Narciso de Andrade é uma das figuras mais importantes da vida cultural em Santos
Foto: Walter Mello, publicada com a matéria
Quarta-feira, 20 de
Julho de 2005, 08:59
NARCISO DE ANDRADE
80 anos de poesia e amor ao mar
Nascido em SP, o poeta tem em Santos sua maior inspiração
Ronaldo Abreu Vaio
Da Reportagem
Ao completar 80 anos, hoje, o advogado e poeta Narciso de Andrade ainda
reverencia aquela que é uma das maiores influências da sua obra: o mar. "Sempre procurei estar próximo ao mar", diz. "É como uma personagem que eu
tento entender".
Apesar dessa paixão, e de sua conhecida ligação com a Cidade, Narciso nasceu em São Paulo, onde viveu apenas
alguns meses, até que a família se mudasse para Santos. Aqui, fez o ginásio no Colégio Santista,
onde conheceu Roldão Mendes Rosa, também poeta e grande amigo de toda a vida, falecido em
1988. A ligação entre os dois era tão forte, que se chamavam mutuamente de poetirmão.
Desde aquela época, a Cidade se modificou. "Fisicamente, Santos mudou muito desde a minha juventude. Tornou-se,
como se diz, moderna". Isso tem um lado bom e outro ruim, que Narciso se abstém de apontar, observando apenas: "É um jeito de melhorar que não me
parece muito certo".
Tudo acontece muito rápido, de um jeito atabalhoado, desligando os vínculos com o passado. "Não são muitos os que
se dedicam a pesquisar, estudar as próprias raízes".
Os primeiros passos na poesia foram dados quando trabalhava como jornalista, em A Tribuna. "O editor
Francisco Azevedo provocava conversas de poesia. Me aguçava. Tinha uns 18, 19 anos. Nessa época, comecei a escrever e não parei mais", relembra. Em
A Tribuna, permaneceu até 2001, como colaborador.
Lia de tudo. Era influenciado pela poesia italiana, espanhola e, sobretudo, francesa, com destaque para Paul
Valèry. No Brasil, gostava de Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade, nessa ordem, o que suscitava algumas discussões com o amigo Roldão. "Ele
apreciava mais o Drummond".
Junto com Roldão e outros intelectuais, tornou frutíferas as discussões, no grupo chamado Pesquisismo.
Reuniam-se em média uma vez por semana, até o fim dos anos 50, para pesquisar sobre Literatura. "O grupo tinha independência, não puxava o saco de
ninguém".
Independência pressupõe liberdade, que Narciso viu minguar depois do Golpe Militar de 1964. "Não vamos entrar no
mérito das intenções, que as pessoas sempre dizem serem boas. Mas, na prática, o golpe acabou com a Cultura na Cidade".
Narciso de Andrade também fez parte do Conselho de Cultura de Santos. Mas quando alguém pede sugestões para o
resgate da antiga efervescência - que reconhece ter existido, mas da qual não se ufana -, o poeta é sucinto. "A Cultura depende de quem a faz. Não
há que se pensar que tudo virá do Governo".
Atração |
"Sempre procurei estar próximo ao mar. É como uma personagem que eu tento
entender"
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Narciso de Andrade
Poeta
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Instante
(Poema publicado em A Tribuna, em meados dos anos 60)
Faz de conta que esta Lua não existe
Faz de conta que esta noite já é ontem
Faz de conta que este instante já passou
Pensa que não podemos perder tempo
que é tudo muito tarde e as coisas que estão por acontecer
são passado e estão desfeitas.
Continuar andando estas areias
recolhendo estilhaços de estrelas
enquanto o tempo vai marcando
o ritmo decadente de nossos passos
Tudo é alegria quando pouco é possível
Tudo é alegria quando nos encontramos desesperadamente perdidos
Sem contrastes a vida não tem sentido
monótona sucessão de fracassos
desencantos e desesperos
Tudo é alegria quando nada mais é possível
Faz de conta que estou dizendo a verdade
e que é mentira esta louca vontade de chorar
Esta Lua não existe
Esta noite já é ontem
Este instante já passou.
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Foto: Adalberto Marques
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Foto: Walter Mello
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Foto: Paulo Freitas
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Adelto, Fidalgo e Júlio: companheiros de muito
papo e histórias sobre a arte e a cidade
Fotos publicadas com a matéria
Quarta-feira, 20 de Julho de
2005, 09:02
Versos e teatro dividem a conversa com amigos
Conhecimento profundo da poesia, amor pela Cidade, disposição para uma boa conversa. São qualidades que os amigos
destacam na personalidade do poeta.
"É, acima de tudo, um homem extremamente honesto. Quando
explodiu o gasômetro, ele era o chefe do Departamento Jurídico da empresa, responsável por pagar as indenizações. Uma pessoa menos
honesta ficaria rica numa situação dessas", diz o comerciante Julio Bittencourt, amigo inseparável, desde os anos 60.
Além da poesia, Narciso é também um grande conhecedor do teatro. "Me estimulou muito na época em que fazia teatro,
junto com Plínio Marcos. Aliás, foi um dos primeiros a reconhecer o talento de Plínio".
De uma geração posterior, o jornalista Antônio Carlos Fidalgo conheceu Narciso através de Roldão Mendes Rosa. "Por
ser mais novo, sempre nutri uma grande admiração por eles", revela, referindo-se ao próprio Narciso, a Roldão e Júlio Bittencourt. "Em termos de
política e cultura, eles passaram por coisas que eu conheço apenas dos livros", diz. Nas conversas com os três, Fidalgo aprendeu muito do que sabe
sobre a História de Santos. "Narciso é um marco do que Santos tem de melhor na questão cultural e de amor à Cidade".
Também foi através de Roldão que o jornalista e professor Adelto Gonçalves conheceu o poeta, sobre quem já
escreveu um ensaio. Para Gonçalves, o melhor presente que Narciso poderia receber nesse aniversário de 80 anos seria a edição de sua obra.
"Ele prefere fazer poesia sem alarde, mais pelo gosto de escrever do que de publicar. Aqueles versos do poema
Cais - Com tanto navio para partir/minha saudade não tem onde embarcar... - são dos mais sonoros e bonitos da Língua Portuguesa". |