XI - De castigo
Eu não podia ir à festa de Santa Teresinha. Pela teimosia de montar a cavalo com o solão das duas horas da tarde, acabara escarrando sangue. Escrevera imediatamente ao dr. Edmundo Esteves explicando o acidente.
A resposta fora enérgica: uma vez que eu fazia extravagâncias, desinteressava-se de mim. Em todo caso, tomasse a temperatura todos os dias, aplicasse ventosas se ainda estava escarrando sangue ou tinha pontadas, fizesse repouso absoluto... O regime
era minucioso e seguia por aí.
Nada disse aos primos. Pela primeira vez me senti cheio do pavor de sofrer do pulmão. Diabo, então a gente podia escarrar sangue sem perder o apetite?
Olhei-me no espelho: corado, gordo... Num mês engordara não sei quantos quilos. De repente, aqueles laivos de sangue. Era então verdade que eu tinha uma lesão?
Fiquei amarfanhado de melancolias. Tudo para mim mudara. Eu viera do Rio com a ilusão de que aquela lesão era um quase nada, sem consequências. Não
acreditava nela, na sua gravidade misteriosa. Como era possível que eu conduzisse comigo uma colônia de micróbios mortais, se o desejo de viver era cada vez maior em mim e o meu vigor se agitava em impulsos de atividade irrequieta?
Os primos não souberam de nada, mas desconfiaram, ao ver que eu andava jururu e prudente.
A notícia de que não queria ir à festa (leilão de prendas, Te-Deum e um bile na casa da Câmara) encheu de espanto prima Emerenciana, doida pelo baile,
apesar da gravidez. O acontecimento não era frequente; todas as moças em Vila da Mata e redondezas só pensavam nele. Vinha um padre do Rio pregar o sermão. Para o baile encomendara-se orquestra em Vitória, o Jazz-Band Capixaba.
- Vai ser extraordinário, primo! Você não tem vontade nem mesmo de espiar?
Ela insistiu então por que eu dissesse o que sentia. Queria o médico? O dr. Teles, de Vila da Mata, era muito bom... Ele é quem a assistira no parto
do Robertinho... Queria que mandasse o Anastácio chamá-lo?
Despistei a curiosidade de minha prima. Não, eu andava triste com certos acontecimentos do Rio, apenas.
Lembrei-me da carta da Pequetita. Mostrando-a, prima Emerenciana ficaria convencida de que eu tinha mágoa de amor... A moça de que eu gostava ia casar
com um norte-americano...
Prima Emerenciana pôs os óculos para ler a carta de Pequetita. Leu-a vagarosamente, voltando atrás para repetir certas linhas, pesando bem a
significação das frases... No seu rosto eu acompanhava as reações da província grave e séria contra o Rio de Janeiro frívolo e sarcástico.
Ela terminou a leitura sem dizer uma palavra, dobrou o papel e mo devolveu. À luz do grande lampião da sala de jantar a testa franzida de minha prima,
perdida em reflexões, aparecia branca e lisa como se só cobrisse pensamentos castos. nessa testa reprovativa eu lia: "A moça que escreveu isto não é direita". |