XXXI - Saudade
Ela vinha vestida de claro, já de longe me envolvendo com o seu
sorriso irônico, que escondia a ternura. Seríamos noivos? Assim queria e entendia meu pai; mas Pequetita e eu não falávamos em casamento. Éramos amigos como sempre e nada mais.
Saíamos, passo a passo, pela rua cheia de cestas e tabuleiros de mercadores, toda sonora de pregões. Meninos malcriados diziam, vendo-nos de mãos
dadas: "Aí, heim? Aí, heim?" E nós ríamos.
Pegávamos um bonde vagaroso. Descíamos no centro da cidade. À vista daqueles zimbórios, daquelas fachadas poeirentas, daquelas ruas tumultuosas, uma
fibra em mim se contraía, percorrida de um arrepio de repulsão. Em vão as vitrinas alinhavam cores e formas excitantes. Inutilmente a multidão, os automóveis, os bondes, em sua confusão de volumes e rumores citadinos, procuravam distrair os meus
olhos. Nos bares meio em penumbra, os mesmos sujeitos reluzentes bebiam cerveja, conversando em grupos, abanando a testa com um lenço ou um jornal.
Era a cidade, era a rua. Nos quarteirões comerciais, com cheiro de café e de mercadorias azedas, os carretões descarregavam sacos e pipas. Ao fundo
das ruelas estreitas, que desembocavam no porto, um aflitivo pedaço de mar se evadia para o céu todo marcado de mastros de navios. Era a cidade, era a rua...
Ao passo que lá longe, no meio das montanhas, as lavouras do Córrego Fundo se estendiam sem espírito crítico e sem intenções artísticas. O gado vagava
leal e simples pelo pasto. Do telhado da casa grande saía a fumaça do almoço em preparação. As crianças promoviam a desordem quotidiana no terreiro. O sol era bom, puro. A vida seguia, natural, cheia de vozes familiares, de perfumes de erva, da
barulhinhos de água, entre os horizontes clementes.
Assim, de lá de longe, do mato, me vinha a solicitação imperiosa. Fora o milagre de Zuca, do seu vestidinho de chita do seu beijo, do seu hálito? Ou
fora o milagre da terra, os horizontes agrícolas, o cheiro dos brejos plantados de inhame, a exalação dos canaviais, o calor do gado manso? |