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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA
Arte cidadã

Arte como forma de recuperação do conceito de cidadania. Sobre esse trabalho, realizado na Zona Noroeste de Santos, o semanário santista Jornal da Orla publicou, em 30 de março de 2003:


Apresentação na praia santista do Arte no Dique
Foto: Alex Almeida, publicada com a matéria

Arte resgata cidadania

Alex Almeida

Dique da Vila Gilda, Zona Noroeste. Um dos maiores bolsões de pobreza da Baixada. Vinte mil moradores, 27% deles desempregados. Dentro deste contexto marcado pela exclusão social, nasce o projeto Arte no Dique, que tem como objetivos o fortalecimento da auto-estima local, valorização da identidade cultural e a requalificação do ambiente.

Iniciado há quatro meses, numa iniciativa do Instituto Elos Brasil e do grupo Olodum, em parceria com a Sociedade Pró-Melhoramentos do Bairro, o projeto já é uma realidade, mobilizando mais de 60 jovens para a oficina de música, que já tem no currículo algumas apresentações públicas e animação do carnaval, no bloco de rua do Sesc.

"Queremos fazer aqui um trabalho semelhante ao que foi feito no Pelourinho (Salvador/BA). O ambiente onde nasceu o Olodum também era marcado pela falta de oportunidades. Depois que foi feito um trabalho de afirmação de identidade e cidadania, através de bandas de percussão, no lugar onde predominava a exclusão, hoje reina alegria, com o Pelourinho sendo considerado pela Unesco e Unicef como patrimônio da humanidade. Dando uma ocupação aos jovens e fazendo-os enxergar outro horizonte para suas vidas, diminui-se risco da criminalidade", diz Zé Virgílio, integrante do grupo Olodum e coordenador cultural do Arte no Dique.

De acordo com a assessora de imprensa do projeto, Paula Crepaldi, a idéia é promover a transformação social na comunidade, criando um centro cultural e fazendo do Dique um pólo artístico, uma área de referência cultural na cidade de Santos. "Vai ser criado o Espaço Plínio Marcos, com apresentações de peças de teatro, exposições de artes plásticas, shows, projeção de cinema e oficinas nas áreas de arte e comunicação. O lançamento do Centro Cultural está previsto para o mês de maio, e contará com a presença do cantor Moraes Moreira".

Apoio do ministro - "O projeto tem tudo a ver com o Plínio Marcos porque toda obra de meu pai foi pautada em cima de personagens excluídos. Eu fico impressionado quando vejo aquela gurizada do Dique, tocando com empenho e se dedicando à música. Eu estou no projeto para ajudar, seja nas coisas relativas a meu pai ou não. Minha mãe, Valderes de Barros, apesar de ainda não ter participação específica, também apoia totalmente o projeto", conta Kiko Marcos, filho do dramaturgo.

Segundo a coordenadora do Instituto Elos Brasil, Natasha Gabriel, o ministro da Cultura, Gilberto Gil, também é um incentivador do projeto. "O apoio se tornou oficial após o encontro dos coordenadores do Arte no Dique com o ministro, no dia 11 de março. Ele já conhecia o projeto para o Dique da Vila Gilda, em Santos, que também é apoiado pela ONG Onda Azul, da qual Gil era presidente, antes de assumir o ministério da Cultura. A idéia é que o ministro seja um agente para a captação de verbas na iniciativa privada, já que as verbas nacionais para a Cultura já estão comprometidas".

Outro apoio importante para a implantação do centro cultural é o da Prefeitura de Santos. "O vice-prefeito, João Paulo Tavares Papa, se interessou em ajudar e está estudando, junto à Companhia Habitacional Santista (Cohab), a doação de um terreno, em regime de comodato, para a construção do centro cultural. Depois de definirem o local, ficará a cargo da aprovação do prefeito", informa a coordenadora do Elos Brasil.

De menino de rua a mestre - Há dez anos, o moleque Pixica perambulava pelas ruas de Salvador. Em seus devaneios, sonhava com a possibilidade de tocar no Olodum. Através do empenho nas bandas de samba-reggae, hoje é o mestre Sydnei Sanches, instrutor da oficina de percussão no Dique, que diz estar pronto para fazer com que a música transforme vidas, tendo como espelho a própria história.

"O Dique tem uma semelhança muito grande com o Pelourinho, que antes era um gueto. As pessoas tinham vergonha de dizer que moravam lá. Quando iam procurar emprego, davam outro endereço. Hoje, o Pelourinho é um centro de referência cultural e artística no Brasil e no mundo".


Apresentação do grupo
Foto: Alex Almeida, publicada com a matéria

Comunidade comemora

Para a presidente da Sociedade Pró-Melhoramentos do Dique da Vila Gilda, Lucinéia, a dona Néia, o projeto já vem contribuindo para a mudança no cotidiano da comunidade. "Neses quatro meses de funcionamento da oficina de percussão, já é notório o resgate da auto-estima local, que sempre foi muito baixa. Pela primeira vez, nós temos um projeto que vem para inserir nossa comunidade na cidade. Parece que existe uma linha divisória separando o Dique do resto da cidade".

Luciano do Espírito Santo, 15 anos, morador do Dique, diz que a oficina de música vem dando oportunidade de crescimento não só a ele, mas a todos seus amigos da comunidade. "Nunca tivemos oportunidade pra nada. Está sendo bom demais", diz.

Welington Gonçalves, 19 anos, que estava desempregado, já vislumbra outro futuro, por causa do Arte no Dique. "O projeto ajudou a gente a sair da rua e nos deu uma ocupação muito legal. Quem sabe no futuro a gente se torna um músico, alguém na vida. Infelizmente, a pessoa que mora na favela é discriminada, não tem oportunidade de emprego. Mas a gente insiste em querer um futuro melhor", conclui.

"Antes, eu só ficava na rua. Agora tenho certeza de que vou chegar lá, tocando até em Salvador, quem sabe", diz Flávia do Espírito Santo, 11 anos, que participa da oficina de percussão.