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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - O "Vulcão" - BIBLIOTECA NM
Martins Fontes (13-II-13)

Clique na imagem para voltar ao índice da obraO livro Martins Fontes, do escritor e historiador Jaime Franco, foi publicado em agosto de 1942, tendo sido composto e impresso nas oficinas da Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais Ltda., da capital paulista, com capa produzida por Guilherme Salgado.

 

A obra faz parte do acervo de Rafael Moraes transferido à Secretaria Municipal de Cultura de Santos e cedida a Novo Milênio em fevereiro de 2014, pelo secretário Raul Christiano, para digitação/digitalização (ortografia atualizada nesta transcrição - páginas 199 a 207):

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Martins Fontes

Cavaleiro do Amor

Cavaleiro da Arte

Cavaleiro do Ideal

Jaime Franco - SANTOS - 1942

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II – CAVALEIRO DA ARTE

13

O sentimento estético, disse Martins Fontes, quando se aviventa, radia na Arte, irradia na Beleza, tornando a Vida paroxística; cada civilização, depois de ter dado grandes filósofos, grandes sábios, coroa-se de artistas, ecos sonoros, Corações da Criação.

A arte redime a dor e consola a tristeza da vida. Só ela é moralidade perfeita, Beleza absoluta. E mais. Crente, profundamente crente de que nada poderia suavizar essa tríplice amargura – a doença exasperante, a velhice venerável mas inconsolável, e a morte fatal – Martins Fontes consagrou a vida à Beleza e ao Amor, cultivando na Arte a harmonia das formas e das linhas, adorando religiosamente a Mulher.

Venha de onde vier, a Beleza é sagrada e inspira gratidão. Sempre, um dia de sol, uma rosa orvalhada, uma estrela azul, uma boca em flor, um verso primoroso, faziam Martins Fontes sorrir, obrigando-o ao reconhecimento genuflexo.

A Beleza nasceu na Hélade, de onde passou à Itália, que a possuiu, e à França, que lhe levantou um tempo e onde os enciclopedistas a objetivaram, humanizando-a. A Beleza é a força e a graça na simplicidade, e são seus reflexos a elegância, a distinção, a esbelteza, o donaire, o alor, a delicadeza, a espiritualidade.

Martins Fontes adorava todas as belezas, mesmo o belo horrível, a beleza trágica, porque é indefinível, é uma ilusão, e humanamente não pode ser excluída da vida, da vibração dos nossos corações. A beleza é sagrada, e para os artistas é o mistério profundo, indiferente ao mal, desprezando o decoro. Ao artista, desde que o mereça, não se deve negar o aplauso, mesmo a quem se nega a mão, como procedia Martins Fontes com os seus inimigos e rivais e com os que deixavam de merecer a sua amizade por atos desonestos e deslealdades.

A molécula, o átomo, renovam a Arte. O invisível deslumbra a fantasia. Ante as maravilhas prismáticas, rubescências, nitidezas, rutilâncias, piscas, cintilhas, policrômicas da biologia, a ficção se nulifica. A natureza, inventora, improvisa sempre. A arte,um trecho dessa natureza, é infinita e uma fatalidade.

A arte fica acima da moda; além da moda é eterna. Nunca as escolas valeram por si, mas sim pelas personalidades que as compuseram. Não há cenáculos, há artistas. Não pode haver fôrmas, praxes, estatutos nem regras para a Beleza, porque a Arte é o Azul, a harmonia no infinito. Na obra de arte há três elementos, confirmou Ricardo Léon - a realidade (a matéria-prima do artista0, a emoção (a inspiração, fogo sagrado) e a técnica (o trabalho, a rte, a forma que dá ser às coisas, a experiência do ofício, a prática profissional).

Como a Arte é o Azul, atravessando a Via Láctea e o céu dum a outro lado, os Poetas bradam: Azul! O Azul é a sede infinda e resume todo o amor, subindo-se, pairando-se nas alturas como paladins zodiacais. Explica-se, pois, porque Martins Fontes criou, para seu Ex-Libris, o símbolo da sua arte: - "sobre um negro cavalo bardado, um Pierrot de Willete vai, por uma estrada florida de rosas, com os olhos fitos numa estrela. Uma nuvem, em forma de lírio e mulher, paira na altura. No céu, em torno do astro, a divisa cavaleiresca: Incomparável! Rumo do Além, no ar, o lema religioso: A Arte é o Azul! Na lâmina da lança a inscrição: Tudo, ou nada!"

A ciência prova e a astronomia demonstra, em símbolo, que a Arte é uma síntese do Azul. A Arte seduziu a Martins Fontes e, durante muitos anos, religiosamente, ele lhe dedicou fervor único. Viu, na sua paixão, sem achar consolo, que tudo no mundo era só mágoa. Serviu à Liberdade, lutou pela Paz.

Entrado em anos, desiludido, foi mais que um pássaro encarcerado. Chegou, triste, diante do mal e da benquerença, à máxima descrença, na extrema tolerância, tendo vencido a alma em desespero. Se a dor não pudesse ser cremada, queria como única recompensa a inconsciência do Nada, no silêncio da Terra.

Ele nascera artista e como artista havia de morrer. Revelou-lhe essa missão na Terra, ainda na infância, o poema Florise, de Banville. Sonhou compor um poema como este, desfiando as rimas, verso a verso. O fim era conseguir que a Arte nos divinize pela fé, aa Arte acima do Amor, capaz de obter que o trabalho consiga o absoluto na forma, a perfeição suprema. Essa era a Beleza que Martins Fontes buscava.

Abençoava Florise, imarcescível flor da poesia, francesa, perpétuo e modelar lis do parnasianismo que o encantou em poeta. Criar é a desventura, o horror e a fadiga de se por o coração a sangrar num poema. Ao homem, filho da terra vil, sob o peso da algema, a sorte o condena, espezinha, e o destino o arrasta enquanto o espírito blasfema no cárcere do corpo. Quanto melhor ser fútil, elegante, inútil. A dor do pensamento nos arrasa, corrói e transmuda em fantasmas, assim como quando o sonho de arte não satisfaz pelo pavor das formas humanas, da contextura em que se encontra uma alma sôfrega de perfeição extraterrestre.

Confessava Martins Fontes que Shakespeare lhe revelou essa beleza extra-humana, a graça etérea, a virgem pairando e volteando no espaço infindo, livre como um eflúvio ou nuvem, com alma de essência das estrelas e corpo de alvura dos luares. E por isso, a palavra lhe pesava, como sentia espesso, pela sua estrutura, o arcabouço da forma que impedia que a ideia se transformasse em fluidez olímpica.

Martins Fontes quisera fazer versos que parecessem rosas, pelo tênue dos tons, pelo azul do perfume, pelo encanto sutil das gradações ondeantes, de maneira que não tornasse a expressão rebuscada, pela qual se observa que o artista é terreno e o poeta celestial.

Martins Fontes tentava exprimir a alma que o faria vibrar e procurava iluminar o seu instinto, em busca, loucamente, do exagero, mas a palavra exaltada o desmentia. Imaginava que sonhava ou que se enganava. Deslumbrava-se, sorria e, incerto, permanecia possesso e calado. Na continuidade da surpresa, ao pronunciar o nome da Estrela Vésper, dizia tudo que encerrasse beleza. Como os muçulmanos vão a Meca uma vez na vida, cumprir seus votos, assim noveleiros, escritores, poetas, homens de letras devem tentar ver a Terra Prometida, para sentir a atração de tal miragem, e se tornarem verdadeiros artistas.

Martins Fontes desejaria ser astrônomo, sábio e santo, e possuir a virtude de eternizar o seu sonho de artista batizando uma flor, aspiração jamais alcançada. Como era impossível para um pobre poeta-pastor qe nada mais era que um bom repentista, quisera ser grande e repartir a glória que se reflete e contém no Azul, na projeção da Arte, ser alguém de luz infinita para engrandecer e perpetuar Alguém, dando-lhe o nome à sua Estrela d'Alva.

Ele praticou faltas irreverentes, mas o gênio se livra da matéria e se mantém altivo sobre a imperfeição humana. Se o gênio morre e desencarna, é luz, os anos passarão mas ficará imortal. A Perfeição o separava, sujeitando-o à glória eterna, deleitando-se na impecabilidade. Se a Perfeição fosse humana, ele a amara.

Durante alguns anos, as horas correram satisfeitas. A aspereza da terra era-lhe melhor que o leito em que a Perfeição se deita. E ele seguia, como navio à vela, buscando as ambições da vida, da ignara injustiça; partia para as insídias, trabalhos, tormentos, para a delícia das coisas imperfeitas. Assim, a face em flor duma criança era uma beleza inigualável.

A arte é a natureza, e o sol o grande artista. O belo, como sonho eterno, é a perfeição da vida. Deve-se glorificar a verdade sem ambição e cantar a simplicidade "olhando as nuvens, vendo as rosas", pondo-se no ridículo a moral irracional dos povos civilizados. Os Poetas sonham a Beleza e a Arte que, na Terra, são amoráveis e indefiníveis. A obra de arte está na vida. É demência tudo que estiver fora da verdade. A vanglória nos vence e comprova quanto a celebridade mentirosa é conhecida dos artistas.

Viver é reviver, criar. Melhor que qualquer estátua, ou quadro, ou partitura, é ver uma operária a trabalhar e ao mesmo tempo a amamentar o filho. A arte deve ser graciosamente difundida para educar a plebe, e o povo sentir o perfume da existência, por toda a parte, na escola, no hospital, na fábrica, no campo, enfim para todos, porque a arte é um beijo de amor mais útil que o pão.

As três chaves do espírito e do ideal são a cifra, a letra e a nota. Esse trio denota a grandeza do símbolo. Delas irrompe a fonte do mistério. Rasgam as portas da álgebra musical à astronomia da arte, da sensatez, da poesia. A ideia, o som, o número se animam, se condensam, em três verbos – saber, pensar, sonhar.

Quem é escritor deve, pois, como os paladinos medievais, lutar sem esmorecer, afiando a pena e brandi-la até a morte. Desprezando glórias mundanas, proclamar a igualdade dos direitos e o bem comum que nos protegerá. Trabalhar ou criar, sempre cantando; transmitir o legado dum sonho; amar eternamente, humanamente; vivendo para os outros, reviver; induzir, deduzir, construir; enfim, saber prever, para poder prover ainda que na solidão viva longe de intrigas, a cinzelar um relicário.

O desespero dos artistas é ver que a sepultura tudo extingue, de roldão e no tumulto das paixões, porque só se cultua o perdurável. Despreza-se o fácil e se incrementa o retempero do aço, nos excessos da exageração, fazendo minúcias nas cinzeladuras. O tormento, doloroso e enlouquecedor, é a perfeição que se quer alcançar, na ânsia de revelar a eternidade em Arte.

Martins Fontes se espantava quando outro poeta ou escritor se lhe queixava que não tinha assunto nem vocabulário para escrever corretamente. Era não querer ver nem encontrar, na Vida tumultuosa, milhões de temas que são motivos de encantamento. Para os que sabem olhar e sentir, a Arte é o Azul, o céu infindo, a irradiação do espírito no Além, criada pelo Gênio.

O Gênio é esse poder de criar uma obra de arte, ou uma necessidade imperiosa de manifestar, pela forma e por sinais, emoções estéticas sobre qualquer motivo. O crítico, como o artista, também possui o mesmo grau de gosto e até gênio estético. Diferencia-os ser o crítico um analítico, e o artista um sintético. Tanto num como noutro, o gênio se assinala pelo conjunto da concepção.

À força de pensar no objeto que os preocupa, há uma absorção completa com o exterior, a ponto de tornar os artistas em distraídos. As maneiras originais do artista se distinguem das do medíocre, e a obra de arte deve ter a sua característica pessoal, numa independência completa da vulgaridade.

Não se deve confundir o gênio com o talento. O gênio nasce com o indivíduo e se manifesta espontaneamente, é um dom natural; o talento se adquire pela experiência e pelo estudo constante. A obra dum artista de talento se caracteriza pelo esforço que se nota ao produzir o trabalho de arte, enquanto no gênio esse traço desaparece, crê-se que seja espontânea, natural.

Tal naturalidade do conjunto não quer dizer que não tenha havido esforço. Pelo contrário, o verdadeiro artista de gênio, como foi Martins Fontes, sempre meditou, estudou, trabalhou longamente a ideia concebida. Mas, como tudo requer longa paciência, há quem se desespere e se contente com o leve esboço, copiando servilmente os modelos. É condenável. O mérito reside no poder de inventar com inteira liberdade, e de trabalhar lentamente, lutar sem desânimo, sob forma clara e sábia, a fim de conseguir a realização da obra de arte, quer seja uma estátua, um monumento arquitetônico, um quadro de pintura, uma partitura de música, um bailado clássico, um poema em prosa ou em verso. Martins Fontes realizou-a com a poesia.

A poesia, nos primitivos povos, era constituída de hinos sem formas definidas, em versos polimórficos e sem rima, renascidos pelos poetas modernistas, mas cantando com sinceridade os sentimentos coletivos em longas descrições. Com o perpassar do tempo, dos séculos, os hinos se desagregaram em pequenas epopeias nacionais. A poesia se personalizou. A missão do poeta se evidenciava. Aliando-se a todos os fenômenos da natureza, a poesia alcançou culminância, entre as outras artes, com o rigor da forma que lapida brilhantemente qualquer ideia genial, provocando novas e altas inspirações.

A arte deve conter sinceridade e vida, e a vida que seja real e verdadeira. O teatro e o romance, por este mesmo princípio, se desembaraçam dos primeiros moldes anatômicos e descritivos, e agora vibram pela ação uo pelos atos que caracterizam o homem e o meio influenciador.

A dança era uma necessidade de movimento físico para traduzir emoções da alma, mas regulando e cadenciando esses movimentos veio a produzir efeitos de beleza plástica para as demonstrações dos vários sentimentos humanos. A música, a princípio, era o grito de alegria e de dor, do amor e da cólera, ritmado e submetido a combinações e acordes que o ouvido escolhia, estendendo-se à observação que reconheceu diferença entre os sons e as emoções da alma humana.

Com o progresso da análise psicológica e o desenvolvimento do ouvido pela diversidade e multiplicidade dos sons, a melodia se juntou à harmonia que aproxima os efeitos de simultaneidade dos timbres e das notas da sucessão.

A escultura criou diretamente as formas com as três dimensões, ainda antes do desenho. Os primeiros objetos esculpidos pelo homem demonstram o desejo duma forma, assim como a elegância e a variedade da caverna. Vem depois a imitação que se aplica em reproduzir tudo. Os monumentos egípcios e assírios demonstram inteligência e característico desses povos.

Na Grécia, a escultura toma proporções geniais, afastando-se da arquitetura. Os gregos, vivendo em ambiente e numa sociedade ideais, apaixonavam-se pela forma humana, com o mais puro realismo; e com ela tanto esculpiam o modelo visível como a simbolizavam nos deuses mitológicos. A escultura moderna não é tão perfeita, mas em compensação expressa melhor o caráter e a intensidade da vida em dinamismo constante.

A pintura era desconhecida nos tempos remotos. Não há provas, a não ser o gosto instintivo dos povos selvagens em se tatuarem ou pintarem grotescamente. No tempo da Grécia não passava de escultura pintada. Era uma arte muito complexa, pois exigia do artista o conhecimento do plano, das cores e da perspectiva, da luz e da sombra, com que se distinguem e colocam os objetos no espaço. Nos tempos modernos, a pintura toma impulso, passando duma cópia servil para a expressão real da natureza, através do gênio do artista.

A arquitetura principiou nas cavernas rudimentares do homem ancestral que nem pensava nisso como obra de arte. Depois, com a criação dos deuses mitológicos e religiosos, e sempre copiando fielmente a natureza, é que pensaram em levantar monumentos arquitetônicos grandiosos em seu louvor e para o culto desses exclusivos moradores.

O homem, à força de querer melhorar a construção da moradia, foi introduzindo inovações cuja variedade a divide conforme a época e a civilização, dando-lhe caráter e estilo, e procurando torná-la utilizável pela coletividade. Os gregos introduziram na construção a coluna dórica, jônica ou coríntia, a platibanda e o frontão. Os romanos a melhoraram com a abóbada, o arco, o aqueduto e o anfiteatro, os bizantinos com os zimbórios, os franceses medievais com a ogiva.

De tantas modalidades da Arte, Martins Fontes considerava a poesia muito superior. A poesia exprime a personalidade do artista, e todos os sentimentos e ideias, consciente e involuntariamente,pelo acento e escolha dos motivos, pela profundeza e caráter das emoções; pinta as paixões e os caracteres, as paisagens da natureza na infinita variedade de nuanças. O progresso fantástico da Ciência, em todos os ramos, abriu vasto campo à poesia, melhorando as condições da Humanidade.

Os povos, por uma lei natural, tendem ao coletivismo político e econômico pelo impulso da justiça e da simpatia, cujos sentimentos nobres anularão os efeitos odientos do individualismo rácico e religioso dos povos antigos.

A poesia consiste na excitação da sensibilidade e da imaginação que predispõe o artista ao êxtase da inspiração momentânea. A faculdade poética, produto de certa combinação de qualidades e defeitos, varia conforme as inteligências e os temperamentos. Todos encerram em si o sentido da poesia. Em determinadas horas, cada um sente a emoção poética que lhe provoca imagens e ideias, na proporção da sua sensibilidade.

Além dessa emoção, o artista necessita de certa dose de talento para transmitir aos outros o seu sentimento. Como o talento rareia na maioria dos indivíduos, se lhe requerem condições complexas e numerosas. A primeira condição imposta ao poeta é que torne a emoção poética tão intensa que o force a externá-la com ordem e clareza. Enquanto perdura a paixão, o sentimento poético se exprime por gestos, palavras, movimentos do corpo, do rosto, do olhar. Depois da eclosão deste forte sentimento, o poeta o recorda na composição do verso, reconstitui a impressão do passado, e raras vezes no presente.

Concebe-se facilmente um quadro da paixão humana porque a imaginação pertence a todos os seres pensantes, mas exprimi-lo em palavras é privilégio do gênio. A obra poética traduz a emoção com clareza e comunicabilidade, como objeto humano, pessoal, subjetivo. O valor intrínseco da obra poética se mede, esteticamente, pela sensibilidade e pela imaginação do Poeta, ou pelo poder descritivo das impressões.

A missão, pois, do poeta, é se tornar o porta-voz das aspirações e dos sentimentos do ambiente que o cerca, porque, se se apresenta com ideias extravagantes, passará despercebido e ficará incompreendido. No entanto, quando exprime tais aspirações e sentimentos, fá-lo-á com superioridade e elevação de ideias. Isto não significa que se torne interpretador do pensamento alheio, mas, sentindo com mais agudeza que os outros, traduza, com seu gênio criador, a impressão dos fatos exteriores.

O poeta, para não se tornar medíocre, deve se abster das minúcias e das análises extensas do sentimento que mais podem parecer trabalhos de crítica em verso. A expressão da poesia mostrará tanta nobreza que o realismo da vida se envolva de superioridade e emoção, causando admiração e prazer e nunca aborrecimento e antipatia. A arte, portanto, exprimirá, acima da emoção comunicativa, a personalidade do artista. É o que se deduz da estética moderna.

Na antiguidade, as obras de arte expressavam o sentimento da coletividade, porque os povos se uniam por ideias, costumes e tradições. Com o progresso das sociedades contemporâneas, em seu alto grau de civilizados, cada qual se libertou para pensar e agir, respeitando os direitos dos seus semelhantes.

As lendas e poemas traduziam o caráter do povo, da coletividade em geral, nos quais todos colaboravam. O valor poético desses poemas não será avaliado com justeza, porque a humanidade agora não compreende o sentimento antigo, pela diversidade de usos e costumes com uma organização social muito mais complexa.

Também, a obra de arte nos sensibiliza conforme as nossas preferências. A simpatia criada pelo instinto moral representa valor destacado para se apreciar ou detestar a obra de arte que pode ser uma poesia. A simpatia resulta da efervescência emocional do artista quando se produz num espírito culto que sabe observar, dirigir, conservar e ressuscitar em si esta emoção. E poeta será aquele em quem as emoções gravam profundamente as imagens que despertam a todo momento na elaboração das suas obras.

O poeta, no entanto, tem a vantagem da imaginação criadora. A poesia se encontra até nas ciências exatas, na astronomia, na química, na física, na matemática, na história, assim como no próprio romance que cria caracteres e pinta paixões e paisagens. Enfim, a poesia é superior a todas as artes, como a entendia Martins Fontes, pelo ritmo, pela versificação, pelo acento harmonioso das estrofes, pela nuança dos coloridos e dos sentimentos, exprimindo diretamente pensamentos e se dirigindo à inteligência, sem intermediários.

A amálgama da ideia e do sentimento é rara e constitui o traço predominante do gênio, de que era possuidor Martins Fontes no mais elevado grau. Sempre exagerado, Martins Fontes punha no exagero tanto ardor que foi cego e fiel à sua Amizade. A sua dedicação o deixou tão deslumbrado que foi capaz de o matar de amor. Quis bem. Prezou. O amor fecundo lhe deu a imortalidade e o tornou poeta. Mas foi compensado de ter sido um gênio pelo coração.

Nas censuras que lhe faziam havia defeitos que o alegravam. Provavam que ele olvidava as obrigações, não era constante e comedido, e desprezava as vantagens do poder. Contudo, de todas as críticas, aquela que mais o lisonjeava era a de que ele e outros sonhadores são poetas e pertencem a um povo de sentimentais. As próprias ideias, como o sentimento, possuem poesia, o que caracteriza a moderna tendência desta, à medida que a ciência se desenvolve.

Una e múltipla, esplêndida, infinita, eterna; maravilha que se limita à amplitude e faz cantar a matéria em radiência; nela, palpita luminosamente a viveza do espírito; ressuscita a arte das próprias cinzas; revela os mistérios da ciência; transfigura a esperança na saudade; ala-se, espelha a liberdade da beleza pura; santificando o amor é a criadora – o seu nome é Poesia.

Nada ser, dispersar-se no todo do Universo, confundido no Cosmos; praticar o bem, sem crenças, útil e bom, apagando-se no anonimato: - era a aspiração constante de Martins Fontes, porque, como genialmente considerava, o fruto que se colhe, a água que se bebe, o ar que se respira, a vida que amamos: são da Terra. Devemos, dizia, somente fazer versos, dando expansão à alma, sobre episódios líricos.

A poesia é amor, piedade, sonho, sentimento: é cantar como os pássaros, é florescer como as árvores. A arte, dom singular como a Beleza, deve ser inconsciente no vicejar. A natureza, na perfeição das flores, provou que o artifício é fútil. Assim versejaremos como a água nasce, a roseira dá rosas e Francisco de Assis era poeta.

Martins Fontes considerava preconceito a afirmação de que havia assuntos que não se cantam em versos. Martins Fontes pensava de modo contrário: qualquer tema, ele tentava exprimir em rimas e com estilo, porque no Universo tudo é poesia, em renovação contínua. Contava, para exemplo, que, à beira duma estrada, entre ervas, a sós, encontrou um tamanco a se desfazer e nele brotava uma roseira.