Na segunda metade da década de 1990, eu e outros amigos tivemos o privilégio de sentarmos ao lado do advogado e poeta Narciso de
Andrade, que nos deixou no último 30 de dezembro.
Narciso de Andrade Neto aos 21 anos, em
foto reproduzida de um especial de 1997.
Acervo: Benê Siqueira
Essa
mesa no tradicional Café Paulista é a terceira à esquerda de quem entra no conhecido restaurante do Centro Histórico de Santos. Era lá que tomávamos
os nossos lanches nos fins de tarde, num ambiente sempre muito alegre. A referida mesa era conhecida como a Mesa do Dr. Narciso. Dela participavam
várias pessoas interessadas nas coisas de Santos, no passado e no presente. Dentre elas Benê Siqueira que diga-se de passagem foi quem me apresentou
ao poeta, Dario Gonçalves, Clovis Masilli, Jaime Caldas, Waldemar Capela, Waldir dos Santos (já falecido), entre muitos outros que por lá apareciam.
Mas no lugar de destaque da mesa, por insistência nossa, sentava Narciso de Andrade Neto. Afinal das contas ele merecia, já era um dos maiores nomes
da literatura da Cidade de Santos. As nossas conversas variavam muito, pois com um pouco de exagero da minha parte, pendiam para o infinito.
Narciso de Andrade, no interior do Café Paulista, em 1996, quando
da comemoração dos 85 anos do tradicional estabelecimento do
Centro Histórico de Santos. Foto: L. J. Giraud
Assim
conversávamos até aonde a memória alcançasse sobre assuntos como cinemas do passado, restaurantes e bares, dentre eles o famoso Bar Regina que
ficava colado ao Cine Atlântico, filmes, lojas, clubes, colégios, firmas de café, navios e até de antigas namoradas.
Confesso
que muitas das informações contidas nos meus livros e artigos são de relatos do Dr. Narciso, como costumávamos chamá-lo.
Até hoje
quando nos aproximamos ou sentamos naquela mesa sentimos uma sensação de bem estar, pois a aura mágica do poeta, mesmo não tendo freqüentado o Café
Paulista nos últimos cinco anos, por problemas de saúde, sua agradável presença permanecia através das nossas agradáveis lembranças. Com certeza
essa aura vai permanecer para sempre.
O grande poeta
ladeado de amigos, na terceira mesa à esquerda de
quem entra no Café
Paulista. Na foto: Dario Gonçalves, Jaime Caldas,
o autor, Narciso de
Andrade e Benê Siqueira. Foto: Laire J. Giraud
Finalizando, gostaria de dizer muitas coisas sobre o Dr. Narciso, mas fica difícil encontrar palavras que dêem brilho a um homem que não morreu,
pois ele está imortalizado nas suas obras, poesias, crônicas e na lembrança dos que o conheceram..
Para
homenagear o inesquecível Narciso de Andrade Neto, transcrevo um texto por ele escrito para o livro Transatlânticos em Santos – 1901/2001, de minha
autoria. Vale lembrar que quando estávamos ao lado do Dr. Narciso, a tristeza não se aproximava, pois era tudo muito alegre.
Narciso de Andrade sempre prestigiou os lançamentos dos livros do
autor. Aqui é visto no Salão Orquídea do Parque Balneário Hotel,
durante o lançamento do livro Memórias da Hotelaria Santista de
Helena Maria Gomes, Viviane Pereira e Laire José Giraud. Dezembro
de 1997. Acervo: Benê Siqueira
Eis o
texto:
NO TEMPO DOS TRANSATLÂNTICOS
* por Narciso de Andrade
Nunca viajei de navio, mas mantive certa intimidade com eles – os navios – quando fui repórter marítimo. Isso lá pelos fins dos
Anos 40, início dos 50, no velho O Diário, de Santos, da cadeia dos Associados de Assis Chateaubriand.
Já contei um pouco dessa história, principalmente para lembrar a figura do jornalista Francisco de Azevedo, criador da seção
Vida Marítima que ele trouxe para A Tribuna quando aqui veio trabalhar a convite de Nascimento Júnior, criando então Porto & Mar, até hoje nas
páginas deste jornal.
Azevedo foi um dos maiores apaixonados que conheci das coisas do mar, notadamente dos navios. Para mim, há muito tempo se
findaram os tempos de reportagem, os saudosos e vibrantes tempos de repórter.
Durante a comemoração dos 85 anos
do Café Paulista, nós,
admiradores do famoso
restaurante, oferecemos um painel com
imagens antigas da Cidade. Na
foto os proprietários Manolo
Rodrigues e José Antonio e Jaime
Caldas, Dario Gonçalves,
Benê Siqueira e Narciso de
Andrade, o segundo a contar da
esquerda. – 1996. Foto: L. J.
Giraud
Eis que, da mesa que costumo ocupar para meu lanche vespertino no Café Paulista, se aproxima um cavalheiro simpático,
despachante aduaneiro, superapaixonado, para usar de terminologia corrente, pelos navios, conhecendo a história, em detalhes, dos maiores e mais
famosos transatlânticos.
E mais: possui belíssima coleção de postais e fotografias dos principais navios, que, na linguagem de outros tempos, cruzaram os
mares.
E eis-me aqui a falar de navios por obra e graça de Laire José Giraud, de quem recebi as generosas informações que
possibilitaram a elaboração desta crônica.
O transatlântico português Vera Cruz, de 1952, em pintura clássica
de Gordon Elus, navio que foi muito popular entre os brasileiros e
portugueses. Acervo L. J. Giraud
Então, fico sabendo que o transatlântico italiano Conte Grande aqui veio antes e depois da guerra, tendo ficado retido, foi
depois para os Estados Unidos e serviu como transporte de guerra com o nome de Montecielo.
Em 3 de agosto de 1949, ainda mais belo em sua nova cor branca, retornou a Santos, e sua chegada foi triunfal.
Só desse magnífico transatlântico muita coisa poderia ser contada, mas, entre os italianos, havia ainda o Conte Biancamano, o
Anna C, que vieram antes da guerra e retornaram em 49 e 48, respectivamente. Eram igualmente lindos e grandiosos.
O transatlântico Itanagé, da Companhia Nacional de Navegação
Costeira, de 1928, ligava o Brasil de Norte a Sul, em pintura de
Antonio Giacomelli. Acervo Laire José Giraud
A Inglaterra sempre foi considerada a rainha dos mares; de nacionalidade britânica, aqui aportaram o Alcantara, o Andes, os
Highland Brigade, Princesa, Chieftain e Patriot. Este último, após passar por Santos, foi torpedeado no Atlântico.
Depois da guerra, aqui estiveram os navios novos, mantendo a alta tradição inglesa, Brasil, Argentina e Uruguai.
Em março de 49, aquele que seria o mais moderno transatlântico até então construído, o Magdalena, que bateria em uma laje na
Barra da Tijuca, indo ao fundo.
Nas minhas funções de repórter, na época, tive oportunidade de visitar este transatlântico realmente magnífico. Ironia das
ironias, era considerado insubmersível.
Antes da guerra, freqüentaram o Porto de Santos vários navios alemães, tais como o Monte Sarmiento, Monte Olivia, os Cap, entre
eles o inolvidável Cap Arcona.
Narciso de Andrade sempre mostrou
Santos e sua gente de uma
maneira muito carinhosa através
das suas crônicas, mas tinha uma
grande paixão pelo Gonzaga.
Cartão-Postal 1940. Mostrando a Fonte
Luminosa, o Atlântico Hotel e o
Parque Balneário Hotel.
Acervo: Laire J. Giraud.
Cada um tinha a sua história porque os navios têm personalidade própria, não se confundem uns com os outros como os demais
veículos de transporte coletivo.
Construídos após a guerra, os americanos Del Norte, Del Sud, Delmar, todos do ano de 1946, sucedendo os famosos Argentina e
Brasil, considerados como heróis de guerra.
Além desses, lembramos o francês Florida, o Pasteur, além dos portugueses Serpa Pinto, Pátria, Império, Vera Cruz e Santa Maria.
Como Portugal manteve a neutralidade, eles aqui estiveram antes, durante e depois da guerra. Eram de formas belas e delicadas, e
faziam muito sucesso, notadamente junto à colônia portuguesa.
Muito visitados eram também os brasileiros da Costeira e do Lloyd: D.Pedro II, os Ita, Almirante Jaceguai, e vários outros
empregados na navegação de cabotagem.
Não quero tornar esta matéria por demais fantasiosa e encerro-a por aqui, na certeza de que os interessados no assunto saberão
completá-la e preencher as lacunas.
Peço vênia a Nelson Salazar Marques para transcrever trecho de um de seus trabalhos publicados no jornal A Tribuna:
“... Mas foi ao Bonde 4 que devia eu uma visão que mais de 30 anos não conseguiram apagar. Eu ia a bordo do bonde, costeando a
orla da praia em direção ao Clube Internacional de Regatas... – qual brisa marinha nos chapando o rosto, devia ser ali por 1955 mais ou menos...”
“Então, na altura do Aquário Municipal, de relance, meus olhos pegam aquele transatlântico imenso em seu casco negro, rompendo
firme as águas em direção contrária à do bonde. Lá estava ele de volta, majestoso e invencível, renascendo das cinzas da Segunda Guerra Mundial...
Lá estava ele, o Alcantara.”
Este
texto é uma singela homenagem à memória de um homem que sempre demonstrou muito amor pela Cidade de Santos através de suas poesias e artigos. |