XL - De Pequetita Novais, na Capital Federal, a Jerónimo Vieira Pires, na Serra do Caparaó
Jerónimo caríssimo,
Seu pai pede-me para responder à sua carta, acreditando que eu tenha mais recursos literários. É engano dele, sem dúvida. Aliás, não é preciso ter
muitos recursos literários para lhe dizer simplesmente isto: - No momento em que recebemos as suas bem traçadas linhas que nos comunicam o nascimento de Jerónimo 2º, já eu era sua madrasta.
Sua madrasta, sim, de você.
À surpresa do seu casamento, em condições tão filme-policial, depois de uma verdadeira fuga do Rio (a segunda das suas fugas, mas também a fuga
definitiva, ai de nós!), era preciso que respondêssemos, ele e eu, com uma surpresa não menor. Seu pai e eu somos hoje marido e mulher e embarcamos no próximo dia 8 para a Europa pelo "Arlanza".
Toda a nossa tristeza é não podermos ver dona Zulmira dar de mamar ao Jeroniminho. Enfim, mando-lhe hoje pelo correio, em separado, uma máquina
fotográfica, a fim de que você nos remeta uns instantâneos dessas tocantes cenas da Sagrada Família do Caparaó.
Sinto que vou querer muito bem à sua mulher e ao seu filhinho, como quero bem a você, que hoje é, além de meu mais velho amigo, meu enteado.
Seu pai insiste em não querer escrever-lhe e confesso que, nesta altura da carta, interrompi-me para ir lá dentro, à sala de jantar, dizer-lhe que
era melhor que ele mesmo o fizesse. Não quer... Diz que não está disposto...
Et voilà.
É inútil acrescentar que tanto ele como eu esperamos que você nos dê sempre notícias. Escreva-nos para o nosso consulado em Paris. Ao ali
chegarmos, depois de uma volta por Portugal, Espanha, Itália e Suíça, espero encontrar cartas suas, com os indispensáveis instantâneos da sua fazenda (mande-me o retrato das principais vaquinhas leiteiras) e do Jeroniminho - meu neto.
Meu neto - que delícia nesta palavra!
Na Suíça, entre as montanhas, pensarei muito em você, por analogia, porque, sem dúvida, o Caparaó deve ser uma espécie de Suíça - sem neves e sem
turistas. Aliás, é possível que eu descubra também em mim uma vocação rural, mas exigirei todo o conforto. Portanto, jamais o sertão brasileiro. O meu sertão é o sertão europeu - Tirol, Alpes, Pirineus -, sertão onde há cassinos,dancings e os
jornais de Paris e de Londres com diferença de horas.
Mais, je bavarde.
Diga uma coisa: sua mulher não ficará com ciúmes se nós continuarmos a nossa correspondência de antigamente? Quand même, ça me ferait plaisir...
Importantíssimo: - enquanto não estivermos instalados em Paris, não espere de nós senão postais.
Seu pai e eu lhes mandamos a nossa bênção, a você, à minha boa nora e ao neto - o brasileiro Jerónimo Júnior.
Até o primeiro postal da Baía ou de Las Palmas!
Ciao!
Pequetita. |