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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - Ribeiro Couto - BIBLIOTECA NM
Rui Ribeiro Couto (16-[32])

Clique na imagem para ir ao índice desta obraUma das principais obras de Rui Ribeiro Couto é o romance Cabocla, aqui transcrito em primeira edição digital, a partir do livro publicado em 1945 (terceira edição) pela Livraria Sá da costa Editora, de Lisboa, Portugal, com prefácio de João de Barros, sendo todos os exemplares autenticados com as rubricas do autor e editores. A obra faz parte do acervo de Rafael Moraes transferido à Secretaria Municipal de Cultura de Santos e cedida a Novo Milênio pelo secretário Raul Christiano para digitação/digitalização (ortografia atualizada nesta transcrição - páginas 166 a 168):

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Cabocla

Ribeiro Couto

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XXXI - Saudade

Ela vinha vestida de claro, já de longe me envolvendo com o seu sorriso irônico, que escondia a ternura. Seríamos noivos? Assim queria e entendia meu pai; mas Pequetita e eu não falávamos em casamento. Éramos amigos como sempre e nada mais.

Saíamos, passo a passo, pela rua cheia de cestas e tabuleiros de mercadores, toda sonora de pregões. Meninos malcriados diziam, vendo-nos de mãos dadas: "Aí, heim? Aí, heim?" E nós ríamos.

Pegávamos um bonde vagaroso. Descíamos no centro da cidade. À vista daqueles zimbórios, daquelas fachadas poeirentas, daquelas ruas tumultuosas, uma fibra em mim se contraía, percorrida de um arrepio de repulsão. Em vão as vitrinas alinhavam cores e formas excitantes. Inutilmente a multidão, os automóveis, os bondes, em sua confusão de volumes e rumores citadinos, procuravam distrair os meus olhos. Nos bares meio em penumbra, os mesmos sujeitos reluzentes bebiam cerveja, conversando em grupos, abanando a testa com um lenço ou um jornal.

Era a cidade, era a rua. Nos quarteirões comerciais, com cheiro de café e de mercadorias azedas, os carretões descarregavam sacos e pipas. Ao fundo das ruelas estreitas, que desembocavam no porto, um aflitivo pedaço de mar se evadia para o céu todo marcado de mastros de navios. Era a cidade, era a rua...

Ao passo que lá longe, no meio das montanhas, as lavouras do Córrego Fundo se estendiam sem espírito crítico e sem intenções artísticas. O gado vagava leal e simples pelo pasto. Do telhado da casa grande saía a fumaça do almoço em preparação. As crianças promoviam a desordem quotidiana no terreiro. O sol era bom, puro. A vida seguia, natural, cheia de vozes familiares, de perfumes de erva, da barulhinhos de água, entre os horizontes clementes.

Assim, de lá de longe, do mato, me vinha a solicitação imperiosa. Fora o milagre de Zuca, do seu vestidinho de chita do seu beijo, do seu hálito? Ou fora o milagre da terra, os horizontes agrícolas, o cheiro dos brejos plantados de inhame, a exalação dos canaviais, o calor do gado manso?