Meu Anchieta
Cassiano Ricardo
[...]
Anchieta, o poeta
No Rio, ao lado de Estácio, é ele
que ajuda a luta contra os intrusos franceses.
Em 1569, volta à sua Piratininga e é reitor do Colégio de São
Vicente, depois é Provincial do Brasil durante sete anos. Demite-se, está de novo no Rio; depois, está no Espírito Santo, pra
dirigir o Colégio de Vitória. Residindo em Beritiba, onde morre.
Mas meu Anchieta é o poeta, hoje ainda de vanguarda, pois são até
os vanguardistas de 1965 que o citam como precursor, por sinal, de certas formas de composição (a repetitiva, entre outras) que
a nova poesia pratica em seus experimentos mais avançados.
Assim, um jovem mestre da poesia praxis, Mário Chamie, coloca
Anchieta ao lado de Gregório de Matos, como "organizador de estruturas repetidas que vem até João Cabral".
E com razão. O Pelote Domingueiro, que tem como mote
"já furtaram ao moleiro
o pelote domingueiro"
é um curioso caso de estrutura repetida
(N.A.: Afrânio Peixoto, Primeiras Letras, p. 76). Desde o começo ao
fim.
Entrai ad altare Dei obedece a idêntico processo. Santa
Inês, a cordeirinha linda, idem.
"Cordeirinha linda
como folga o povo
porque vossa vinda
lhe dá lume novo.
Cordeirinha santa,
de Jesus querida,
vossa santa vida
o diabo espanta.
Por isso vos canta
com prazer o povo
porque vossa vinda
lhe dá lume novo.
Nossa culpa escura
fugirá depressa
pois vossa cabeça
vem com luz tão pura,
vossa formosura
honra é do povo,
porque vossa vinda
lhe dá lume novo.
Virginal cabeça
pela fé cortada
com vossa chegada
já ninguém pereça;
vinde mui depressa
ajudar o povo,
pois com vossa vinda
lhe dais lume novo.
Vós sois cordeirinha
de Jesus fermoso
mas o vosso esposo
já voz fez Rainha.
Também padeirinha
sois do vosso povo.
Pois com vossa vinda
lhe dais lume novo."
O que quer dizer: o primeiro organizador dessa estrutura foi
Anchieta, que precedeu em mais de um século a Gregório de Matos. Aliás, nisso o santo poeta da catequese adotava o sistema de
compor das trovas indígenas, extremamente repetitivas, como as que foram recolhidas por Spix e Martius, Barbosa Rodrigues e
outros.
O "che çu ana ne cuhi/muiyui", em que "muiyui" se
repete nove vezes, é interessantíssimo. Sem se falar nas trovas indígenas traduzidas para o alemão, cite-se apenas um "exhibit"
que nos dá Barbosa Rodrigues:
"Ya munhan moracé
Mandu çarará
Que petuna rupi
Mandu çarará
Cuchima cha icó
Mandu çarará
Cha naan ten indé
Mandu çarará
Ayué toá re maan
Mandu çarará
Mahy taá re reçé
Mandu çarará
Che manu ce peá ne recare
Mandu çarará
Ce peá inti ne nacema
Mandu çarará
Çace catu ne peé pe
Mandu çarará
Outro jovem praxista, Antonio Carlos Cabral
(N.A.: Representação e Texto Brasileiro, in Supl. Literário d'O Estado, 21/agosto/1965), aponta Anchieta aos de sua geração como poeta que, "à luz de uma consideração lingüística, revelou uma face
pragmática que vem desconcertar certas idealizações. Veja-se (exemplifica) seu Santíssimo Sacramento, em que pão divino é
muito real, mata toda fome (carnal e mística), é comida, é manjar, é pão da glória. Prática da catequese na prática da linguagem
de sua área".
Não há o que estranhar no fato de Anchieta estar hoje na
familiaridade dos próprios jovens da poesia de vanguarda.
Primitivismo & Vanguarda - O primitivismo por ele praticado
já era uma forma de vanguarda.
Pelo despojamento total da cultura européia, tinha que ser por si
mesmo um récommencer à zero, recurso de que se servem ainda hoje, como em outras épocas, artistas e escritores para
quebrar a "fôrma" (com acento circunflexo) e iniciar nova forma livre de preconceitos do passado e de fórmulas obsoletas que já
não podem ter validade para a inteligência criadora.
Toda vez que é preciso instaurar uma nova posição, uma nova
vanguarda, apela-se para o primitivismo, que é sempre descomprometido, sempre inaugural. O neo-indianismo da Semana de Arte
Moderna não fez outra coisa. Pra se libertar de processos caducos recorreu ao ensinamento indígena ainda em flor. O Pai do
Mato e o Macunaíma de Mário de Andrade, o Cobra Norato de Raul Boop, o Caapora e A Outra Perna do
Sacy de Menotti, o Raça de Guilherme de Almeida (na sua parte índia), o Berimbau de Manuel Bandeira e meu
Cererê são as provas disso.
Cite-se especialmente o caso de Oswald de Andrade com a sua
antropofagia, com a "criancice" dos seus poemas.
"Tupi or not tupi" - reclama ele, num dos seus manifestos.
A frescura escondida na linguagem dos velhos papéis e a deliciosa
descrição do mundo primitivo feita pelos cronistas não haviam de contagiar a imaginação do nosso cordial antropófago,
ávido de "lirismo em folha"?
Porque de duas uma, dizia eu certa vez, ou se apela para o dado
virgem do contexto, em assunto de vanguarda, partindo-se de uma realidade nova pra se fazer o "novo" (realidade que não teve
ainda sua configuração na linguagem) no plano da poesia, ou se adota, pra começar de novo, o procedimento de Oswald, que partiu
do primitivo pra não laborar em dados já produzidos.
Foi o que fez Anchieta no seu apelo ao índio: um sábio entre
crianças grandes. Um humanista versadíssimo em letras clássicas praticando uma "criancice", ("enfantillage") talvez mais
genuína e ao certo mais fecunda que a de Oswald.
Tinha Anchieta que recommencer à zero, e assim agiu na
prática mesma da vida, tornando-se índio o mais que lhe foi dado ser, voltando da Universidade de Coimbra pra ser inocente na
selva em carne e osso e não apenas por atitude intelectual. Ao contrário do seu De Beata Virgine que foi escrito em alto
nível, em latim, na areia de Iperoig, o poema da "cordeirinha" falava a uma inocência saborosamente infantil, angélica. Anchieta
conseguia ser mais inocente que um homem adulto e culto o conseguisse. Só um milagre lhe explica esse regresso às fontes
bíblicas, à página branca da criação, ao in albis, como se não tivesse aprendido disciplinas clássicas severas e não raro
deformadoras.
E que dizer dos seus cateretês católicos?
"Se a coreografia indígena sobe à representação cristã (é uma
observação feliz de Jorge de Lima), é a própria Igreja que vai descer para dar na altura do índio. Cristo desceu
(N.A.: Posto isto em termos de Kierkegaard, se dirá: "para ajudar realmente um homem é necessário,
por certo, que se saiba mais do que ele; mas o indispensável, antes de tudo, é que se saiba o que ele sabe. Se não for assim,
nosso saber superior não lhe servirá de coisíssima alguma. E se insistirmos em fazer valer nossa ciência, não será senão por
vaidade e orgulho. De sorte que na realidade, ao invés de ajudá-lo, procuramos apenas fazer-nos admirados por ele". Pra
civilizar o índio era preciso ficar sendo índio o mais possível, regressar ao cinético-mágico e antropomórfico do primitivo. Foi
o que fez Anchieta), desceu até o bugre compreender. Jesus vive entre negros, índios e portugas,
fala com eles, vive com eles. Daí a camaradagem".
Outros poderiam ter deformado a alma do índio, menos Anchieta.
Outros teriam forçado a substituição do mundo mágico pelo católico, menos Anchieta. Outros teriam querido que o índio ficasse
letrado do dia pra noite, matando-lhe a inocência; menos Anchieta, que ficou índio e inocente quanto é inocente o índio.
No convívio dos curumins, estava ele num mundo poético total. Se
pra nós "a poesia é a infância que se encontra de novo", que dizer da infância indígena como estado de absoluta poesia?
O nosso "antropófago" do Modernismo chega a transcender no seu
manifesto este pequeno poema nheengatu:
Catiti Catiti
Imara Notiá
Notiá Imara
Ipeju
Mas Anchieta fez mais: aprendeu o tupi e escreveu ele próprio em
tupi. Rezou em tupi:
O Virgem Maria
Tupa cy etê
Aba pe ára pora
Oicô ende yabê
Antropófago espiritual - Anchieta, como é sabido, inventou
diálogos a que dava o nome de comédias.
O Canto dos Dez Meninos, escrito em tupi, Jesus na Festa
de São Lourenço, em tupi e espanhol, e notadamente autos, fazem parte de sua vária obra lírica, catequista.
Ainda agora se representa em São Paulo, no mesmo Pátio do Colégio
de quatro séculos atrás, um dos autos de Anchieta, o Na vila da Vitória (N.A.: A
representação teatral da obra de Anchieta por alunos do Curso de Arte Dramática fez parte do programa organizado este ano [1965]
pela Comissão Nacional presidida pelo Dr. Júlio de Mesquita Filho, para assinalar o transcurso do quarto centenário da morte do
imortal jesuíta. Falando sobre o critério adotado para a confecção da indumentária, o diretor da Escola de Arte Dramática,
Alfredo Mesquita - segundo uma notícia de jornal - disse ter levado em consideração quadros e documentos da época, embora não
tivesse havido uma fidelidade a rigor; tão somente uma idéia aproximada do que poderia ser. No tratamento das cores dos trajes,
procurou ele levantar aquelas mais populares, tendo em vista que as representações se destinam ao grande público. Assim, teve a
boa idéia de adotar as cores usadas pela pintora primitivista Djanira, em cuja obra se dá realce ao vermelho, vinho, azul, verde
e marrom.).
Em poesia, uma das suas composições mais belas pela ingenuidade e
singeleza, que chegam a ser surpreendentes sabendo-se escritas por um humanista de sua categoria, é Ao Santíssimo Sacramento.
Oh que pão, que comida,
Oh que divino manjar
Se nos dá no santo altar
cada dia.
.................................
Vinde pobres pecadores,
a "comer".
Que este manjar tudo gasta
porque é fogo gastador,
que, com seu divino ardor,
tudo abrasa.
Todo al é desatino
se não comer tal vianda
com que a alma sempre anda
satisfeita.
Dirigindo-se a Deus-homem, diz o poeta:
Para vosso amor plantar
Dentro em vosso coração
Achastes tal invenção
de manjar.
Oh que divino bocado
que tem todos os sabores.
E a sua meiga apologia do "comer" se torna mais meiga ainda nesta
estrofe:
Pois não vivo sem comer,
Como a vós em vós vivendo.
Vivo em vós, a vós comendo,
doce amor.
Notem-se as palavras que o canário
(N.E.: Anchieta era natural das Ilhas Canárias) usa: "comer", "comendo", "manjar", "comida",
"vianda", "bocado que tem todos os sabores" etc. O "vivo em vós, a vós comendo" não parece um caso de santa antropofagia?
Creio não ser pecado chamá-lo de suave "antropófago" (espiritual).
Se a "carne do irmão", para o antropófago do mato, visava, como
disse o francês, "l'amélioration de la race", porque o "comedor" adquiria "as virtudes do comido" numa espantosa comunhão
pelo sangue (hoje, uma transfusão é coisa parecida), Anchieta falava em "invenção de manjar", em "comida", em "vianda"
(saborosa), em "vos comer", para que os seus catecúmenos, entre os quais, e principalmente, os índios, comessem a hóstia que era
a carne de Cristo.
Só mesmo assim, falando em vianda e bocado gostoso, poderia o
taumaturgo convencer o selvagem que, por seu lado, pensava ser o batismo um ato de feitiçaria.
Atitude muito diferente da do austero Nóbrega que (ao que se diz)
achou que os bugres, quando comeram o bispo Sardinha, agiram como instrumento de Deus, "castigando-lhe justamente o descuido e
pouco zelo que tinha pela salvação do gentio".
Heresia? - Haverá quem estranhe: "você comete uma heresia.
Anchieta, antropófago?"
Explico-me:
O antropófago do mato julgava adquirir, como todo o mundo sabe, as
"virtudes" do "comido". Não lhe seria difícil, em vez, e graças aos gabos de Anchieta, comer a "vianda" que era a hóstia
(manjar) e com isso adquirir as forças sobrenaturais da carne de Cristo. Mas o canário ungido de Deus não se limitava a
substituir uma antropofagia por outra, a do "ritual" aborígine pela do "ritual" católico. Praticava, ele mesmo, por assim dizer,
a sua doce antropofagia espiritual que era transformar um homem em outro, ou seja, fazer do homem (o índio) um produto do
próprio homem (pela catequese).
Matéria prima - o homem; transformação - a catequese; produto, o
próprio homem ("deglutido") pela Igreja.
A tarefa não seria absurda, em ambiente mágico, sobrenatural, como
a do mundo primitivo. Os da terra já eram inocentes por lei natural; os que vinham de fora "largavam logo sua ruim natureza";
nasciam de novo, como na linguagem bíblica. A Anchieta não teria faltado essa compreensão.
Hoje se diz que "o homem é produto do próprio homem pelo
trabalho".
O apóstolo do Brasil, que praticou a santidade do trabalho
fabricando alpercatas como um simples operário e ensinando esse e outros ofícios ao bugre, ensinava também o homem a ser produto
de si mesmo por esforço próprio.
Conta mesmo a crônica daquela época que numa certa devassa contra
vadios o pessoal todo de Piratininga desfilou ante as autoridades, mostrando-lhes as "mãos calejadas". Mãos calejadas não teriam
faltado a Anchieta, operário lidando com fibras de gravatá pra calçar os de pé-no-chão, os "pés largos", os pés rapados.
No fim, Anchieta "comeu" espiritualmente Cunhambebe antes que este
o comesse em carne e osso, por sinal bem reduzida carne e singelíssimo osso do qual só resta o fêmur, que recentemente nos veio
de Roma como relíquia sagrada.
Outros cunhambebes, numerosas cunhãs e cunhatãs, em geral,
"comeram" a carne de Cristo, o "divino manjar" da hóstia, em vez de comer carne humana com sangue (seu vinho) e tudo o mais.
Morte do Bispo Sardinha,
imagem de autor anônimo, na História Geral do Brasil, de Varnhagen
Imagem: História do Brasil, ed. Folha de São Paulo,
S.Paulo/SP, 1997
Nosso primeiro indianista - Índio a mais não poder,
substituiu Anchieta a antropofagia selvagem pela espiritual.
Índio o quanto pôde ser no regresso de sua cultura à cultura
indígena, praticou um indianismo ao vivo, aplicado.
Mesmo literariamente se pode dizer que foi ele nosso primeiro
indianista.
Aludi às suas "estruturas repetidas", que se teriam baseado nos
pequenos poemas primitivos a que já se fez referência.
Em latim, português, castelhano e tupi ficaram fragmentos de suas
obras. Em vernáculo e em tupi, observa Afrânio Peixoto (N.A.: Primeiras Letras, p. 13), não podem ser esquecidas. As primeiras têm o mérito de serem as primeiras letras que possuímos, escritas no
Brasil, além das cartas políticas e históricas, de outro gênero literário.
As segundas, em língua indígena, realizaram não só a primazia
igual mas também a outra (são ainda palavras de Afrânio Peixoto) de serem instrumentos preciosos na educação dos nossos
aborígines.
O seu indianismo está em ter escrito poemas na própria língua do
índio. Mas - e é isto o que desejo frisar - não está só em ele ter escrito orações em tupi e sim em dois outros motivos: a) por
fazer do índio um tema de ficção; b) por tomá-lo como personagem dos seus autos.
O auto Nheenga Apiaba Avaré Joseph Anchieta (Fala Aos
Índios Pelo Padre José de Anchieta), no qual são personagens índios, anjos e demônios (N.A.:
Couto de Magalhães, O Selvagem, pág. 326), foi muitas vezes representado por meninos no
"pátio do Colégio", em São Paulo de Piratininga, tal como se fez este ano com Na Vila da Vitória.
Se algo há de estranho é que os historiadores literários, que
nunca negaram ser o autor de Santa Inês o nosso primeiro escritor, cronologicamente, não tenham feito alusão ao seu
evidente indianismo. Tão evidente que seu nome figura até, e isto alguns séculos depois, na Confederação dos Tamoios, de
Gonçalves de Magalhães, e no O Evangelho nas Selvas, de Fagundes Varela.
Fala-se hoje no indianismo de Gonçalves Dias, no de Junqueira
Freire, no de José de Alencar e, antes, no de Durão e Basílio da Gama.
E Anchieta?
Não terá sido muito mais indianista, sob certo aspecto, que todos
eles, porque soube "desintelectualizar-se" e ser singelo, nativo e puro como o próprio aborígine?
O fato me parece de suma importância, principalmente no sentido de
provar ou fazer lembrar que o indianismo brasileiro já está em nossas "primeiras letras".
Esta revelação, direi, do óbvio que ninguém tinha visto, foi
abonada por um crítico moderno do valor de Eduardo Portella (N.A.: in Jornal do Comércio, de
9 de junho de 1967), que assim se manifestou:
"Remontando à nossa origem literária, vai Cassiano Ricardo
encontrar em Anchieta o nosso primeiro indianista. É um achado importante pelo que tem de inédito e verdadeiro. Isto porque, na
realidade, os nossos historiadores literários que não vacilam em atribuir a Anchieta o lugar de primeiro escritor de nossa
literatura jamais mencionaram o caráter indianista de grande parte de sua obra".
E note-se, afinal: foi Anchieta o primeiro indianista do mundo
todo. Antes de Cooper e Chateaubriand.
Em síntese - A "redundância", que os "concretos" hoje vão
buscar em Gomringer e Gertrude Stein, já está em Anchieta e no modelo indígena de que ele se serviu tão amiúde.
Anchieta é de vanguarda sob todos os aspectos; não só porque o foi
como primeiro indianista de todos os tempos, senão porque ainda o é no apoio ao primitivismo que, como até hoje acontece, se
tornou um recurso pra "se começar de novo" em arte.
Não só por isso como porque a mais nova vanguarda de hoje, a
poesia praxis, a ele recorre pra justificar um processo, o das estruturas repetidas, que vem até João Cabral.
Os neo-indianistas de 1922 (Macunaíma, Antropofagia,
Cobra Norato, Cererê etc.) não fizeram mais que repetir Anchieta, em muitas passagens de sua obra primitivista.
Já no século XIX Gonçalves Dias e outros poetas praticam o seu
indianismo e o autor de I-Juca Pirama o faz com maior autenticidade que os outros, mas em linguagem aportuguesada, embora
salpicada de termos indígenas. Os demais, ou quase todos, vão buscar nos franceses e nos americanos um indianismo de
torna-viagem, num curiosíssimo caso de importação daquilo que já era nosso, o nosso indianismo nativo, vindo do original nu e
humano.
Fez mais que isso tudo Anchieta: escreveu em tupi, tomou o tupi
pra personagem dos seus autos, e aproveitou o tupi (corumin) para representá-los no pátio do Colégio. Despojou-se de sua
cultura, de sua erudição clássica, latina, pra praticar um indianismo direto, ao vivo, servindo-se da matéria-prima intacta,
lingüística, conteudística e literariamente.
Só não tinha sangue índio no corpo, como Gonçalves Dias; mas foi
talvez mais índio, no seu regresso ao primitivo, do que o grande cantor d'Os Timbiras.
Em qualquer hipótese, nosso primeiro indianista.
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