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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - A.Schmidt
O jornalista Affonso Schmidt, no Estadão - 04

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Durante muitos anos, o escritor Affonso Schmidt foi também jornalista no jornal paulistano O Estado de São Paulo, onde publicou reportagens, crônicas e até livros inteiros. Esta contribuição foi publicada na página 5 da edição de 6 de janeiro de 1931 (material no Acervo Estadão - ortografia atualizada nesta transcrição):

Imagem: reprodução parcial da pagina com a matéria

Elogio da vida ao ar livre

A leitura mais agradável para estes dias de excessivo calor é a das obras sobre nudismo. Compreende-se. Passar os dias em traje de Adão num bosque florido, cheio de murmúrio de águas, sussurros de folhagens agitadas pelo vento e graminadas de passarinhos é uma nobre ambição, por mais que os ranhetas digam o contrário. Nestes dias tórridos, então, é que mais se sente o quanto de extraviados andamos do bom senso e da higiene no que diz respeito a roupas.

Ainda agora tivemos um domingo que seria esplêndido se não fora a tortura imposta por hábitos herdados e aceitos por grande parte da humanidade. Dizemos grande parte porque, de acordo com uma estatística publicada pelo ministério da Agricultura da América do Norte, apenas 500 milhões de homens se vestem completamente, como nós outros; 750 milhões se contentam com uma simples tanga e 250 milhões andam inteiramente nus, por onde se vê que nós, os "vestidos", não podemos invocar a nosso favor nem ao menos a desculpa de sermos a maioria.

Também não seguimos o hábito mais antigo, porque o homem nu é anterior ao homem vestido. E, para completar este pensamento, adiantamos que o pudor subentendido geralmente pelas vestes não é sentimento inato, visto que as crianças só chegam a senti-lo depois de longa educação. Ainda mais, as raças que não se vestem experimentam à presença da indumentária o mesmo sentimento de vergonha que um homem de civilização "vestida" manifesta ao ser apanhado em flagrante de nudez.

Há um pudor para a China e outro para a Turquia, um para o Japão e outro para a América do Norte. Melhor: em nossa terra, como em quase todas as outras, há um pudor para o salão e outro para as praias.

Esse domingo, que seria delicioso com qualquer outra civilização, teve horas em que bem se poderia frigir ovos sobre o asfalto e, justamente nesses momentos, a população transitava pelas ruas embonecada em seus trajes de brim ou de casimira, e as senhoras que sofreram o inverno de saias curtas apareciam agora no verão ardente de longas saias pelos artelhos, por onde se conclui que o velho hábito da vestimenta não tem ao menos a justificativa de ser uma defesa contra as inclemências da temperatura.

A opinião mais corrente é a de que esta última moda de saias compridas teve origem na necessidade em que se encontram as grandes fábricas de tecidos, que constituem os diversos "trusts" nacionais da Europa, de dar escoamento aos estoques paralisados em virtude da diminuição do poder aquisitivo das populações empobrecidas. Só na Itália, ao que se escreve, os primeiros três meses de saias compridas produziram um excesso de quatro milhões de liras sobre igual trimestre do ano anterior.

A verdade, porém, é que nesta campanha das saias compridas há muito de resistência contra o nudismo que nos últimos tempos se vai infiltrando pela Europa e América do Norte. Em todos os países civilizados do Velho Mundo há formosos oásis nos quais vive feliz uma população que se rebelou inteira ou em parte contra "o hábito imoral de cobrir a nudez com pedaços de pano". Há também grandes sanatórios destinados ao tratamento pela vida natural e pelo silêncio. E, tanto em Paris como em Berlim e Moscou, publicam-se importantes revistas destinadas a propagar as vantagens da vida integral.

Até há pouco, como os outros apóstolos, os da vida natural eram perseguidos. Muitas pessoas ainda se lembrarão de ter lido telegramas na imprensa falando de diligências policiais nos bosques da Alemanha, Suíça, França, Itália e outras terras, nas quais eram presos dezenas de homens, mulheres e crianças que se haviam insurgido contra a vida dos centros urbanos, mergulhando nas disciplinadas florestas desses países, para viverem de acordo com as sábias leis da natureza. Em poucos anos a ideia venceu, tornou-se "legal" e o mundo já está cheio de núcleos de pessoas que vivem e trabalham inteiramente expostas ao ar e ao sol.

A primeira impressão ao escutar estas coisas é má, pois todos nós, para compreendermos a volta à natureza, temos de romper com formas de pensamentos já esclerosados, que datam de milhares de anos. O caso, porém, é que um erro, por mais velho que fique, dificilmente chegará a ser verdade.

"Não se deve dar crédito às campanhas movidas contra o nudismo – escreve o dr. Marcel Viard, de Paris – quando as pessoas interessadas agem de 'parti pris', a cavaleiro da sua imaginação, quase sempre delirante, de sectários e de místicos, em nome de uma moral que elas próprias não podem definir, e também do pudor, reconhecido por todos os psicólogos e por todos os educadores como um preconceito muitas vezes perigoso".

O crescimento do corpo nu ao ar livre, segundo Rollier, no seu livro 'L'Ecole au Soleil', desenvolve também as qualidades viris: vontade, coragem, energia, audácia, sangue frio, tenacidade, que são inseparáveis de todo esforço físico continuado. Ele oferece também outra vantagem: modifica progressivamente a mentalidade dos jovens, afastando-os de certas distrações pouco salutares como os 'music-halls' e os cafés, por exemplo. Os adeptos desta cultura física ao ar livre reconhecem que perdem o hábito dos álcoois, do café e muitas vezes do tabaco, e em breve de todos os excitantes fictícios que acabam por estragar o sistema nervoso, pondo-o num contínuo estado de tensão. Eles encontram nos banhos de ar e de sol os melhores excitantes naturais que, em lugar de esgotar o organismo pela sua continuação, o tonificam e reconstituem,regeneram as suas forças à proporção que elas são dispensadas".

Dizia São Paulo que para as almas puras todas as coisas são puras. Só os corrompidos poderão achar que a nudez, por si mesma, é pornográfica. Invoca-se embalde o pudor para justificar a vestimenta, mas esse pudor é relativo e varia com a moda. Ninguém quererá, portanto, assentar a sua moral sobre tão frágeis alicerces. Pascal chegava mesmo a dizer que a moral é uma questão de latitude, o que, sem dúvida, é uma afirmação de muito maior responsabilidade. Em resumo: o que é útil é moral e a nudez é mais do que útil, é o estado natural do homem.

O público deve desculpar este pedaço de propaganda nudista. Escrevendo-o, não tivemos intenção de levar os leitores a se despirem, o que seria uma questão policial. Queremos apenas revidar de algum modo ao calor senegalesco destes últimos dias…

Affonso Schmidt

Imagem: reprodução parcial da pagina com a matéria

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