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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - O "Vulcão" - BIBLIOTECA NM
Martins Fontes (13-III-12)

Clique na imagem para voltar ao índice da obraO livro Martins Fontes, do escritor e historiador Jaime Franco, foi publicado em agosto de 1942, tendo sido composto e impresso nas oficinas da Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais Ltda., da capital paulista, com capa produzida por Guilherme Salgado.

 

A obra faz parte do acervo de Rafael Moraes transferido à Secretaria Municipal de Cultura de Santos e cedida a Novo Milênio em fevereiro de 2014, pelo secretário Raul Christiano, para digitação/digitalização (ortografia atualizada nesta transcrição - páginas 330 a 336):

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Martins Fontes

Cavaleiro do Amor

Cavaleiro da Arte

Cavaleiro do Ideal

Jaime Franco - SANTOS - 1942

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III – CAVALEIRO DO IDEAL

12

Martins Fontes aconselhava que se bebesse o vinho consolador do estilo, não se poupando sacrifícios, porque tem a equivalência da esmola. Ele sacrificava o coração sobre o papel enquanto o pranto caía dos olhos, e malefícios negros e atrozes se notavam no rosto. A bruxa da vida nos deu este destino. Vimos do nada e tornamos ao Nada. Vamos, Poeta, infeliz Fantoche, Títere de barro, sob o peso da dor aniquiladora - curva a cabeça e escreve!

Ó tu que jamais repousas,

E sofres quanto imaginas,

Contempla o Nata entre as cousas,

Sem fé nas cousas divinas!

Na eternidade da vida, tudo se perde, desde a estrela à flor, ao se transformar nela, em maravilhas rápidas. O ser se anula, na dispersão, sem deixar vestígios.

Esta ideia aterrorizava Martins Fontes, fazendo com que aos seus próprios olhos se degradasse. O coração, depois da morte, quisera que exsurgisse numa rosa, sob a alegria da primavera, mas sentiu a agonia de que, quem tanto amou, passando rápido na vida, não foi nada, não é nada e não será nada. Numa noite negra, sonhando, surgiu-lhe um espectro. O Poeta perguntou quem era e a visão respondeu: - Eu simbolizo o Nada! E desapareceu.

E no mesmo sonho, a rezar ele dizia: ela me quer. E uma voz interrogava: tens a certeza? A arte é divina, juntando-se a eternidade da Beleza! E a voz perguntava: tens a certeza? A morte é o fim, o nada, e sem alma não sofrerá. E a voz: tens a certeza? Como nada fomos, nada seremos.

Martins Fontes, na tarde da vida, quanto mais estudava, mais se convencia de que nada somos. De nada valem cóleras, ódios. O mundo é o conteúdo da inanidade. Devemos transformar os males em carinhos. Pensemos na bondade das roseiras que nem sabem que dão flores. Assim também o fumo simboliza o que era, o que já foi, tudo o que degenera em visões. O fumo, aglomerado em nuvedos, a se escapar do teto, tenta se esgueirar e lembra a fuga em serpenteios.

A interpretação da ideia do Nada arrastou ai imaginação de Martins Fontes a pensamentos estranhos e sublimes em que se notava a forte influência da poesia de Antero de Quental que dera a outro ilustre poeta, Agenor Silveira, a inspiração para um dos mais belos sonetos que se tem escrito em toda a Terra, verdadeira obra-prima, que faz pensar no grande Antero, mas em forma escorreita, realização impecável, imortalizante - disse Martins Fontes se referindo ao seu mestre e amigo.

A forma de Antero de Quental muito agradava a Martins Fontes, "e é mesmo a única em que o Mestre poderia vazar o vago filosófico, a nebulosidade da abstração, o aroma do pensamento". O soneto de Agenor Silveira exprime o verdadeiro sentido da inanidade humana, condensando nos apertados catorze versos toda a rápida passagem do homem pela Vida, desde o Caos ao Nada.

Antes de vir ao mundo, eu era nada,

Na imensa noite do não ser jazia;

Porém, não sendo, nada me afligia,

E tudo era uma paz abençoada.

 

Hoje sou. Que é que sou, nesta morada

Onde se permanece um breve dia,

Onde raro se logra uma alegria

Que não venha de dor acompanhada?

 

Humilde ser, serei somente em quanto

Mo permitir aquele prazo incerto,

Em que é forçoso mergulhar no olvido...

 

Se eu amanhã faltar, não haja pranto:

Das misérias terrenas já liberto,

Ser-me-á Não-Ser o prêmio de haver sido.

A tristeza dos poetas não é fingida - dizia Martins Fontes. As raízes do mal vão, profundamente, sob formas e matizes diversos, ao coração da Natureza. Os poetas são heróis e infelizes, erguendo catedrais, sobre a areia, solitários, revéis e iluminados. Riem chorando porque andam cheios de desvarios, súplicas e brados do mundo inteiro. Ao verem a vida triste e pela sede da Quimera, eles bebem para adormecer e sonhar, aliviando os seus males, sobre a miragem das ilhas de ouro, símbolo do Ideal.

Também o sapo, como o poeta, é jardineiro, corteja as rosas, estuda o virtuosismo dos rouxinóis, esfalfando-se em imitar as escalas, adora as estrelas que, vendo-as brilhar na água, tenta colher.

Vítor Hugo dizia que merecia culto quem vive a idolatrar estrelas, pássaros e rosas. As pétalas das rosas rolaram no chão dispersas e soltas na viração suave, como se fossem noivas, virgens defuntas. O Poeta chorava e sofria. Sem ter consolo, apiedado da sorte duma flor, ficou o poeta triste. Mirando-se num espelho, viu que refletia tristeza. Começava a ter horror da forma humana. Far-se-ia ainda mais poeta. Queria ser perfume e evolver para a luz.

Em sonho, Ariel segredou a Martins Fontes que os poetas não são, na vida corpórea, enganadora sombra, mas alma, coração, clarividência, não devendo se importar com a velhice porque terão tudo depois da morte que os aureolará pelo espírito lendário deles. Os videntes, na aura do iluminismo, descobrem, nos poetas, os santos ou os sábios, porque, nos corpos, se desvenda um fluído a circundar as frontes. Não importa que os corpos se desfaçam, pois há quem veja a astralidade azul duma coroa no gênio, tal qual um halo.

Martins Fontes fazia invocações ao seu pobre coração amargurado. Perguntava onde iria ele parar, sem esperar consolo de ninguém, tão mal parado, se o seu pesar continha o mal da vida. Julgou existir a felicidade e depois só aspirou ao sono calmo que também é uma ilusão. Chegou a procurar a paz dos campos, fatigado do barulho e da agitação da cidade.

Consultava Teócrito. Trabalhava a rir. Apanhava figos. Tirava os gravinhos e limpava o frutedo. Se não houvesse mais a ermida, longe, no bosque ou na praia, não saberíamos o destino no horizonte da vida. Mas a morte não privaria o Poeta de padecer porque na dispersão eterna reentraria na angústia coletiva, sentindo reviver a mesma dor atual. Então, embalado o coração como a uma criança, ele cantava maternal canção para adormecê-lo, sob o silêncio, e lhe dar descanso, sossego. Ele tinha recordações duma vida anterior, de que a sua alma palpitou no coração das águas e quase tinha a certeza de que fora um Deus.

O chão do jardim reluzia, faiscando. Martins Fontes, vendo a areia eferver e tendo sido Fortúnio noutra encarnação, sentiu que a pérola do orvalho continha o rebrilho da água mater. Todos julgam lhe interpretar o sentido e essa glória poderão consegui-la porque a mica é irmã da estrela. Causava-lhe espanto, na sua vida, o tumulto em que vibrava. Remontava, ascendia, avultava, tombava, rolava.

Sentia no coração a dor de António Nobre e desejava ser monge inculto, santo na humildade. A piedade o deixava triste e nada o contentava no mundo. Nunca se arrependeu por chorar, mas por não ter amado, nu e livre. Martins Fontes não sabia o motivo de fazer versos de amor, nem porque buscava lenitivos em tanta inocência, contra o domínio da razão, apesar de ser anarquista e ateu. Ele vivia no desespero trágico, como condenado ou pássaro cativo. Pobre operário, mourejava de sol a sol, o dia inteiro, e à noite, quanto pensava repousar e esquecer tanta amargura, sentia, na insônia, a infelicidade de bruxo velho ou de infante louco.

Certa manhã, entrou pelo quarto de dormir do Poeta, vendo a janela aberta, a primavera, alma dos seus vinte anos. Ela lhe falou: "A saudade tine nos guizos da alegria, retorna ao lar!" E ele fugiu com ela. Entoaram de novo a canção de amor. E nunca mais se separaram. E houve um poeta na terra de Martins Fontes que tão bem definiu a saudade e o seu aroma - Olavo Bilac -, encerrando-a, esta palavra lírica, este axioma do sentimento, do fervor materno, num verso, mística flor da língua camoniana: "A saudade é a presença dos ausentes".

Martins Fontes queria que o coração pulsasse pelo lado de fora, mesmo quando rugisse. Queria-o feito só de bondade e de amor apesar de sofrer, imitando um emblema que nos condecora a alma. Queria que o seu coração, ressangrando, se igualasse aos dos heróis, dos santos, dos sábios. Sem vaidade e sem ressentimentos, Martins Fontes orgulhava-se de sempre ter trazido o coração na boca.

O coração do Poeta era um templo subterrâneo. A saudade, na profundez das naves, entre aromas, erguia um cântico lúgubre. Martins Fontes perguntava: - Onde estão os meus mortos? Os meus irmãos? Onde paira o mundo que eu amei? Nunca mais. Somente ouvia dobrar o eco, abalando-lhe a abóbada do crânio. Íntima ou publicamente, afirmava o Poeta, nos declararemos, vencendo os impulsos de assomo. Cumpramos o que dizemos e que o pensamento amadureça igual ao fruto, nascendo da flor do sentimento.

Exponhamos à luz o nosso humanismo e ostentemos o coração, livre, límpido, brilhante, parecido a um emblema no peito. Os primeiros trabalhos da criança são um desenho e uma cantiga. No desenho, consiga-se o debuxo sem esforço, aperfeiçoando-o. Da cantiga, guarde a velha doçura. Tenha o retrato da mãe a um lado, e o canto de ninar na memória. E o canto de ninar de Martins Fontes era um apelo ao coração para que, a dormir, escondesse velhos males. Que seus suspiros tivessem o perfume das flores e que descansasse sem temor, dormindo ao som duma canção, porque somente há dois bens no mundo: o sono e a miragem da esperança.

Martins Fontes gostou sempre de se sobressair, acima da vulgaridade, no alor, na linguagem, no espírito, no trajo, sem se importar com as chacotas, orgulhando-se de ser único entre os próprios nababos que gastam a rodo e não o suplantaram. Apreciava os ingleses que, requintados, saboreiam iguarias esquisitas. Assim, ele gostou de, na gravata, ou na frase, usar alfinetes raros, pedrarias desconcertantes, mas de bom gosto. Sempre teve a predileção das pantalonas de xadrezinho, das gravatas de seda, azuis ou negras, repontilhadas de bolinhas brancas. Ele não era alegre, era dado. Doía-lhe a compaixão. Ria, brincava, com a ingenuidade do seu demônio familiar.

Martins Fontes nunca foi o que parecia a muita gente. Quanto a ele mesmo, se desconhecia. Era pessimista e amargo, pelo avesso, sem ninguém o supor. Vivia em contínuo e trágico arremesso, desvairado de cólera. Era diferente do que mostrava, e recalcava a agonia complacente porque se sentia bom, e nele se ampliava, inteligente e consoladoramente, a mentira da alegria. Ele não gostava de si próprio e não sabia porque era amado. O remorso aumentava, e se esforçava em trabalhos. A dor moral o crucificava. Desconhecia os crimes de outrora, cujo castigo o apavorava, ou o mal que praticou noutra existência, para expiar gemendo.

Quando, no seu jardim, se analisava, Martins Fontes, divulgando seus defeitos mais íntimos, se abalançava a se julgar sem culpa. Alcançava a paz da isenção, e, divergindo dos outros, não se cansava em consagrar a Carne. Quem for humano será como ele e jamais poderá querer mal a sua mãe, não compartilhando da crença de que ele é má. Martins Fontes, quando elogiava, o fazia de coração. O seu exagero era sincero. Amava com desvario, e sentia quando exalçava fervorosamente o que venerava. A febre da paixão, contrapunha à realidade. Visionário enamorado, se a vida fosse o que sonhava, o vulgar seria excepcional.

O regato fluía, aos serpenteios, pela mata, como se fosse porcelana ou marfim, madrepérola ou prata, ágil, rindo, a correr, e num jardim parecia uma criança alegre folgando. Pois, Martins Fontes se comparou ao regato que solta as suas toadas e imita o sabiá, o uirapuru. Ele pedia ao sabiá-laranjeira, ao canário-da-terra e ao pintassilgo que cantassem para minorar a tristeza da vida, a dor e a saudade. Ele também fazia versos para consolo dos que sofrem, porque se considerava um tié-fogo santista, tieté da serra, sabiá e canário.

Sempre viveu de amor. Ainda na infância, se enfebrecera por amor. A sua primeira poesia, quando ainda não sabia ler, foi uma confissão amorosa. O seu suspiro na agonia, quando a última flor do seu Verão murchasse na tarde friorenta, seria também uma canção de amor, beijo, ai, leve harmonia.

Quando ele era criança, ficava o dia inteiro, ao sol, junto dos tanques, no terreiro, fazendo bolhas de sabão. As lavadeiras que passavam, paravam e se riam do seu divertimento. Cresceu, sofreu e sonhou. Então, homem e artista, ainda lhe aprazia aquele divertimento e ficava pensativo fazendo versos como outrora bolhas de sabão, soltas ao léu, umas pequenas, outras grandes, umas subindo muito alto, outras vagueando ou sobrepairando até que estourassem caindo em gotas de água! E velho, desiludido, a alma se lhe ia extinguir evaporada como as próprias bolhas de sabão.

Nos dias de chuva, sombrios e silenciosos, o poeta ficava à janela, por cujos vidros úmidos e baços via a dança das folhas amarelas ao balouço do vento. A estrada deserta. A chuva caía, tamborilando. E ele estava triste e escrevia um nome na vidraça. As letras depois se transformavam em pérolas, escorriam como se fossem lágrimas do seu coração soluçante, e desapareciam lentamente. A vida, miragem passageira, assim brilha e passa como fumo sobre as asas do vento.

A alma do poeta é como o céu, acabrunhado e cinzento, sentindo a mesma tristeza na música da chuva. Nos dias esplêndidos, às vezes a chuva cai e o céu se escurece. Também quando se está alegre e se ri, os olhos se umedecem. A chuva cai em torrentes sem que lhe saibamos a causa. Pois a gargalhada provoca o pranto. A causa é algum desgosto ou saudade; e as chuvas de agosto se parecem ao nosso choro, quando rimos. Há sorrisos que vêm do sofrimento e persistem entre lágrimas, como arco-íris que brilha, entre névoas, no céu cinzento, sobre a tarde melancólica. O amanhecer infunde igual melancolia que há no anoitecer. A doçura azul da claridade matinal lembra a saudade, e onde transparecem luzes indistintas.

Martins Fontes, em vida, foi essa luz, mas nem sempre se tem essa graça porque somos fumaça e sombra. Quando sofria, ele se trancava, se isolava do mundo, imitando as aves que vão morrer longe nos bosques. Sabia iludir toda a gente, quando aparecia, "tendo o brilho e a beleza da saúde, a elegância do trajo, e das maneiras".

Aconselhava, pois, que, se sofremos, devemos ocultar a causa do mal aos nossos próprios amigos, poupando-os porque, se vivemos para amar, nos sentiremos satisfeitos em não fazer ninguém chorar por nós. As nossas palavras devem ser consolos, ocultando atribulações negras e amargas. Não é próprio dum coração nobre espalhar aflições.

Entretanto, suplicava que atendessem à sua dor, ao seu suplício, e que tivessem dó da sua solidão. Viveu como um monge exilado e visionário, em silêncio de aterrar, onde escreveu o seu diário de pecador do mundo, à hora do Ângelus. Por isso, Martins Fontes queria deixar de assinar os sonetos que compunha porque se sentia triste sem saber a causa, que julgava ser a miséria e o enfado. Sonhava se anonimar, se despersonalizar em vida porque somente produzia ninharias e, como árvore, em vez de flores e frutos, soltava folhas amarelas.

Martins Fontes considerava o seu cigarro o resumo da ilusão. Perfumava-o de violetas ou rosas. Provava-o. E no fundo via, em espirais, as mutações da fantasia a divagar. Fulgiu, queimou, viveu, produziu rápido prazer, igual àquele que sentia num instante de delírio, quando uma linda mulher lhe recitava os versos, num baile ou vesperal, agradecendo-lhes com beijos nas mãos liriais. E tudo, depois, se desfez em cinza. Assim é toda a delícia que há na vida que não nos satisfaz e onde somos como os bonecos do teatro de Guignol, de que as crianças se riem e nos fazem rir.

Martins Fontes, ao se ajoelhar a um berço, em adoração e penitência, pedia perdão a Ariel que é o sorriso, o espírito, a ingenuidade, graça e origem da inspiração. E pedia que não contasse a Miranda o mal que havia nos seus versos, em soluços que Próspero conheceu. Imemorial, ele sofria a dor de viver e pedia o perfume do seu beijo ao Ideal.

Tudo demora e é feito lentamente, menos a morte que é instantânea. Livre de crenças, preconceitos ou perturbações da loucura, Martins Fontes vivia sujeito ao mistério do mal. Isso pensou ao ver uma rosa na haste a se balouçar, tanto custou a florir e num instante se desfolhou. Mas as rosas de Martins Fontes ficaram negras, semelhantes às que dois químicos conseguiram fazer, em cujas corolas há tenebrosidades inéditas, tal como as imaginavam Baudelaire e Raimundo De Zulle, ressurgindo esse símbolo do esquecimento de sete séculos.

Pois a Rosa Negra dominou o roseiral de Martins Fontes onde outrora havia rosas de todas as cores. Iguais às rosas negras, existem no céu as estrelas negras. Quem nasceu sob o seu signo de mau agouro errará pelas florestas, louco e triste, porque elas geram mágoas e lágrimas.

Martins Fontes dizia que quem entrasse pela primeira vez numa igreja tinha direito a três pedidos que se podem resumir em um. Uma tarde, ele entrou numa capela sertaneja e rezou à Virgem dos Poetas queixando-se de que se sentia cansado de tanto sofrimento e, suplicando a morte, pois precisava, devia e queria morrer, como morreu Anatole France, mágico ateu, incomparável mestre, adorável artista, de olhos fitos na esposa a balbuciar: - Mamãe! Minha Mãe!

O Poeta, quando morresse, queria ter uma campa toda florida para que fosse um recanto do sonho onde os namorados viessem falar dos seus amores. Essa era a mais ambicionada homenagem ou ventura que podia ter um poeta, o qual bendiria a sua ventura se depois da morte fosse sombra alegre a um casal amoroso, a mais íntima das recompensas, porque o amor não vive um dia em cada primavera como as rosas.

Tudo acaba no mundo. A vida é sonho ilusório. Mas o amor é sempre o amor no infinito dum segundo. Martins Fontes pediu que, se algum amigo o quisesse honrar, depois da morte, beijasse uma boca de mulher, junto ao túmulo onde repousaria eternamente, porque, então, o comoveria a saudade que causaria aos amantes. Para amenizá-la, retribuiria assim a amizade. Ou quando se lembrassem dele, que olhassem uma rosa e aspirassem o perfume do jasmim, e que alisassem a seda de qualquer tecido róseo-cinzento, azul lilás, para logo se consolarem, num dia de sol do Brasil.

- Imaginem, dizia Martins Fontes, minhas cinzas esparsas a se desfazerem no ar, meu coração em oferenda ao sol... E como desejo ser cremado, ó vós, queridas e formosíssimas raparigas nascidas depois da minha morte, quando o noroeste santista, como hausto de Suriá, comburindo, ignifulgindo, abrasar a cidade de Santos, dizei: - é a alma penada de Martins Fontes a ignifremir, noroestando no espaço, pagando, como demônio fugido do inferno, todos os pecados que acendeu neste mundo, e dos quais nunca se arrependerá, PER OMNIA SECULA SECULORUM...

Assim filosofou o Cavaleiro do Ideal.

Santos, dezembro de 1940.