DESPEDIDA - JORNALISMO PERDE HAMLETO ROSATO - Funcionário mais antigo de A Tribuna, o jornalista
Hamleto Rosato morreu às 4h20 de ontem, aos 94 anos, devido a complicações de uma insuficiência cardíaca. O enterro foi realizado também ontem no
Cemitério do Saboó. Amigos destacaram o profissionalismo e o caráter de Hamleto.
Foto: Davi Ribeiro, em 3/5/2006, publicada com a matéria, na
primeira página do jornal
ORGULHO - A Tribuninha foi a grande criação de Hamleto Rosato no
jornal. O suplemento era o maior orgulho de Tio Leto, como era conhecido |
ESPECIAL - Despedida
Adeus, Tio Leto, sentiremos saudades
Hamleto Rosato faleceu ontem, aos 94 anos, deixando em
luto a família A Tribuna
Stevens Standke e Jossé Luiz Araújo
Da Redação
Funcionário mais antigo do
Sistema A Tribuna de Comunicação (SAT), o jornalista Hamleto Luigi Pasquarelli Di Rosato faleceu às 4h20 de ontem, aos 94 anos, devido a
complicações de uma insuficiência cardíaca. Seu corpo foi velado na Santa Casa de Santos até as 16h30, com a presença de parentes, colegas de
trabalho e autoridades. Em seguida, foi levado ao Cemitério do Saboó, para ser enterrado na campa da família Pasquarelli.
Tio Leto, como ficou conhecido nos tempos de A Tribuninha, não temia a morte,
como revelou em entrevista publicada em 3 de fevereiro: "Por que vou ter medo de morrer? Apenas estou procurando acertar minhas contas direitinho,
para merecer mais regalias do que tenho aqui na Terra. Quero melhorar, quero subir".
Espírita, ele comentou, durante a comemoração dos 114 anos de A Tribuna, em 26 de
março, que em breve faria companhia a Roberto Mário Santini, que foi diretor-presidente do Sistema A Tribuna de Comunicação e faleceu em 2 de
janeiro de 2007. Dito e feito. Em julho, Hamleto começou sua batalha contra a insuficiência cardíaca. Depois de ficar um período internado, foi
liberado para continuar o tratamento em casa.
No fim de setembro, começou a ter crises de falta de ar, que o levaram novamente à
internação, no dia 30. Na última sexta-feira, precisou ser levado à UTI da Santa Casa. Na madrugada de ontem, faleceu devido aos reflexos do
problema cardíaco nos demais órgãos.
Grandes paixões - Companheira de Hamleto há 12 anos, Zilma de Souza Ares
aparentava tranqüilidade durante o velório - comportamento predominante entre as pessoas que foram até a Santa Casa dar adeus ao amigo. Segundo ela,
o jornalista, que não teve filhos, tinha "um fôlego fora de série" e sempre deixou claro o quanto amava o trabalho em A Tribuna.
"Ele era tão apaixonado pelo jornal que eu até sentia um pouco de ciúme. Era uma
dedicação em tempo integral. Chegou a fugir duas vezes do hospital para ir trabalhar. E guardava todos os documentos em sua sala, no 5º andar".
Um dos parentes mais próximos de Hamleto era seu afilhado, Júlio Hamleto Rosato, que
recebeu esse nome justamente em homenagem ao padrinho. Em suas lembranças, a característica marcante do jornalista era se preocupar sempre com quem
estava ao seu redor. "Ele era muito bom, se interessava pelos outros". A sobrinha, Elza Bittencourt Paiva, classifica o tio como um porto seguro.
"Podíamos contar com ele para tudo".
Muito emocionado, Milton Teixeira, chanceler da
Unisanta, lembrou da amizade de mais de 50 anos com Hamleto e de sua dedicação ao trabalho. "Ele sempre passava na universidade para conversar
comigo, mas não se demorava. Dizia que não podia chegar atrasado. A Cidade perde um homem que sempre lutou por ela".
Número |
5 coroas
de flores homenagearam Hamleto Rosato. Foram
enviadas por sua família, pelas famílias Santini e Teixeira, por funcionários de A Tribuna e pelo prefeito João Paulo Tavares Papa |
|
Despedida - Doze badaladas anunciaram a chegada do corpo de Hamleto Rosato ao
Cemitério do Saboó. A tarde estava fria e cinzenta, como a emoção das cerca de 30 pessoas que foram lhe dar adeus.
Não havia comoção, talvez por conta da espiritualidade do Tio Leto, para quem a vida
era um rito de passagem. No ar, uma tristeza respeitosa e a certeza de que ele fez valer cada momento. Foram enaltecidos seu patriotismo, civismo, a
lealdade, a paixão pelo jornalismo e por A Tribuna.
Junto ao jazigo, Hamleto foi homenageado com a voz de José Ferreira Júnior, que cantou
Creio em Ti, uma de suas músicas preferidas.
A cerimônia foi rápida e simples, mas carregada de significados. Gilberto Ruas, que
foi gerente comercial de A Tribuna e muito amigo de Hamleto, resumiu o sentimento de todos: "A Cidade perde uma parte viva da sua história".
A cerimônia rápida e simples foi marcada pela espiritualidade e por uma tristeza respeitosa.
Amigos enalteceram sua lealdade e espírito cívico
Foto: Walter Mello, publicada com a matéria
Um funcionário que se tornou amigo e conselheiro de todos
Uma pessoa querida, especial, que incorporou A Tribuna e a
Cidade em sua vida, e que jamais se afastou dos princípios básicos do bom jornalismo. Assim define a diretoria de A Tribuna, para quem
Hamleto Rosato foi mais do que um funcionário: foi amigo e conselheiro.
"Ele sempre teve muito orgulho de pertencer à família A
Tribuna. Tinha muita ligação com todos nós desde que começou no jornal e sua relação com o Roberto (Roberto Mário Santini, diretor-presidente
falecido em 2007) era de amizade e lealdade marcantes. Ele viu meus filhos crescerem e os tratou como filhos também", disse, de Roma, Regina
Clemente Santini, presidente do Conselho Diretor de A Tribuna.
Para os diretores do jornal e da TV, a ligação com Hamleto
remete aos tempos da infância, já que todos o conheceram ainda pequenos. Para eles, o jornalista foi sempre o Tio Leto.
"Meus primeiros contatos com o jornal foram através do Tio Leto.
Eu ficava em sua sala ouvindo suas histórias. O carinho que tínhamos por ele vinha da época do meu bisavô (Manuel Nascimento Jr./1909-1959), passou
pelo meu avô (Giusfredo Santini (1959-1990) e pelo meu pai. Para mim, ele será sempre o Tio Leto", lembra Marcos Clemente Santini,
diretor-presidente de A Tribuna, que esperava contar com a presença do tio no relançamento de A Tribuninha, em fase de projeto
editorial.
Idéias e idéias - Nem mesmo a idade avançada e os
problemas de saúde impediam o jornalista de expor suas opiniões, dar novas idéias e fazer suas exigências. "Sempre que nos encontrávamos ele vinha
analisar alguma coisa do jornal, discutir o que achava que devia ser melhorado. Vai ficar um grande vazio", disse, com tristeza, o
diretor-presidente da TV Tribuna, Roberto Clemente Santini.
"Sua sala era um santuário dentro do jornal. Ali ele recebia as
mensagens espirituais, seus amigos, os colegas de trabalho e até leitores que viam nele um símbolo de Santos e do jornalismo local", completa
Roberto.
Na memória de Flávia Clemente Santini, diretora de Circulação,
que também passou a infância convivendo com aquela figura sempre presente na Redação, a imagem que vai ficar é de um funcionário leal e cheio de
bons sentimentos. "Me chamava atenção ele vir sempre impecável, de terno e gravata. Dizia que um bom repórter deve estar sempre pronto para a
entrevista, fosse ela com uma pessoa simples ou com uma autoridade".
Desenhos - "Até hoje ele tem desenhos meus guardados na
sua sala. Tenho dele a imagem de uma pessoa bem humorada, sempre disposta ao trabalho. E impecável na aparência, sempre muito impecável".
Para Renata Santini Cypriano, diretora de Marketing, o
exemplo que fica é de alguém que vivia o jornalismo de forma intensa e apaixonada. E de alguém que sabia usar o jornalismo em benefício da
comunidade.
Roberto Antônio da Costa, diretor administrativo, conviveu com
Hamleto em diversas fases de A Tribuna, e lembra que sua vida na empresa começou pelo parque gráfico, como auxiliar de mecânico.
"Dificilmente encontramos um funcionário tão leal. Ele soube
conquistar seu espaço, sua credibilidade, o respeito de todos. Deixa um vácuo muito grande no quadro de A Tribuna. Era uma referência do
jornal e do próprio desenvolvimento da região".
A antiga máquina de escrever o acompanhou nas últimas reportagens
Foto: Luigi Bongiovanni, publicada com a matéria
Na sala do quinto andar de A Tribuna, ele escrevia e se concentrava para receber mensagens
espirituais
Foto: Luigi Bongiovanni, publicada com a
matéria
EMPENHO
Uma vida de amor ao jornal
Desde criança, o futuro jornalista já se dedicava ao
trabalho com seriedade e paixão
Rosilene Flud
Da Pesquisa
Hamleto Luigi Pasquarelli Di Rosato nasceu em Uberaba, Minas
Gerais, em 20 de junho de 1914. Um dos oito filhos do alfaiate Casemiro Di Rosato e de Thereza Pasquarelli Di Rosato, veio menino para Santos, e com
11 anos começou a trabalhar em A Tribuna, onde permaneceu e teve a oportunidade de acompanhar as quatro gerações da família Santini, que
dirige o Sistema A Tribuna de Comunicação (SAT).
A relação de amizade entre Hamleto e a diretoria da casa sempre
foi destacada com orgulho pelo jornalista, que teve em A Tribuna o seu primeiro e único emprego.
Durante entrevista concedida ao caderno especial em comemoração
aos 110 anos do jornal, Hamleto revelou ser um apaixonado pela profissão, à qual dedicou-se quase que exclusivamente. "Me casei com A Tribuna.
O jornal foi meu primeiro amor, que permanece até hoje".
Coringa - Começar a trabalhar ainda menino não o impediu
de continuar os estudos no Colégio Tarquínio Silva. Conciliou a escola com o trabalho noturno na oficina rotativa
do jornal. Três anos depois, estava na revisão, função hoje extinta nas redações. A convite do diretor Nascimento Jr., foi transferido para a
redação, sob o comando do redator-chefe Otávio Veiga, o Veiguinha, como Hamleto e demais colegas o chamavam.
No início de carreira, fez de tudo um pouco. Era um tipo de
repórter-coringa, como ele mesmo se definia. Passou, entre outras, pelas editorias de Polícia, Esportes e Sindical.
Na reportagem, também ficou conhecido por realizar campanhas
beneficentes, entre elas a criação da Casa da Criança, uma das maiores obras em benefício de menores desamparados, em
todo País. A casa foi erguida em Praia Grande, na década de 60.
Escritor - Além de repórter, redator, editor e
articulista, Hamleto Rosato publicou os livros Itinerário Lírico (crônicas) e Aventuras de Patolo e Patilda
(infantil), e psicografou livros como Gotas de Luz, Mensagens de Sempre, Mensagens de Cada Dia, Mensagens e Mensagens
do Dia. Nesses últimos, transcrevia mensagens enviadas pelos poetas Umberto de Campos, Cassimiro Cunha e Leonardo di Rosato, seu primeiro irmão,
que morreu aos 16 anos.
Mensagens do Dia, uma coletânea de 365 mensagens
psicografadas, surgiu em 1977. Os textos eram publicados diariamente nas páginas de A Tribuna, e, devido ao sucesso da edição, em 1988
ocorreu um relançamento, que foi chamado Mensagens nº 2, com renda revertida para entidades filantrópicas da região.
Mensagens nº 3 foi editado em 1994 e lançado na Sociedade
Humanitária; em 2002, a Universidade Santa Cecília (Unisanta) foi responsável pela quarta edição da obra.
Sobre seus livros, o escritor dizia sempre que gostava de tocar
o coração das pessoas com pensamentos psicografados: "Acendo um incenso, me concentro e começo a escrever. Não são mensagens somente para os
espíritas, mas para pessoas de todas as religiões, pois falam de amor fraternal, que é um sentimento universal. Sei que servirão para alguém em
algum ponto da vida".
Hamleto também respondia pela coluna diária A Tribuna nos
Anos 60, um resumo do noticiário no período, acrescido de fatos e curiosidades que, embora não estivessem retratadas no jornal da época, eram
fruto de sua própria memória.
Na sala do quinto andar de A Tribuna, ele escrevia e se concentrava para receber mensagens
espirituais
Foto: Luigi Bongiovanni, publicada com a
matéria
Ligação estreita com a Sociedade Humanitária
Pelos mais de 60 anos dedicados à Sociedade Humanitária dos
Empregados no Comércio de Santos, Hamleto Rosato foi homenageado, em junho de 2005, como o sócio mais antigo da entidade.
O colunista ingressou na Humanitária em 1938, tornando-se sócio
remido em 1947. Quatro meses depois, recebeu o título de sócio benemérito em razão de uma história que ele fazia questão de não esquecer: quando a
entidade passava por tempos difíceis, por causa de uma dívida, Hamleto foi um dos que a ajudaram, solicitando aos empresários que colaborassem.
Dessa forma, a sociedade conseguiu liquidar a dívida.
Em 1955, o jornalista foi eleito conselheiro, pela primeira vez.
Já em 1994, ocupou o cargo de presidente do Conselho Deliberativo, sendo reeleito em 2000. Para o presidente da Humanitária, Pedro Mahfuz, a
homenagem foi merecida, pois Hamleto era querido e estimado.
Além de incentivar professores e alunos, ele dava palestras em escolas
Foto: arquivo, publicada com a matéria
A Tribuninha era seu maior orgulho
De todas as suas iniciativas no jornal, indiscutivelmente o nome
Hamleto Rosato ficou associado ao suplemento A Tribuninha, do qual foi editor durante 32 anos (1960 a 1992).
O primeiro número saiu em 24 de agosto de 1960, sob sua edição.
Tinha quatro páginas e uma linha voltada ao público infanto-juvenil. Chegava às bancas todas as quartas-feiras.
A Tribuninha foi idealizada, segundo Hamleto, como forma
de homenagear o diretor de A Tribuna, Nascimento Júnior, que ficou à frente do jornal de 1909 a 1959 e sempre quis publicar um suplemento
exclusivo para as crianças.
Em pouco tempo, o suplemento passou a circular nas salas de aula
das escolas de toda a região. E Hamleto tornou-se popular entre a comunidade estudantil, recebendo o apelido carinhoso de Tio Leto.
Quando era reconhecido na rua e cumprimentado por um juiz, um
médico ou outro profissional que foi leitor ou colaborador de A Tribuninha, não escondia as lágrimas. "Sou emotivo e algumas vezes choro
mesmo", conversava entre amigos.
Sua outra maior satisfação era saber que A Tribuninha foi
o primeiro jornal infanto-juvenil da América Latina, e que realizou diversas campanhas e concursos. Criado na década de 70, o Professor do Ano foi o
concurso que mais resistiu ao tempo, durando 10 anos.
O prazer em fazer um jornal para estudantes se irradiava no
semblante de Hamleto e na sala que ocupava no 5º andar da sede do jornal. Nas paredes estavam as flâmulas, cartões de prata e outras homenagens que
recebeu.
Em 5 de julho de 1980, Hamleto recebeu, das mãos do
diretor-presidente de A Tribuna, Giusfredo Santini, Medalha de Honra ao Mérito, outorgada pela Câmara de Santos. Durante a solenidade,
ofereceu a homenagem a todos que o apoiaram, particularmente os companheiros do jornal e o professorado, e concluiu fazendo uma defesa da autonomia
política de Santos.
"Estou muito feliz por receber esta medalha numa casa de homens
eleitos diretamente por nós, o povo. Por que não temos a liberdade de escolher os homens que nos dirigem?", indagou. "O primeiro direito do homem é
o direito ao pão; o segundo, é o da liberdade", salientou.
Em junho de 1971, autografando o livro Mensagens de Sempre
Foto: arquivo, publicada com a matéria
Em maio de 1978, como redator responsável por A Tribuninha
Foto: arquivo, publicada com a matéria
Em agosto de 80, recebendo medalha das mãos de Giusfredo Santini
Foto: arquivo, publicada com a matéria
Em 2008, em sua sala, onde trabalhou até dias antes de morrer
Foto: arquivo, publicada com a matéria |