Edifício Verde Mar
Foto: Ernesto Papa, publicada com o texto
O tempo, o edifício e a memória
Gegê Leme
O tempo vai. Tece,
costura, deixa marcas. Constrói e destrói um sem-fim de "realidades circunstanciais", uma sequência de acontecimentos cujos primórdios nos são
obscuros e o futuro incerto.
Dado-nos é conhecer a história a partir de onde pudemos registrá-la pela palavra
escrita ou de outras formas de registro. Ela nos ensina nossas origens, mas sobretudo nos faz compreender, através de fragmentos de sua infinita
trajetória, quem somos como seres humanos.
Assim, a história é nossa memória. Faz a ponte entre o presente, o passado e o futuro,
nos integra à linha do tempo e à sociedade. A cidade surge como um modo de existência da sociedade, desenhada e redesenhada sob a ótica de cada
geração.
Por ocasião da inauguração da "Ilha de Conveniência", aproveitamos para remarcar um
momento da memória santista, valorizado num conjunto edificado a beira-mar, suficientemente conhecido pelos
moradores da cidade: o edifício Verde Mar, os abrigos de bonde e a praça da Fonte, no bairro do Boqueirão.
Falamos também do inspirador desse conjunto arquitetônico, o controvertido "arquiteto"
João Artacho Jurado, e de sua obra - que em meados do século XX gerou polêmica dentre os arquitetos e críticos no período de efervescência
modernista. Sem possuir o título de arquiteto, despertou reações por manter seu estilo e seu posicionamento independentes, seguindo seu próprio
ideário político e social em uma época de muita patrulha ideológica e, ainda assim, ser bem sucedido.
Arquiteto é aquele que pensa e produz o espaço habitado, não o detentor do título
universitário. Portanto aqui, Jurado é o arquiteto João Artacho Jurado, como tomamos a liberdade de tratá-lo, por ter perseguido tanto como seus
contemporâneos os caminhos do bem-estar no espaço urbano.
Desde o aspecto formal até serem marcos referenciais na paisagem, os edifícios de
Jurado apresentam uma visão urbana. Ela se inicia no pavimento térreo, de uso coletivo e múltiplo, estende-se na implantação do corpo edificado e na
sua relação com o entorno, para finalmente, nas coberturas-mirante, presentear o usuário com um cenário real: a urbe.
Conheçamos Artacho Jurado e suas obras em Santos como parte da história da cidade,
assim como conhecemos o Centro, o Porto, a Pinacoteca, o extinto Miramar e muitos outros. Artacho Jurado e suas
obras kitsch têm sobrevivido através de décadas. E, ao contrário de muitas expectativas, ainda hoje exercem fascínio sobre muitos confessos e
inconfessos admiradores.
Trazemos à luz este ilustre desconhecido e ganhamos assim, com o conjunto
arquitetônico formado pelo edifício Verde Mar, os abrigos de bonde e a praça da Fonte Vicente de Carvalho, mais um marco histórico e turístico da
cidade.
Cuidemos da qualidade de vida urbana, mais do que edificando freneticamente, cuidando
daquilo que já nos pertence.
Vista do Conjunto Paisagístico do Boqueirão, a partir da cobertura do Edifício Verde Mar
Foto: Ernesto Papa, publicada com o texto
Detalhe da vista do Conjunto Paisagístico do Boqueirão
Foto: Ernesto Papa, publicada com o texto |