Padre Francisco Ribeiro, herói da guerra de Pernambuco e, como seu irmão Padre Manoel Pedroso (Jor.), reitor do Colégio de São Paulo.

Leonor Leme, Filipa Vicente, Susana Dias, Maria Castanho, Ana Ribeiro e muitas outras silhuetas femininas emergem dos processos ou da biografia de Anchieta num luminoso quadro, unânimes no louvor e na veneração ao Apóstolo do Brasil. Anchieta foi, para todas elas, o guia espiritual e o protetor na estrada da vida. Verdadeiro representante de Cristo, a lhes apontar, aureolado de luz celestial, o caminho da felicidade, no serviço de Deus. "Boa ventura chamo - escreveu Anchieta - uma vida conservada na graça de Deus e uma morte que a tal vida corresponda" [21].

Para a formação do povo de São Paulo e do povo brasileiro, acarretou-nos ele as riquezas da fé, a nobreza do espírito, a generosidade do coração, a afirmação de uma vontade inquebrantável em face da dor ou do medo. Trouxe-nos enfim as bênçãos divinas para a prosperidade da terra e as esperanças do céu. Para nossa gente representa ele uma bandeira sagrada, na qual a mensagem do evangelho, resumida na caridade para com Deus e o próximo, se encarnou no exemplo de uma vida de maravilhosa beleza.

Nossos antepassados não ficaram insensíveis diante do santo, que a Providência nos concedeu para santificar as origens desta grande pátria que nascia. Consagrando-lhe, a 9 de junho, um dia nacional, pelas mãos de seu supremo chefe civil, e após uma revolução que nos libertou da tirania do comunismo ateu, vem o Brasil de hoje demonstrar, ao mundo, que não lhe é indiferente essa bandeira espiritual, que nos vem conclamando para as ascensões do espírito, através de nossa marcha na história.


Notas:

[1] - Obras Completas, ed. fac-simile de 1562, Lisboa, 1928, f. 51v.

[2] - Carta ao Rei de Portugal, 30-IV-1528. Apud Obras de Navarrete, III, Madrid, 1955, 124.

[3] - H. A. Viotti S. J., Anchieta, autor do Poema de Mem de Sá, Revista Verbum, XX (1963), 179-199.

[4] - Galanti, História do Brasil, I, § 221.

[4A] - Tratado da Terra do Brasil, Rio, 1924, 21-41.

[5] - Op. cit., Lisboa, 106, II, 72-73.

[6] - De algumas coisas mais notáveis, RIHGB, XCIV (1923), 374; Pero Rodrigues, Anchieta, Bahia, 1955, 18; Rocha Pombo, História do Brasil, 9 vols., Porto, s.d., III, 760.

[7] - M. Severim de Faria, História portuguesa e de outras províncias do Ocidente (1610-1640). Parte relativa ao Brasil ed. pelo Barão de Studart, Fortaleza, 1903.

[8] - Genealogia Paulistana, 9 vols., São Paulo, 1903-1905, I, 31; Jácome Monteiro, apud S. Leite, HCJB, VIII, 395.

[9] - Cartas Jes., III, Rio, 1933, 315.

[10] - Carta a Mlle. de Maistre. Obras Completas, Lyon, 1884-1887, 14 vols.

[11] - Arquivo da Postulação Geral da C. de J., (APGSJ), Anchieta, "Proc. Inf. S. Paulo", fls. 77v-80.

[12] - APGSJ, Anchieta, "Proc. Inf. S. Paulo", fls. 17-18v.

[13] - Arquivo Secreto Vaticano (ASV), Congr. Rit., nº 305, fls. 33-35v.

[14] - ASV, Congr. Rit., nº 305, fls. 20v-23v.

[15] - APGSJ, Anchieta, "Proc. Inf. S. Paulo", fls. 74v-77v.

[16] - APGSJ, Anchieta, "Proc. Inf. S. Paulo", fls. 31-33.

[17] - ASV, Congr. Rit., nº 305, fls. 41v-44; APGSJ, Anchieta, "Proc. Inf. S. Paulo", fls. 53v-59.

[18] - APGSJ, Anchieta, "Proc. Inf. S. Paulo", fls. 91v-95.

[19] - ASV, Congr. Rit., nº 305, fls. 62-64v.

[20] - ASV, Congr. Rit., nº 305, fls. 23v-26v.; APGSJ, Anchieta, "Proc. Inf. S. Paulo", fls. 26-31.

[21] - Cartas Jes., III, Rio, 1933, 275.

[*] Palestra proferida a 14 de julho de 1965, no Pátio do Colégio, em S. Paulo, no ciclo de conferências promovido pela Comissão Nacional do Dia de Anchieta.

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