Não costumo falar de mim mesmo, na certeza de que tais palavras só podem interessar aos que me conhecem. Desta vez, porém, sou levado a dizer que eu, espírito sem pautas,
adquiri no passado um hábito que me tem acompanhado através da existência. É o de ler pouco, mas fazer incessantemente que os outros leiam. Graças a essa preocupação, não tenho biblioteca, nem mesmo estante. Os livros andam por cima das mesas e
logo desaparecem de minha casa, por dois motivos: 1) porque se são bons, tenho sempre uma pessoa em vista que poderá apreciá-los melhor do que eu; 2) se são ruins, não interessam a ninguém, nem mesmo a mim.
Outro tanto se dá com jornais e revistas. Há, porém, uma ligeira diferença. Se o livro bom se enquadra logo nas cogitações de um amigo, ou simples conhecido, o mesmo não se dá com as publicações periódicas que, em
princípio, pelo preço e difusão, devem ser conhecidas pelas pessoas habituadas à leitura. Oferecer esses jornais e revistas a pessoas conhecidas, que vivem mais ou menos no nosso meio, seria inútil.
Então - isto eu faço há muitos anos - remeto essas publicações a pessoas que, nas mais das vezes, não conheço. Com o tempo, essa obra individual de divulgação de cultura se foi aperfeiçoando. Colho endereços nos
jornaizinhos de localidades remotas e, sem mais nem menos, descarrego sobre essas pessoas uma volumosa correspondência impressa.
Seria curioso observar o pasmo dos destinatários, o interesse por eles manifestado por esses jornais que lhes são remetidos da Capital, com artigos assinalados, e o proveito que tal obra possa ter produzido ao
longo dos anos.
Há tempos, contei este processo numa revista de estudantes.
Uns conhecidos informaram-me de que iam adotar o sistema de vulgarização literária. Não sei se mantiveram o propósito em tão boa hora tomado...
Há pouco, no entanto, tive uma grande satisfação ao ler, nos jornais do Rio de Janeiro, o início da "campanha do jornal lido". Não se trata de coisa nova e ninguém diga que escrevo esta crônica para gritar aos
meus amigos da Capital Federal: "Eu já era". Não, senhores. Basta dizer que durante a guerra de 1914-18, muitos diários europeus traziam o seguinte apelo em caracteres bem visíveis: "Depois de ler este jornal enderece-o a um soldado na linha de
frente. Não paga porte".
Muitas coisas que a guerra ensinou são utilizadas ainda hoje; essa, tão bonita, poderia ser continuada depois do último tiro de canhão, até mesmo em benefício da paz, que é feita das alegrias da cultura e da
abastança produzida pelo trabalho.
Se no mundo inteiro a vulgarização da leitura por esse meio pode produzir benefícios, muito mais proveitosa será, com certeza, neste vasto Brasil, onde a imprensa, em todas as suas manifestações, tem de lutar
terrivelmente com as distâncias, não raro com a deficiência, o preço e a morosidade dos transportes. Como é natural, há grandes massas de população sem o hábito ou mesmo a possibilidade da leitura. A assinatura de uma publicação, muitas vezes,
custa mais do que um desses homens gasta consigo durante o mês.
Não creio, porém, que "a campanha do jornal lido" se desenvolva. É uma obra toda individual, que prescinde de escritório, diretoria, orador oficial e vogais. O seu expediente, quando muito, constará de um apelo às
pessoas de boa vontade que os periódicos, profundamente interessados na campanha, publicarão nos dias de poucos anúncios, como "calhau". nada mais. Ora, uma instituição desse naipe não traz grandes probabilidades de êxito. Seremos sempre uns poucos
a remeter impressos para "o leitor desconhecido". Mas fica-nos a satisfação do dever cumprido e a alegria de podermos lançar este convite:
- Quem gostar da lembrança, que faça como nós!