Paulo Gonçalves
Paulo Gonçalves
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Paulo
Gonçalves, como Affonso Schmidt, é um temperamento difícil de definir. Dócil e combativo, místico e rebelado, é o tipo do idealista, com todas as
suas qualidades e defeitos.
Talvez não lhe fique mal a denominação de revolucionário mansíssimo. Na época presente - um "déplocé". Se
vivesse na Idade Média, seria, com toda a certeza, um outro Godofredo, com o mesmo heróico destemor e a mesma religiosa humildade. Na sua última
novela, Calvário de Flávio Rosas... Mas, deixemos isso de lado. Nada de indiscrições com um homem recatado, capaz de guardar um segredo
durante mil anos, se tantos vivesse. E o Paulo que nos interessa agora é o autor de Yara, o poeta fino que gravou em ouro do melhor quilate a
história romântica de Marilia e Dirceu.
Antes de tudo, porém, digamos uma coisa interessante: Paulo é um milagre de sofrimento. Expliquemo-nos. Pouco
antes da grande guerra, que é de quando data a sua estréia nas letras, vivia ele a construir, com palavras as mais difíceis, coisas as mais absurdas
e desconexas. Era um apaixonado do vocábulo sonoro e incomum. As suas poesias nada diziam, nem tampouco queriam dizer. Versos de quem "escrevia por
escrever", como diria aquele silencioso e estranho Gottfried, tio de Jean Christophe.
Também não dava tratos à bola para ser lógico, senão raro. O difícil o atraía: e, de tão complicado, chegava a
ser, às vezes, enigmático. "Julgava-se" parnasiano. Sobre tal escola doutrinava com uma solenidade desinteressada de pastor evangélico. Ria às
escâncaras da arte que mana do coração; achava-se demasiado lânguida e sobretudo "muito velha". A parnasiana, esta sim.
Quando um amigo, também poeta, lhe perguntou, certa ocasião, o que significava "escola parnasiana", respondeu
prontamente: "É muito fácil. É...Repare: ponha muitas pedras preciosas, mármores, ouro, prata, marfim etc. nos seus versos e você será um perfeito
parnasiano".
Hoje nos rimos de tanta ingenuidade petulante... Mas, que querem? não sofrera ainda... Depois sofreu. Sofreu até
demais. E veio a ser o lírico amorável da Canção triste, uma das páginas mais embaladoras da nossa poesia. É nesse particular que o achamos
diferente de todos os seareiros do verso no Brasil. Ninguém com mais delicadeza e finura, mais elegância e nobreza, mais harmonia e propriedade para
exprimir essas horas de abandono íntimo, em que nos afastamos de nós mesmos nessa viagem de êxtase pelos espaços...
Paulo que, nos seus primeiros dias, abominava os versos amorosos, é o poeta do amor. Não
do amor-volúpia, como o sonhou Bilac, mas desse que é maior ainda, porque é ternura espiritual, suavidade interior, luz puríssima do espírito que
não morre. O seu livro, todo ele, é a história de um coração. Nada de cerebralismos, nem de "esquisitices", nem de modas. Tomou o conselho sublime
de Emerson e só conhece, no mundo inteiro, a sua musa.