CULTURA/ESPORTE NA
BAIXADA SANTISTA
Paulo Gonçalves (1)
Um
resumo biográfico foi publicado na seção Literatura do Almanaque de Santos para 1959 (Santos/SP, 1ª edição, 1959 - exemplar no acervo da
Sociedade Humanitária dos Empregados no Comércio - SHEC), página 74, além de um soneto (página 81):
BIOGRAFIAS - Paulo Gonçalves Paulo
Gonçalves nasceu em Santos, em 2 de abril de 1897 e faleceu também nesta cidade a 8/4/1927. Ingressando no jornalismo, logo se destacou pelas suas
excepcionais qualidades de inteligência e de coração. Sua bondade marchava passo a passo com a sua brilhante inteligência.
Poeta dos mais inspirados, Paulo Gonçalves, não obstante sua curta existência, salientou-se como
teatrólogo, sendo suas produções teatrais tão expressivas como a sua poesia.
Estreou em 1922 com o livro de versos Yara, poemas de grande emotividade artística e apuro
de forma. Sua peça em versos 1830 obteve o laurel da Academia Brasileira de Letras, em 1925.
Falecendo apenas com 30 anos de idade, sua obra literária impõe-se como uma das mais expressivas.
Deixou ainda: Lírica de Frei Angélico (poesia), Comédia do Coração (teatro), representada com grande sucesso por conjuntos teatrais do
país, As mulheres não querem almas, O cofre (teatro). Militou na Imprensa com grande brilhantismo e foi, sem dúvida, um dos mais
ilustres filhos da cidade de Braz Cubas.
Visão do futuro |
Falar do coração! Mas ainda não se disse
Que à nossa espera à porta da velhice
Há uma figura estranha e dolorosa
Que um crepúsculo roxo apoteosa
De túnica lilás e tranças pretas
Numa coroa de violetas.
O viajor não transpõe a passagem medonha
Antes que aos pés dessa mulher deponha
Uma recordação qualquer da mocidade:
É ela, a deusa romântica, a Saudade!
Quem foi feliz mesmo por um minuto
Deve à deusa esse lírico tributo.
Há certos corações que ao passar pela porta
Deixam como oferenda uma ventura morta.
Os pobres de ventura oferecem, apenas,
Um sonho que floriu no intervalo das penas.
Dizem os corações amantes: "Eu só pude
Colher um beijo em minha juventude".
"E eu, tantos corações me inspiraram afeto,
Que eu nem vos sei dizer qual foi o predileto".
"E eu, só vos posso dar, como oferta sagrada,
Este nome de alguém que amei sem dizer nada".
"E eu, a lembrança de um idílio à luz da lua"...
"E eu, duas vidas, porque alguém me deu a sua".
Se chegar minha vez, o que pouco suponho,
Ao encontrar na porta um coração tristonho,
Tímido, a recordar seus amores falazes,
A Saudade talvez pergunte: "E tu que trazes,
Para recordação de teus últimos dias?"
E eu, só lhe mostrarei, chorando,
As mãos vazias!
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Paulo Gonçalves
Imagem publicada com o poema, no Almanaque de Santos
para 1959, página 81
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Um resumo biográfico foi
publicado no terceiro volume da obra conjunta História de Santos/Poliantéia Santista, de Francisco Martins dos Santos/Fernando Martins Lichti
(Santos, 1996):
SÍNTESE ANTOLÓGICA DOS POETAS DE SANTOS
Paulo Gonçalves
Francisco de Paula Gonçalves. Nascido em Santos a 2 de abril de 1897, faleceu a 8 de abril de 1927. Poeta, teatrólogo e jornalista,
tendo colaborado na "A Cigarra", "Novíssima", "Vida Moderna" e outras.
Bibliografia: "Yara" (versos, 1922); "1830" (comédia, 1925); "O cofre" (teatro);
"As mulheres não querem algumas" (teatro); "A comédia do Coração" (teatro); "Lírica de Frei Angélico" (versos). Deixou duas obras inéditas: "As
núpcias de D. Juan" (teatro) e "Quando as fogueiras se apagam" (teatro).
Os Mendigos |
Mendigos! Minha esmola é um beijo em vossa palma!
Penso em vosso pudor, no tumulto das gentes,
e sinto, como vós, lágrimas iminentes,
castelos de ilusões, desmoronando n'alma!
Ungindo-vos, porém, de esperança e de calma,
contra o orgulho dos maus e dos indiferentes,
um anjo solitário, aos olhos dos videntes,
as asas sobre vós radiosamente espalma.
Pobres! A todos vós, que famintos e imundos,
errais de porta em porta, em sinistro cortejo,
- mudos, cegos, senis, lázaros, vagabundos,
Todos vós, que viveis na poeira das calçadas,
amo-vos! Acolhei o meu piedoso beijo
pelas consolações que vos foram negadas!
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Na edição de 9 de abril de 1927, o jornal paulistano O Estado de São Paulo publicou em sua página 4
este registro (Acervo Digital Estadão - ortografia
atualizada nesta transcrição):
Imagem: reprodução parcial da página 4 de
O Estado de São Paulo de 9/4/1927 (Acervo Estadão) |
Paulo Gonçalves
Mais uma cadeira vazia em nossa sala de trabalho. Ontem, ao entrarmos, recebemos uma
telefonada de Santos: Paulo Gonçalves morreu. E nós, que o sabíamos gravemente enfermo, não pudemos ainda assim fugir à comoção do inesperado. O
nosso companheiro de trabalho que nos deixa, aos 30 anos de idade, nasceu na "cidade ninféia", como ele carinhosamente chamava a cidade de Santos.
Era de uma família tradicional em Santos. Muito jovem, o neto de Maria Patrícia já
publicava os seus primeiros alexandrinos, que broslavam de sonho jornais e revistas daquela terra.
Santos, porém, que é acolhedora e generosa para todos os que a procuram, mostra-se,
às vezes, fria para seus filhos. Como muitos outros, Paulo Gonçalves veio tentar a vida em São Paulo.
Aqui chegando, mercê de suas raríssimas qualidades de espírito e coração, conseguiu
vencer na imprensa, na literatura, no teatro, onde quer que a sua límpida inteligência aparecesse.
Até na política, ele deixou um traço forte. Naqueles dias amargos para o Brasil em
que, no fundo de todas as consciências, se perguntava pela mocidade, foi ele quem respondeu à nação: reuniu os moços e fundou com eles o Partido da
Mocidade.
Iniciou-se aí um período de combatividade para o poeta dulcíssimo de Yara. Só
mesmo um exaltado civismo, um ardoroso desejo de justiça poderiam realizar o milagre de nos apresentar um Paulo Gonçalves de clava em punho, ele que
era o sereno peregrino da Fantasia e da História.
Onde, porém, sua personalidade se ergueu altíssima sobre a nossa época foi no teatro:
aí tomando afoitamente a vanguarda, encarnou desde logo as modernas correntes artísticas que, no mundo inteiro, renovam e aprimoram o teatro.
Estrelando com a comédia 1836 (premiada pela Academia Brasileira), em que, por maravilha de uns versos límpidos e fluentes, exuma a cidade de
S. Paulo das épocas românticas, colhendo assim a mais legítima das vitórias, ele não quis ficar-se nessa conquista e aventurou-se pelo teatro novo,
correndo os mais graves riscos para seu nome que despontava, e isso só por amor da arte e da aventura.
Suas peças As mulheres não querem almas e A comédia do coração agitaram
o nosso mundo intelectual. Escreveu ainda Núpcias de d. João e Marcha heroica, ambas inéditas, sendo que a última ainda não terminada.
Não chegou, porém, a haver hesitação sobre seus méritos. Paulo Gonçalves, com
qualquer um dos seus trabalhos, afirmou o seu pensamento inovador e fixou para sempre uma data em nosso teatro. Já ninguém poderá falar, no futuro,
sobre a evolução do teatro brasileiro sem citar o nome do nosso companheiro de trabalho, desse cuja ausência enluta esta cada.
Ele faleceu ontem, às 18 horas e 10 minutos, na residência de sua família, à Rua
Comendador Martins n. 154, e o seu enterro se efetuará hoje, às 16 horas, no cemitério do Paquetá.
Paulo Gonçalves, que assim se fez conhecer nas letras, chamava-se em realidade
Francisco de Paula Gonçalves, e era filho do sr. Manuel Alexandre Gonçalves, já falecido, e da sra. d. Maria Bemvinda França Gonçalves. Era irmão
das sras. d. Claudionor Gonçalves de Moraes, casada com o sr. Nicolau de Moraes; d. Maria Angelica Schmidt, viúva do sr. José Guilherme Schmidt; d.
Isabel Gonçalves Gomes, viúva do sr. Alberto Gomes e da senhorita Maria Magdalena Gonçalves, e dos srs. Manuel Alexandre Gonçalves, residente em
Santos, e Petronilho Gonçalves, tabelião em Pirajuí.
Seguirá hoje para Santos, além de seus amigos e colegas de imprensa, uma numerosa
comissão do Partido da Mocidade, de que Paulo Gonçalves era fundador e membro do diretório. |
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