XXIX - Notícias do sertão
Meu bom primo Jerónimo,
Espero que você esteje passando bem, nós aqui vamos indo com a graça de Deus, a Emerenciana fala sempre muito em você e as crianças todos os dias
perguntam pelo primo Jerónimo, eu tenho tido sempre umas dores de rins mas o dr. Teles disse que não é nada, o pior é que as eleições estão se aproximando e eu tenho que trabalhar muito, tenho uma má notícia para lhe dar o Pigarço foi mordido de
cobra e não houve remédio, a Isaurinha chorou no dia em que enterramos ele na entrada do Pinhalzinho, ela dizia que chorava de pena de você quando soubesse, o Nhô Felício morreu também, de um coice de um cavalo na porta da venda do Petronilho.
O compadre José da Estação e a Siá Bina perguntam sempre por você e estimam as suas melhoras. A Zuca tem andado muito doente, foi um resfriado
forte que ela apanhou. A política está firme, o Tadeu escrivão do segundo ofício que me fazia oposição ficou desgostoso porque fizero mal a filha dele e enfim vai deixar o cartório, eu tive pena e deixei que ele vendesse, passa pro tenente Raimundo
e quem vai pro cartório de paz é o filho do compadre coronel Macário, um que eu não sei se você conheceu que arrasta uma perna mas é muito bom moço.
Pesso agradecer o primo Joaquim da corrente e do relójo que me mandou e da pulseira para a Emerenciana asism como as mais lembranças para as
crianças, é tudo uma beleza. Ora porque é que o primo foi se incomodar, não precisava. Espero assim ter cumprido as suas ordens mandando uma carta bem comprida como o primo me pediu quando embarcou, toda vez que lhe escrever hei de dar bastantes
notícias de todos, sinto que seje quasi analfabeto modéstia departe para não lhe mandar cartas bem escritas, mas enfim me arranjo com a graça de Deus.
Segue o jornalzinho do tenente Raimundo com um artigo que ele fez lhe elogiando muito, espero que pense sempre na nossa terrinha e que quando vorte
da Europa venha aqui outra vez passar uns tempos na fazenda, sabe que a casa é sempre sua, todos gostamos de você até o Anastácio e o Tomé perguntam e mandam lembranças.
Não tenho mais o que lhe contar, por hoje, é só, pesso que me desculpe, aqui na roça não há quasi nada pra se dizer, também o rimo tem aí tanta
coisa nesse Rio de Janeiro, desserto já esqueceu da Vila da Mata e do Córrego Fundo. Quando for embarcar para a Europa não se esqueça de me avisar pois podendo dou um pulo no Rio com a Emerenciana para lhe dar um abrasso.
Primo e amo. cro. obr.
Boanerges de Souza Pereira.
Reli a carta de primo Boanerges. "A Zuca tem andado muito doente, foi um resfriado forte que ela apanhou".
Tudo me parecia já tão distante, e de repente essas linhas como que traziam até mim a realidade que eu deixara lá no sertão. Aquela mocinha que estava
doente era a mesma que fora meiga comigo, a mesma que era bonita e modesta, a mesma de quem eu tinha gostado e que gostara de mim; que tudo me dera sem nada pedir. Tive a sensação absurda de que Zuca era um pedaço destacado do meu próprio corpo que
padecia, longe, no mato melancólico do Pau d'Alho.
Podia ser grave. Não seria o meu contágio?
Como havia de fazer para ter notícias dela sem que ninguém desconfiasse do meu interesse?
O Tomé saberia escrever? |