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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - A.Schmidt
O jornalista Affonso Schmidt, na Folha - 05

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Affonso Schmidt foi também colaborador do jornal paulistano Folha da Manhã, (que daria origem ao jornal Folha de São Paulo e ao grupo homônimo. Na edição de sábado, 15 de janeiro de 1938, página 6, foi publicado este texto do escritor (acervo Folha - acesso em 9/4/2016 - ortografia atualizada nesta transcrição):

Imagem: reprodução parcial da pagina com a matéria

O livro sincronizado

(Copyright da Imprensa Brasileira Reunida Ltda. (I.B.R.) - Exclusividade para a "Folha da Manhã" no Estado de S. Paulo)

Afonso Schmidt

Parece-me que o livro, na sua parte material, está em vias de uma grande transformação. Diversos fatores estão se reunindo e trabalhando para isso. E o primeiro desses fatores, sem dúvida o mais importante, é o econômico.

Como se pode observar, o livro já se desviou da sua missão histórica, que era a de reunir e guardar de modo mais ou menos duradouro a emoção artística, o pensamento filosófico ou o conhecimento científico. Com o decorrer do tempo e a inquietação da vida atual, ele perdeu esse caráter definitivo, tornou-se efêmero, oportuno, cambiante e corriqueiro, fazendo concorrência ao jornal.

Então, observou-se um aspecto interessante: o livro, geralmente, contém menor quantidade de matéria que o jornal: não raro, a sua confecção é mais barata que a de um diário. No entanto, o jornal a gente compra com um níquel, ao passo que para comprar um livro temos de dispor de alguns mil réis.

Agravando a situação, aí está o encarecimento do livro, não se sabe muito bem por que, talvez exatamente pelo seu custo. É o círculo vicioso. O livro é caro porque tem pouca tiragem; tem pouca tiragem porque é caro... Embalde, os editores inscrevem nas capas legendas como esta: "85ª edição". Isso nada significa, pois ainda há pouco, num congresso de editores, realizado em Paris, ficou estabelecido em ata que "cada milheiro deverá ser pelo menos de 500 exemplares"...

Outro argumento é este: o jornal tem publicidade paga, o livro não tem. Mas isso é uma coisa muito relativa. O livro com anúncios fora do texto já fez a sua tentativa, mas não alcançou êxito. Os anúncios intercalados no texto são coisa velha, mas nem por isso enriqueceram ninguém. Há cerca de um século, os romancistas populares de Paris levavam as suas personagens ao "Café Anglais", ao "moulin Rouge", ao "Chat-que-fume"... Daí o conhecimento universal dessas casas, que se entendiam de um modo particular com os escritores de folhetins...

Pelo mesmo motivo é que, no tempo em que os escritores portugueses tinham muita coisa de novo a dizer-nos, nós sabíamos correntemente da existência do Chiado, dos armazéns Grindella e da casa "A Brasileira". Pura publicidade.

Haverá, portanto, notáveis modificações no livro, num futuro muito próximo. Caso isso não se dê, o livro poderá desaparecer no jornal, como por sua vez o jornal poderá ser absorvido pelo rádio.

Mas que transformação será essa?

É difícil predizê-la.

Anda no ar um processo que poderá conciliar perfeitamente nossa preguiça de ler, a nossa falta de vista, a nossa carência de tempo - com a necessidade absoluta das emoções da leitura. Sim, porque para o nosso século o livro é um artigo de primeira necessidade. Esse processo consistirá um dia em oferecer ao público o livro falado - talvez mesmo sincronizado... - por meio de discos. Se isso se der, ninguém mais irá a uma livraria comprar, por exemplo, "o Intendente do Ouro", do sr. Amadeu de Queiroz. Irá, sim, a uma casa de discos e, antes de adquirir a obra, inteirar-se-á do diretor que a montou, do "speaker" que a leu, do "cast" que se encarregou dos diálogos etc.

Quem observar as coisas, compreenderá que nem tudo ainda se encontra por fazer nesse terreno, desde que o rádio iniciou os seus folhetins diários e a gente já pode seguir novelas lidas ao microfone, como antigamente se fazia nos compactos rodapés dos [qu......es] (N. E.: ilegível).

Tem-se mesmo o direito de supor que a revolução do livro não parará aí: pouco mais adiante, teremos a televisão a serviço da literatura. As obras serão "representadas", talvez mesmo com um fundo musical, pois estamos em pleno século da música e as novas gerações vivem naturalmente dentro dela como dentro da atmosfera. Não poderão deixar de ouvir música, como não podem deixar de respirar, mas farão isso naturalmente, sem se aperceber de que sem uma coisa ou outra morreriam...

Estamos, pois, assistindo aos últimos esforços que o livro de Guttemberg faz para subsistir; e se isto for verdade, na outra metade deste século as bibliotecas serão transformadas em museus, onde os nossos livros de hoje serão manuseados com respeito como nós fazemos com os papiros da época faraônica, ou os cilindros de pergaminhos romanos...

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