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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - O "Vulcão" - BIBLIOTECA NM
Martins Fontes (13-III-08)

Clique na imagem para voltar ao índice da obraO livro Martins Fontes, do escritor e historiador Jaime Franco, foi publicado em agosto de 1942, tendo sido composto e impresso nas oficinas da Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais Ltda., da capital paulista, com capa produzida por Guilherme Salgado.

 

A obra faz parte do acervo de Rafael Moraes transferido à Secretaria Municipal de Cultura de Santos e cedida a Novo Milênio em fevereiro de 2014, pelo secretário Raul Christiano, para digitação/digitalização (ortografia atualizada nesta transcrição - páginas 297 a 304):

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Martins Fontes

Cavaleiro do Amor

Cavaleiro da Arte

Cavaleiro do Ideal

Jaime Franco - SANTOS - 1942

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III – CAVALEIRO DO IDEAL

8

Como Epicuro, Martins Fontes procurou o prazer e a alegria da vida na cultura intelectual e na prática da virtude; declarava a matéria princípio positivo e único das coisas. No final da jornada que previu com certeza matemática, Martins Fontes encontrou a satisfação ao seu anseio na Filosofia Positiva, rematada pela Moral, base da religião da Humanidade, única religião demonstrável.

Dedicou-se ardorosamente ao estudo do positivismo, induzindo os fenômenos cósmicos da vida, na intenção de perscrutar a Verdade, com a qual aparece a melancolia e o pavor ao contemplar os povos em luta desigual, em flagrante desrespeito às leis da ciência que nos dão direitos comuns ao ar, à água, à terra e à luz!

Para os que contemplam assim o mundo e a vida, cheios de mentiras e de misérias, há o desejo, como o do Poeta, duma Casa da descrença, tal qual um asilo, um hospital para os doentes da inteligência.

Martins Fontes encontrou-a na Casa da Rue Monsieur Le Prince, nº 10, em Paris, onde Augusto Comte criou a Religião da Humanidade. De joelhos, no limiar dessa casa, Martins Fontes proferiu a sua oração. Confessou que sofreu a mais negra amargura, entre espinhais, como doido, onde se perdeu. Esqueceu o passado. À porta desta casa, aceitou a sorte "de que absoluto existe unicamente a morte". Quis ser frade. Pensou no suicídio. Quase chegou ao presídio pela questão social. Feriu mil vezes a Incerteza, em contínua revolta, sempre afoito.

No termo da crise, sem repouso, sem paz, sem tremor, sem deslize, encontrou a Filosofia de Comte, como consolação eterna. Charles Jundziel, numa ode ao fundador do positivismo, enalteceu o profeta que predisse e prometeu um mundo novo depois das ruínas do atual e que a humanidade não morreria, renovar-se-ia para um futuro glorioso.

Para Martins Fontes, o positivismo era a filosofia inicial desse futuro, em cuja moral encontrou a satisfação suprema da ansiedade espiritual do homem, como complemento do sistema social do anarquismo, a máxima e perfeita organização política da Humanidade.

Chega-se ao positivismo pelo estudo e pela extensão da cultura enciclopédica. Do simples ao heterogêneo, o Poeta sentia, comovido, a vanidade geral, mas se abstraía e no sonho encontrava lenitivo. Quem sofre porque pensa, tem a certeza da inanidade de tudo.

Martins Fontes não foi pelo saber, caminhando pela estrada da amargura, que atingiu a doutrina, compreendendo-a, mas pela moral que o atraiu e o deslumbrou, porque a sua perfeição encerra poesia pura.

Esta obra final de Augusto Comte seria um poema em treze cantos que compreenderia, como complemento estético, revoluções e surtos da Europa. O idioma seria o italiano, cuja beleza lírica "tem o aroma suavíssimo da graça". Um Dante seria o proclamador do poema. As ideias ou pensamentos de Augusto Comte ornariam as estrofes onde ele diria que a humanidade é o conjunto de seres, cadeia dinâmica de mortos e vivos, para instituir o bem e o verdadeiro, buscaria o motivo moral segundo a concepção do belo. O positivismo tem deveres e convicções, mas alegra os espíritos, disciplina, instrui, rege e consola.

A Virgem Mãe governa o Ideal e inspira o amor, esclarecendo a fé. As cordas da lira choram, na eterna viuvez, a Saudade. Sonhemos pois, dizia o Cavaleiro do Ideal, essa epopeia que Augusto Comte delineou, pela qual elevaria o homem à Humanidade. Augusto Comte subiu da lógica à moral, a ordem e o progresso, e ascendeu pelo Azul, e a sua atividade foi o indício da atividade universal. Caminheiro dos Espaços, quem confronte o seu poder com o dos mundos, o incorpora aos planetas eternos. O espírito horizonta-os, e horizonte é a rima exata de Augusto Comte.

Martins Fontes, embrenhado nos labirintos da filosofia, pressentiu o fim da jornada com a razão cheia de tortura e sem consolo na fantasia. Parou nas encruzilhadas da selva, em meio de crises e ciladas, ante o abismo negro. Buscou um refúgio onde houvesse a paz moral. Felizmente, viu, no horizonte, um pomar aberto a sorrir ao sentimento, para onde caminhou. Ao chegar, a tempo, encontrou a nascente que lhe consolou as dores, no vergel d Augusto Comte. A razão não bastava e necessitava-se do sentimento, porque a ideia glorificadora das frases vem do coração.

Martins Fontes, quando estudava, meditava na poesia e na beleza do positivismo, de que Augusto Comte foi o poeta lírico. Martins Fontes, rendendo o seu culto ao maior dos filósofos da vida ascendente, criador duma religião demonstrável, honrando o romantismo, bendisse também o criador da palavra Altruísmo na França. Amando o Grande Ser, angeliza-se a Mulher.

Ele, Martins Fontes, nada sabia de mais belo que o testamento de Augusto Comte, no qual se vê que a vida é ideal e a civilização provém do sentimento. Augusto Comte sentiu e provou que todo bom pensamento vem do coração e a vida se, ascendente, se traduz na espiral.

Martins Fontes louvou a sexta carta de Augusto Comte a Clotilde de Vaux, oferecendo-lhe o Sistema de Política Positiva, primor de sensitividade, maravilha e finura, que a arte francesa jamais conseguiu alcançar. Clotilde, que sentiu essa afetividade, ultrapassando a própria Natureza, foi imortalizada como flor que concretizasse o sonho da beleza ideal.

Martins Fontes contava que, em certa manhã de abril, um moço inglês visitou Augusto Comte. Quando lhe apareceu à porta, não o reconheceu. Estava tão velho que não parecia o professor de outrora, rígido no ensino, heroico, suportando as agruras da vida. Parecia antes um apóstolo da nova religião, o maior Homem da Humanidade, que vivia entre a prece e o trabalho, em cuja sapiência e bondade se assemelha a Francisco de Assis.

Augusto Comte prezava o verso branco e a simplicidade. Com este metro, Martins Fontes lembrou a Raça Negra de quem Augusto Comte foi o primeiro defensor do mundo. A raça negra, pela afeição, pela dedicação, merece a gratidão da Humanidade. No Brasil, nunca lhe pagaremos os sacrifícios feitos.

Martins Fontes podia calcular o volume destes sacrifícios. Todos os brasileiros tiveram uma velha mãe preta que contava histórias e consolava dores. Todos os lares deveriam guardar uma lembrança dela, ao lado de outros mártires. Augusto Comte queria também a hospitalização para o cavalo doente e, na velhice, a aposentadoria; e, como ao cavalo se fizesse o mesmo com o cão, incorporando-o à humanidade! Este pensamento comovente, disse Martins Fontes, só podia nascer no coração do maior dos entusiastas da Cavalaria.

Na casa onde Martins Fontes nasceu havia, em alta mesa, o retrato de Augusto Comte. Ele se recordava do olhar terno do Mestre dos Mestres. Mais tarde, na idade madura, prestava-lhe homenagem com as reminiscências que equivaliam a lembranças floridas da mocidade, transformadas em frutos da Razão.

Martins Fontes, desde menino, contemplava o retrado de Augusto Comte, no leito de morte, que ele ultimamente tinha na parede por sobre a mesa de trabalho da "Capela", onde se via também o retrato de Goulart de Andrade, cuja morte o arrastou às regiões da filosofia em busca de moral para a humanidade moderna. Ao lado, havia outro retrato de Augusto Comte e de Clotilde de Vaux, em pose.

Martins Fontes, nos seus longos momentos de meditação, a sós no gabinete de trabalho, cerrava os olhos e via a gravura, não como fúnebre, mas conforme a veneração futura. Na face de Augusto Comte brilhava qualquer luz de glória imortal. Através da sua grandeza havia, ao mesmo tempo, o clarão da lua e o ardor do sol, como símbolo da vida.

É urgente, filosofava Martins Fontes, a coordenação da situação moderna com o rejuvenescimento de novo cristianismo em que se funde a unidade dos povos. De Maistre previu o aparecimento do homem que reuniu a afinidade da ciência e da religião e que provou, pela filosofia, que o mundo pode se renovar.

E o profeta nasceu – Augusto Comte. Aos positivistas que glorificaram a memória do Filósofo-Artista; aos que, na vida torturante, trabalharam com método, e elevaram desinteressadamente a melhor das Basílicas da História; aos que se esforçaram na humildade a erguer esse monumento, com a fé que remoça os corações – Martins Fontes rendeu a homenagem de velho ermitão, com o beijo e a gratidão do discípulo-operário.

Assim, volvendo-se para o Brasil, colocou ramos de violetas do seu culto sobre a campa em que jaz Teixeira Mendes. Ao florir-lhe a sepultura, a reverência invadiu o coração de Martins Fontes que sempre louvou o saber e a bondade, sendo a mais alta expressão da santidade e da cultura.

Ante o retrato de Miguel de Lemos, o Poeta notou que no seu rosto se refletia a nobreza que indica as conquistas do Belo. Miguel Lemos expunha a doutrina com simplicidade e elegância. Foi ele quem trouxe Teixeira Mendes ao positivismo.

O poeta admirou Mariano de Oliveira, outro mestre do positivismo brasileiro, que durante trinta e três anos de viuvez viveu de saudade e, ilustre e bom, foi considerado um sábio e um santo; e Saturnino de Brito, positivista fiel, grande sanitarista que saneou Santos. Entre quatro mil túmulos, a cidade de Paris elevará precioso monumento aos granes homens, em cujo recolhimento e silêncio reinará a Saudade, como jardim ou bosque sagrado da Filosofia, ao qual se ampliará o panteão de Augusto Comte.

Sempre que Martins Fontes pronunciava este nome, tinha a impressão de que se inspirava na bondade do seu gênio cíclico, na amplitude do seu saber enciclopédico, capaz de ter fundado um sistema de moral positiva em que, pela abstração, se fundamentassem todas as conquistas da civilização, para o lento aperfeiçoamento do homem.

Observou Martins Fontes, numa das suas notáveis conferências, que, como na religião demonstrável de Comte a mulher ocupa a supremacia, a cavalaria medieval, glorificando-a, não podia deixar de empolgar, de apaixonar a alma heroica do maior dos filósofos, do poeta que viveu, perpetuamente, num surto de razão abastarda, do divinizador da Humanidade, o Grande-Ser do nosso culto.

A Idade Média é caracterizada pela binária coordenação do catolicismo e do feudalismo, da religião cristã e da cavalaria. Como resultado da ação destas duas forças, conjugadas, verificaram a necessidade das conquistas seguintes: purificar e dignificar as paixões humanas, vencendo o orgulho, aniquilando a maldade, dominando a carne; melhorar, dignificar, glorificar, santificar a mulher; proteger todos os fracos, honrar o caráter, elevar o espírito; suprimir a guerra universal, transformando a guerra de conquista em guerra defensiva; estabelecer o governo verdadeiramente local, sob a sanção do dever recíproco, em vez da sujeição centralizada; acabar com todas as escravidões, fundando o trabalho livre.

Como plano político, as leis do integralismo social de Malon, as aspirações do socialismo científico de Marx ou do anarquismo ideal de Elisée Réclus, não podem ir além destas seis funções ou cláusulas, sistematizadas na evolução para o positivismo, para cuja realização, através dos séculos, têm cooperado os eleitos, os grandes homens, que constituem o Conselho da Humanidade, onde todos, na multiplicidade das suas ações, na esfera do seu tempo, cumprindo deveres diversos, são Cavaleiros do Ideal, Paladinos do Sonho.

A moral positiva se torna, assim, parte integrante da religião da humanidade futura que inaugurará a terceira organização social, chamada sociocracia, cujo regime será científico-industrial. O governo espiritual será exercido pelos sábios; o governo temporal pelos chefes da indústria. Ambos resolverão o duplo problema legado pela Idade Média: estabelecer uma fé demonstrável e incorporar o proletariado à sociedade moderna. Esta será a tarefa do Século XX.

O Cavaleiro do Ideal imaginava, em sonho, o que seria a sociedade futura. A distância desapareceria. Conhecer-se-iam os segredos do passado e desvendar-se-iam as surpresas do futuro. Ir-se-ia à Europa em três dias. Falando pelo telefônio ou enxergando pelos aparelhos de televisão, estaríamos na intimidade das nossas famílias, tomando parte nas palestras, agindo à distância. Recitar-se-iam conferências em toda a terra. Estaríamos presentes, sempre.

A vida estelar seria perfeitamente conhecida e apreciaríamos as idades extintas da terra, a época terciária, o período quaternário até o aparecimento do homem, os mundos mais atrasados e os planetas superiores na evolução cósmica.

Enfim, nos deslumbraríamos com as conquistas da ciência de amanhã que substituirão os mistérios da alquimia, e a poesia das lendas, quando o homem, super-humanizado, tiver chegado à Anarquia, final etapa da sociocracia. As grandes descobertas nos trazem incalculáveis benefícios, tais como portas escancaradas no horizonte, ou pontes sobre abismos. O espírito, através de pesquisas e pairando longe, fornece à coletividade ofertas redentoras de martírios incríveis. A futura medicina aguarda o prodígio de conquistas, pela astronomia, a magia, a quimera, a maravilha da astroterapia.

Neste seu arroubo de visões fantásticas, o Poeta alcançava o estado da hiperestesia, pelo qual nos livramos da espessa matéria, lutando com o espírito que a vence. O fluído astral, então, se evola. Percebemos o íris, em cada raio. Ouve-se a música pelos olhos. Ouvem-se as cores, veem-se os sons, como se conhecêssemos o macio dos tons nos coloridos. Ouvimos em ouvidos e vemos o mistério de olhos cerrados.

Não se aspira à angelitude, nem se pretende o impossível com tal estado, porque se é humano. Cada qual fez o que pôde. No futuro, uma voz se levantaria para louvar o legado moral que é a herança da comunidade. Guardaremos de cor este consolo – ama, perdoa, esquece. Assim, pelos filhos, os vindouros ainda serão melhores.

Sobre esse legado moral, Martins Fontes confiou-me, verbalmente, durante algumas semanas de estudos e pesquisas que fizemos juntos naquele mundo caótico de livros da Biblioteca da Humanitária, em reorganização naquela época, uma síntese desses princípios que resumirei sem que cite autores porque se consultaram dezenas, talvez centenas, sempre às pressas, com pouco tempo para anotar nomes, datas, páginas, linhas.

As consequências da moral dos materialistas, com sinais de metafísica e incompletamente científica, são: o Universo, provável e complicada máquina em lento aperfeiçoamento, a teoria de Darwin, a luta pela vida a dominar homens e coisas, pela qual os fortes destroem os fracos, os pseudo-civilizados liquidam os selvagens, e a raça branca (indistinguível no falso arianismo) faz desaparecer as raças amarela, preta e vermelha, o que somente se concebe nos vegetais e nos animais irracionais, cuja nutrição é, para ambos, limitada na terra. Daí a luta. O homem, ao contrário, possui os instrumentos de que necessita para se alimentar ou se prover a si e à família, sem necessitar de luta com os seus semelhantes.

A teoria materialista leva à guerra perpétua entre os povos. Por isso, muitos materialistas se firmaram, indecisos, na moral católica e ao mesmo tempo na ciência, em verdadeira contradição. O espírito científico unido ao coração teológico. Outros firmaram a moral na "Consciência", quer dizer, espírito científico, coração metafísico. A ideia de consciência é puramente metafísica. A consciência não é um fenômeno psíquico fixo, mas sim móvel, variável de indivíduo para indivíduo, e no mesmo indivíduo conforme a idade. Tomando-se por base a consciência, teremos tantos sistemas de moral quantos os temperamento ou caracteres humanos.

Outros ainda, não querendo retornar à teologia ou à metafísica, vivem desorientados e se guiam pelo egoísmo. A solução do problema da moral não está nem na teologia, nem na metafísica, e sim na ciência, como verificou Augusto Comte que construiu a filosofia positiva e fundou a religião da Humanidade, para alcançar a unidade na alma humana e formar o acordo entre o espírito e o coração, entre a inteligência e o sentimento.

A moral existe para que os homens possam viver em sociedade, cuja razão de ser é a própria utilidade, e cuja origem se encontra na existência das sociedades humanas e mesmo na ideia de humanidade.

Esta ideia se compõe de duas ideias simples: associação no tempo ou continuidade entre as gerações sucessivas; e associação no espaço ou solidariedade entre homens contemporâneos.

A humanidade, graças a estas duas ideias simples, evolveu desde a animalidade primitiva até o homem civilizado dos nossos dias. A ideia de associação deu lugar ao respeito recíproco à vida, aos bens etc., dos associados, e, como consequência, deu origem ao sentimento de justiça.

A necessidade de justiça conduziu à determinação dos direitos e dos deveres de cada um, e à regulamentação das relações entre os associados que se dividem em físicas ou o Direito que regula os atos externos das relações entre os homens e entre estes e a Natureza; e em psíquicas ou a Moral que regula os atos íntimos da inteligência, da atividade e do sentimento.

Esta é a origem da moral humana positiva. A justiça imperfeita, como existe, se aperfeiçoará à medida que a inteligência cresça e a associação se expanda por todos os povos da Terra. A justiça perfeita é o ideal que se chama Equidade quanto ao sentimento, Verdade quanto à inteligência, Liberdade quanto à atividade ou caráter.

E por isso, dizia Martins Fontes, que era impossível ser-se justo. As sentenças, mesmo implacáveis, dá-las-emos ainda que inspirados num alto sentimento. Não devemos querer ser juiz para que não fiquemos em dúvida com laudos. Religioso ou ateu, sendo a justiça impossível, em nosso tempo, devemos ser bons, do que ninguém se arrependerá. Eis porque o problema moral consiste na supremacia do altruísmo sobre o egoísmo.

O Apóstolo São Paulo designou estes sentimentos por Natureza e Graça, base da teoria da moral católica. Natureza é o conjunto de pendores egoísticos, fundamento da personalidade, ou a concupiscência, que se desenvolve fora da influência divina. Graça é o conjunto dos pendores altruísticos que vem de Deus.

Desta teoria surgiu a predestinação dos eleitos de Deus que influiu poderosamente sobre a humanidade. Esta concepção tinha o defeito de estar ao livre arbítrio ou a capricho da vontade, assim como prova de que as religiões, principalmente a cristã, foram sempre as grandes inimigas da Terra, porque repousam sobre a ideia da renúncia ás realidades terrenas, aos encantos do mundo – o amor, a beleza, o gozo, a contemplação inteligente dos espetáculos da natureza, a agitação da alma em busca da comodidade do corpo – em troca da felicidade que se logra aos pés de Deus, na glória divina, e até dos sofrimentos preferíveis do purgatório, para alcançar a redenção, a graça…

O processo da confissão pelos padres católicos permitiu a preponderância do altruísmo sobre o egoísmo. O altruísmo ainda era desenvolvido pela prática das esmolas, da oração, para colocar os fieis em estado de graça. Pois, para Martins Fontes, a confissão era uma necessidade do homem que não pode se esconder. Quem se externa, glorifica a verdade. A confissão é como timidez de noiva que, velando-se, antecipa o compromisso da absolvição.

Quem interpreta as faltas alheias é pecador, e assim o verdadeiro sacerdote seria o poeta. No positivismo se considera a existência da predestinação no sentido de que os indivíduos nascem bons ou maus, formando a massa medíocre, e somente a instrução e a educação positivas poderão melhorá-las, infundindo a higiene intelectual, física e moral.