Durante entrevista em seu ateliê, em São Vicente,
Hamen contou histórias de sua vida, passada na região
Foto: Marcelo Justo, publicada com essa legenda e a matéria
EXPOSIÇÃO
Luiz Hamen comemora e se despede
Mostra que começa amanhã marca os 50 anos de pintura do artista, que quer se mudar
para o Espírito Santo
Fernanda Mello
Da redação
Sentado numa poltrona de seu amplo ateliê, cujas paredes estão
cobertas por telas coloridas, Luiz Hamen fala sobre os seus 50 anos de pintura. Aos 78 anos, o santista faz uma viagem de volta a 1957, quando o
pintor Gerson Charleux mudou-se para a casa em frente à dos Hamen, e uma retrospectiva de seus quase 28.570 dias de vida, repassados, quase que
diariamente, em um caderninho.
Há 50 anos, Hamen era mais um trabalhador do Porto de Santos,
casado com Maria e pai de Lena e Luiz. Naquela época, com 20 e poucos anos, nem desconfiava que o carvão, que usava para acionar a locomotiva a
vapor, logo teria uma nova função em sua vida. "Eu era um operário pateta e não queria mais aquilo para mim".
Foi aí que Gerson Charleux tornou-se vizinho da família. E quando o artista saía com seu
cavalete, para pintar ao ar livre, o novato ia atrás. "Percebi que era muito fácil. Ele olhava para a paisagem e, com o carvão, desenhava o que via.
Então, comecei a pintar sozinho", lembra Hamen, que, nas décadas de 50 e 60, freqüentou um curso "baratinho" do Clube de Arte, na
Av. Ana Costa, perto do Centro Espanhol.
O que ele não sabia é que, ao matricular-se, estava entrando para o Centro de Cultura
Popular do Partido Comunista. "Eu não tinha doutrina política e fui cooptado. Era um momento em que a Cidade fervilhava, e chegou a ser conhecida
como a Moscou brasileira".
Imbuído da missão de guardar material bélico e desenhar estratégias - o que, para um pintor,
era muito fácil -, Hamen tinha também que arrebanhar mais algumas pessoas para o trabalho. Para isso, abriu o jogo com alguns candidatos, que se
recusaram alegando que tinham família. "Foi aí que percebi que este também era meu caso. Meu idealismo era verdadeiro".
Luiz Hamen até pensou em fugir para a Bahia, com medo que sua ligação com o PC chegasse à
polícia, e ele acabasse sendo torturado em um porão da Conselheiro Nébias - o que já havia acontecido com um
amigo seu. Em desespero, tentou se matar, ingerindo comprimidos com álcool, atirando-se na frente de um caminhão e, depois, tomando ácido sulfúrico,
o mesmo que usava para fazer gravuras em metal.
Ficou em coma na Santa Casa e chegou a receber a
extrema-unção. "Foi depois disso que consegui resgatar a mim mesmo, e me desligar do carma de minha família: quando tinha 5 anos, meu pai se matou
bebendo soda cáustica".
Com a traquéia e o esôfago queimados pelo ácido, Hamen deu a sorte de cair nas mãos de um
jovem cirurgião plástico que teve a ousadia de experimentar uma plástica para reconstituir o seu aparelho digestivo, usando uma pequena parte da
pele do pênis.
O médico era o santista Ewaldo Bolivar, que se tornou seu bom amigo. "Já o agradeci muitas
vezes por isso".
Frase |
"Embora tenha quadros em coleções particulares pelo Brasil e no exterior, foi aqui que passei estes 50
anos, vivendo meu sonho de pintor"
|
Luiz Hamen, pintor
|
Tela em branco - Assim Luiz Hamen recebeu uma nova tela em branco, para pintar sua
vida com outras cores. E o fez. Passada a recuperação - ficou um ano sem falar e outros cinco alimentando-se através de uma sonda -, ele se tornou
professor de pintura e abriu um ateliê na Avenida Afonso Pena, conhecido como a Casa Preta, que ficou famoso no
meio cultural da Cidade.
Na década de 80, foi morar numa casa da Prainha, em São Vicente,
que havia pertencido ao escritor e poeta Menotti Del Picchia; depois mudou-se para a casa ao lado, onde vive até hoje. Lá, criou um movimento
chamado Paranapuan das Artes, parecido com o Embu das Artes.
"Reunia sempre um grande número de artistas jovens e promovia exposições, mas o grupo não
avançou por falta de apoio". Também deu aula de artes para crianças do bairro.
Agora em uma fase mais sossegada, o pintor abre amanhã, às 20h30, na casa-ateliê, com vista
para a Ponte Pênsil, a exposição Luiz Hamen - 50 Anos de Pintura. Seu objetivo é construir uma casa no
Espírito Santo e viver em uma comunidade formada por 20 pessoas, praticantes dos Passes Mágicos, uma prática energética ligada ao xamanismo.
"Esta exposição tem a finalidade de comemorar 50 anos de
pintura, reinaugurar a casa, que foi reformada, e me despedir deste lugar que nos abrigou por 27 anos", diz, querendo partir para novas aventuras,
ou, como é mais adequado para um pintor, estar à frente de uma tela em branco, e nela desenhar como bem quiser. Sem nenhum remorso ou apego, vai
deixar o santuário onde vive. "A distância e o tempo não existem. É quando nos desapegamos que realmente temos as coisas. Nascemos sem nada mesmo.
Quantas civilizações e impérios existiram... e o que ficou deles?", pergunta, da poltrona de seu ateliê.
Serviço - A exposição 50 anos de Pintura ficará
aberta de amanhã, às 20h30, até dia 20, das 14 às 18 horas. O ateliê de Luiz Hamen fica na Av. Eng. Saturnino de Brito, 862, em São Vicente. |