XXX - Convalescença na chácara
O inverno carioca chegara suave. As noites tinham uma bruma
ligeira. As manhãs eram frias e davam vontade de surpreender nos ninhos os pássaros transidos de madrugada. Nas mangueiras do quintal o orvalho faiscava nas folhas, à aparição dos primeiros raios. Os galos emplumados, atrás da cerca de arame que os
separava do jardim, batiam asas viris, tomando de assalto, sem explicações, as galinhas passivas e conjugais. Eu contemplava com fadiga esses aspectos familiares da paisagem, modorrando sem ambições no isolamento da chácara, numa convalescença
longa e vegetativa.
Naqueles dois meses ganhara quatro quilos. Meu pai estava admirado. O clima da Tijuca era então melhor que o do Córrego Fundo? Tínhamos a altitude e a
cura climatérica em pleno Rio, a dois passos do asfalto poeirento?
O dr. Edmundo Esteves, brincando com o cordão do pincenê, esclareceu que a descida da serra provocara o descongestionamento do pulmão. O repouso, o
método e o cacodilato estavam ajudando a obra. Faltava-me só perder uma certa nervosidade - certa nervosidade que ele não podia de todo explicar.
E sorria, piscava para meu pai.
A resposta do sanatório chegou, mas eu resolvi não partir. A Suíça era muito longe da chácara da Tijuca; esta, por sua vez, já era bem longe de outras
árvores, de outras paisagens que eu conhecia, que a lembrança afagava em segredo. |