CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA -
A.Schmidt
Outros destaques na imprensa
Afonso Schmidt foi em diversas ocasiões destacado na imprensa
nacional. Como em 1967, quando Herculano Pires, em sua coluna Sabatina Literária, publicada em 22 de julho de 1967 no jornal paulistano Diário
da Noite (página 4 - 2º caderno), registrou:
Reprodução parcial de página do Diário da Noite
de 22/7/1967
Imagem cedida a Novo Milênio em 19/3/2008 por Aldo Schmidt
As dimensões de Afonso Schmidt
Afonso Schmidt morreu
como presidente do frustrado Sindicato dos Escritores, de que eu era vice-presidente. Foi em princípios de abril de 64, na hora em que o
sindicalismo brasileiro desaparecia sob coronhadas, intervenções e prisões. O sonho de um organismo profissional, mais eficiente para a defesa e o
amparo da classe nascente, era tragado na voragem dos acontecimentos. Não havia mais clima para se tratar do assunto. Mas o sindicato natimorto
serviu para dar a Schmidt a possibilidade de morrer na trincheira. Ele tombou na hora certa, defendendo a literatura, os escritores, a cultura.
A homenagem que o Clube do Livro e a União Brasileira de Escritores lhe prestaram
agora, inaugurando o seu retrato no auditório da última, vale por um lembrete a todos os que militam no campo das letras. Afonso Schmidt foi sempre
um injustiçado. Deram-lhe prêmios, numerosos prêmios, mas jamais lhe deram a recompensa merecida. Seus muitos livros foram editados e traduzidos,
mas renderam tão pouco que não lhe permitiram sequer deixar amparada a filhinha caçula. Até agora, nenhuma das nossas editoras se lembrou da edição
de suas obras completas. E os seus companheiros de ofício também não se lembram da necessidade de um reconhecimento do valor e da significação dessa
obra.
Como Schmidt não foi um inovador, nem sequer participando da Semana de Arte Moderna,
muito menos se importando com os modismos daqui ou de além-mar, estabeleceu-se que a sua obra era apenas popularesca, sem maior importância
estética. Mas a verdade é que um escritor não pode ser medido pelas convenções da moda e nem mesmo pelas fitas métricas do esteticismo. Muito mais
que a contribuição estética, temos de considerar na obra de um escritor as suas dimensões humanas. Já é tempo de compreendermos isso e abandonarmos
o critério arbitrário e pedante que divide o mundo das letras em nobres e plebeus. Uma das funções do sindicato seria precisamente essa: estimular o
profissionalismo incipiente e democratizar o conceito de escritor.
A obra de Afonso Schmidt aí está, como um patrimônio da literatura brasileira. Suas
dimensões não são as da estética literária, mas as dimensões humanas que o tempo não diminui. Da primeira à última página, essa obra admirável e
múltipla não tem, nesse sentido, um instante de queda, uma falha, uma vacilação sequer. Schmidt foi o intérprete legítimo das nossas grandezas e das
nossas misérias, não como elite, mas como povo, na mais lata expressão do termo. Se isso não tem valor, então o nosso conceito de literatura e de
escritor é como poeira que o vento dispersará quando soprar mais forte. |
Em 30 de setembro de 1973, o jornal paulistano City News publicou este artigo:
Reprodução parcial de página de City News de
30/9/1973
Imagem cedida a Novo Milênio em 19/3/2008 por Aldo Schmidt
NOSSO CANTINHO
Afonso Schmidt
Maria do Rosário
Há dias, estive na
Academia Paulista de Letras, fui ouvir a consagrada escritora Maria de Lourdes Teixeira. Ao iniciar sua conferência, Maria de Lourdes Teixeira assim
se expressou: "É na obra de arte que se revela a personalidade mais profunda de um artista, vale dizer - de um escritor - porque ela encarna a parte
mais duradoura de sua alma, aquela que aspira a sobrevivência e que na obra de arte procura sua expressão". Relembrou a vida de Afonso Schmidt,
desde o seu nascimento e infância no sítio Cubatão-de-Cima, com suas plantações de cana e a água da cachoeira rumorejando na roda do engenho.
Passou sua adolescência embevecido na leitura de romances e interessado com jornais
transitórios. Em São Paulo, lutou pela sobrevivência. Na juventude boêmia, juntava-se aos poetas freqüentadores de festas familiares e banquetes
oficiais. Em 1907 fez sua primeira viagem à Europa, pobre de haveres, mas rico de sonhos, viveu em Paris quase um ano. Regressou ao Brasil quando
obteve uma passagem grátis da Société Brasiliense de Bienfaisance.
Tornou-se jornalista profissional, exercendo essa profissão durante toda a sua vida.
Em 1911 publicou seu primeiro livro de versos, intitulado Janelas Abertas, que teve grande repercussão na Academia Brasileira de Letras,
trazendo-lhe a fama e a consagração. Depois vieram os livros em prosa...
A seguir, a notável conferencista falou da obra do grande escritor, dessa série de
livros de assuntos versáteis que ele publicou periodicamente, realizando assim sua vocação literária durante sua existência até o dia da sua morte
em 1964. Sua coleção de obras encerra romances, contos, novelas, biografias, crônicas e memórias.
Há em todos os seus livros uma imagem predominante - a cidade de São Paulo - esta
surge e ressurge em todas as suas nuances. Diz Maria de Lourdes Teixeira: "Ele consegue derrogar a amarga, intragável erva do passado - a que se
refere o inglês Durrell -, transformando-a em algo de uma envolvente doçura e um misterioso encanto nostálgico". A obra de Afonso Schmidt afirma-se
na sua experiência formal e no seu estilo admirável, claro e musical. Na mocidade, Afonso Schmidt assemelha-se com o escritor americano Jack London
por suas aventuras, ao francês Alphonse Daudet, autor das famosas Cartas do meu Moinho.
Finalizando sua conferência, disse-nos a escritora: "Assim como Casco ou Prevert
souberam captar o manto da gente anônima das ruas de Paris, Schmidt conseguiu fixar com seus livros flagrantes de uma São Paulo que se vai tornando
memória e que teve nele o seu último e romântico rapsodo".
Afonso Schmidt - conferência da acadêmica Maria de Lourdes Teixeira; eis a síntese
que Maria Pagano Botana hoje escreveu para os amáveis leitores deste Nosso Cantinho, lembrando aquela hora de enlevo e encanto na Academia
Paulista de Letras, proporcionada por Maria de Lourdes Teixeira com sua rútila palavra. |
Em 12 de abril de 1964, foi publicado em um jornal paulistano (provavelmente o Shopping News) este
artigo-necrológio, pelo escritor Péricles da Silva Pinheiro (nascido em Bariri/SP em 1916, também redator em O Estado de São Paulo e autor em
1961 de Manifestações literárias em São Paulo na época colonial):
Reprodução parcial de página de
jornal de 12/4/1964
Imagem cedida a Novo Milênio pelo Arquivo Histórico de Cubatão.
Recorte de jornal doado por Maria Clara
Schmidt e Odila Schmidt de Mello
LIVROS EM DESFILE
Pericles da Silva Pinheiro
Afonso Schmidt
Desapareceu
do convívio dos vivos Afonso Schmidt. Desapareceu, com ele, um dos mais fecundos escritores brasileiros, voltados entranhadamente para o povo.
Não no sentido da realização de uma obra literária de aliciamento de massas populares e de proselitismo político; mas no sentido da incorporação
artística em nossa literatura dos valores mais incisivos da fisionomia sentimental e humana das classes mais modestas e mais humildes da nossa
sociedade. Em seu conjunto, as dezenas de livros que deixou como um dos mais belos espólios literários não chegaram a constituir,
dialeticamente, um instrumento de ação revolucionária.
Não foram escritos, em absoluto, sob o comando de uma
sensibilidade política orientada para objetivos predeterminados, mas ditados, ao contrário, por uma sensibilidade artística e literária por
excelência, mais preocupada, em meio das desigualdades sociais, pelo aspecto essencialmente humano do problema.
Mais veemente e mais ostensivo em seus primeiros
livros, sobretudo na prosa panfletária, em que o colorido popular reivindicatório era mais acentuado, foi, com o tempo, alteando e depurando o
sentido de sua posição socialista, até atingir, ideologicamente, a fase derradeira e utópica do processo, com o anarquismo.
Entrementes, até lá, em sua fecundidade criadora – no
romance, na novela e no conto – distraiu-se em livros numerosos, alheios a qualquer preocupação política, recuperando, para a história da cidade
que idolatrava com requintes de namorado, elementos esmaecidos de sua fisionomia social e urbana, num esforço às vezes naturalista, para que a
falta de um detalhe não fosse increpar à narrativa o cunho da idônea veracidade, bem como, outras vezes, alteando em outros livros não menos
excelentes perfis de lutadores, de santos e de poetas, por cuja obra e por cuja ação se predispunha sua mansa sensibilidade lírica.
A obra de Afonso Schmidt, como se verifica por estes
breves traços alinhavados sob o impacto da perda irreparável, não guardou, de forma alguma, linha de uniformidade temática e de cega obediência
política. Entre os chamados escritores da "linha justa", nenhum, talvez, tivesse sido mais rebelde aos rígidos princípios ideológicos e
partidários.
Se vivesse num país dominado pelo comunismo, não teria
jamais publicado, salvo alguns poucos, as suas dezenas de livros, pois uma coisa é fazer literatura social e coisa muito diferente é fazer
literatura política comprometida, embora, sob certos prismas, uma pudesse condicionar a outra ou ambas pudessem explicar-se entrelaçadas. A sua,
na maioria de seus livros, é eminentemente social, em que o aspecto político não chegou, a rigor, a configurar forma de ação partidária.
O seu anarquismo, contraditoriamente às exigências da
luta revolucionária comunista, dissolveu seu conteúdo energético no mais puro, no mais belo e no mais eloqüente lirismo as raízes agudamente
franciscanas como estilo e como comportamento de vida, o que, aliás, marca, de ponta a ponta, de Janelas Abertas (1912) a João Ramalho
(1963), intercalando-se entre estes dois extremos de sua longa carreira literária mais de sessenta obras, a sua disposição sentimental e a sua
atitude de homem de letras dos mais sinceros e autênticos que já tivera o Brasil.
Alma simples e humilde, avesso às glórias do mundo,
apenas se sentia verdadeiramente à vontade no silêncio e no anonimato, onde pudesse ter melhores condições de espírito para tirar da cornucópia
de suas reservas humanas e distribuí-las em páginas antológicas as mais belas lições de amor ao próximo.
Para melhor compreendê-lo, na pureza de sua vida civil
e na sinceridade de sua obra, será necessário que se retenha dele apenas um só gesto, que poucos conhecem, mas dos mais belos por seu
significado ético e para a própria justificação do conteúdo emocional de sua atividade artística e literária: Afonso Schmidt, num dia do mês,
numa das nossas igrejas, depositava comovido uma rosa aos pés de São Francisco. |
Em 6 de abril de 1964, Fernando Góes publicou no jornal paulistano Diário da Noite, página 6
do 2º caderno:
Reprodução parcial da página 6/2º
caderno do Diário da Noite de 6/4/1964
Imagem cedida a Novo Milênio pelo Arquivo Histórico de Cubatão.
Recorte de jornal doado por Maria
Clara Schmidt e Odila Schmidt de Mello
EM TOM DE CONVERSA
Fernando Góes
Afonso Schmidt
Com
a morte de Afonso Schmidt perdemos, os intelectuais paulistanos, não somente um grande escritor mas também um grande companheiro. Já não me
lembro quando o conheci e como. Sei, apenas, que o jovem que eu era encontro em Afonso Schmidt, já consagrado, apoio e estímulo. Estímulo e
apoio que jamais deixou de dar aos moços que dele se aproximavam e que, no que lhe era possível, procurava auxiliar.
Justamente por isso, porque era generoso, compreensivo,
leal, dava-se bem com toda gente, mesmo com aqueles que se colocavam intransigentemente m campo oposto às idéias que sempre defendeu.
Explicou, uma vez, que não era um intelectual que servia ao povo, mas um homem do próprio povo que recebera a faculdade de se exprimir em
arte. Daí a sua literatura participante, em novelas como Os impunes e O dragão e as virgens, ou em peças como Carne para
canhão. Daí as interpretações, tão pessoais, que deu à Semana de Arte Moderna e ao Movimento Constitucionalista, interpretações que lhe
valeram muita dor de cabeça e algumas ásperas polêmicas.
Mas, quem, como escritor, preocupou-se mais com São
Paulo do que ele? Acredito que ninguém, no passado, e ninguém, no presente. Porque toda a obra de Afonso Schmidt é eminentemente paulista, é,
toda ela, um canto de amor ao São Paulo de ontem, de hoje, de amanhã. Em seus romances, suas novelas e contos, em seus artigos de jornal, ele
foi o nosso grande cronista. Não houve aspecto da vida paulista que sua curiosidade não tivesse abordado, e olhava para os acontecimentos dos
idos das bandeiras como para os de agora com a mesma ternura e o mesmo interesse que dão à sua vasta obra uma admirável unidade, revestida
pela clara beleza do seu estilo.
Nascera, como confessou de uma feita, entre os lírios e
os sapos do Cubatão. Mas São Paulo o atraiu e ele foi, adolescente, seresteiro apaixonado nas ruas iluminadas a lampião de gás do velho Brás.
Em seguida viajou, andou pelo mundo como vagabundo, os bolsos sem vintém mas a alma cheia de sonhos e o coração transbordando de amor pelos
seus semelhantes. Repetiu a aventura mais de uma vez, mas acabou ancorando nesta nossa cidade, que afinal era a dele. Sua figura estava mesmo
incorporada à paisagem urbana, aquele homem mais baixo do que alto, os cabelos que outrora foram loiros e agora, ralos, estavam
esbranquiçados, um cigarro sempre no fim do canto da boca, os olhos apertados de míope procurando esquadrinhar inteligentemente tudo, um
sorriso de compreensão no rosto onde as rugas eram muito mais as marcas de uma vida sofrida do que o sinal dos anos. Atravessando uma praça,
tomando rápido um café, parado numa fila de ônibus, saindo de uma livraria, era uma figura singular, de todos conhecida: "O escritor Afonso
Schmidt".
E era, realmente, um escritor que dignificou e
engrandeceu a profissão, não somente pelas obras que nos legou, mas igualmente pela nobreza e correção com que soube ser fiel a si mesmo, às
suas idéias e convicções.
Mais de uma vez, em épocas de crise, chamamo-lo, os
escritores, para presidir nossa entidade de classe. E ele jamais foi o presidente de um grupo, de uma facção, de meia dúzia. Foi sempre o
presidente de todos.
A morte colheu-o de repente, sem o longo cortejo de
sofrimentos das enfermidades prolongadas. Foi-se de um dia para outro, como quem se despedisse na esquina, depois de um café. Mas desde ontem,
no Cubatão, os sapos coaxam mais e os lírios murcharam todos. |
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