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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - Ribeiro Couto
Rui Ribeiro Couto (13)

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Em 25 de outubro de 1960, o caderno Ilustrada, do jornal paulistano Folha de São Paulo, registrou em sua página 2:

Unidade na Poesia

Augusto Frederico Schmidt

Entre Ribeiro Couto e mim, verificaram-se outrora pequenos desentendimentos, pequenas irritações, e havia uma espécie de oposição permanente, sempre que nos encontrávamos. Nas reuniões da Sociedade Filipe d'Oliveira, a que ambos pertencíamos, nossas ideias jamais se ajustavam. Quando eu queria uma coisa, já esperava encontrá-lo do lado contrário.

Era Rui Ribeiro Couto – nesse tempo, em que a literatura tinha o dom de nos apaixonar, o que hoje é quase incompreensível – homem de pontos de vista, de preferências e idiossincrasias. E eu também. Irritava-me primeiro a sua vontade de pertencer à Academia de Letras, como depois sua alegria e direi mesmo seu orgulho de haver conseguido ocupar uma poltrona naquele sodalício.

Guardara eu a mania de considerar a aspiração academizante uma espécie de traição, ou, mais moderadamente, de conformismo. Como é – perguntava-me – que um verdadeiro poeta deseja essa espécie de honraria, que nada acrescenta, e que, bem examinada, é uma capitulação diante do que há de mais convencional? Eram ideias e sentimentos do "modernismo", da sapitucação de Graça Aranha – coisas idas, vividas, encerradas, mas que representaram um curioso estado de espírito.

Ribeiro Couto nunca foi do círculo de meus amigos. Em outras lutas, em torno de flores hoje esquecidas, nos agitamos cada um de seu lado. Não houve, é verdade, entre nós dois, nenhuma inimizade, mas pouca atenção recíproca. Os amigos preferidos de Couto foram Manuel Bandeira e Afonso Arinos, entre outros.

Quando reinventaram recentemente a eleição de um príncipe dos poetas, dei o meu voto de consciência ao meu opositor de antigamente nas humildes pugnas literárias. É que a poesia de Ribeiro Couto lentamente fizera o seu caminho no meu espírito, penetrara-me, vencera-me. A voz que me parecia mortal quando o homem falava e discutia comigo, ou me impunha observações mordazes, nos nossos encontros – essa voz, quando se manifestava em poesia, passara a falar-me como a de um irmão.

À medida que o tempo me restituía a simplicidade e a isenção de julgamento, aumentava em mim a admiração pela poesia de Ribeiro Couto. O poeta me aparecia despojado, despido de qualquer artifício, um poeta natural que eu acabara por situar na minha intimidade, como intérprete de certas tristezas e de certo gosto pela vida, inclusive pelas próprias melancolias, que esta terrestre passagem oferece.

***

Eis agora, em minhas mãos, as Poesias Reunidas de Couto, desde O Jardim das Confidências até Entre Mar e Rio, numa edição de José Olímpio, que a todos nós poetas protege da dispersão, dando-nos o que chamamos impropriamente de "poesias completas" e que estão sempre, na realidade, para ser completadas. No meu caso, depois de minhas próprias "poesias completas", publiquei ainda um livro, e guardo num fundo de gaveta alguns poemas novos que não são novos.

Manuel Bandeira tem acrescentado também, em sucessivas edições, poemas vindos depois de encerrada a colheita. Só agora, quanto a mim, é que a fonte secou, já há uns dois anos. E creio que não mais ressuscitará. Assim mesmo – quem sabe? – na velhice, se houver velhice, de repente, quando – por falta de interlocutores – me encontrar comigo mesmo, quem sabe se não virão ainda alguns versos?

Mas aqui está Ribeiro Couto – é este o acontecimento - num único volume. Abro a primeira página do Jardim das Confidências e, de súbito, reencontro o encantamento verlainiano: "A chuva fina molha a paisagem lá fora. O dia está cinzento e longo..." Como são crepusculares os poetas no instante da juventude!

Ribeiro Couto despede-se da vida e chora a desaparição e o desencontro das coisas. Parecia uma rosa morrendo no jardim, mas não era... Quem percorrer essas Poesias Reunidas verificará que o homem venceu a penumbra e que o mundo continuou triste até o seu último soneto, quando o coração do poeta já bate mais frio do que bateu.

Essa chuva, essa melancolia, essa tristeza, o gosto do que é cinzento, das cores esmaecidas, da delicada hora indecisas, não impediram que Ribeiro Couto fosse um homem de iniciativa, um amoroso da ação e cantor de momentos criadores que sacudiram o seu país.

***

Estou lendo incessantemente, agora, as suas poesias. Tudo o que ele fixou nos seus versos é a face da sua realidade. Esses pomas imobilizam as horas mais importantes e as mais humildes da sua vida. Há sempre alguém que passa num caminho, há constantemente uma nota humana na paisagem, há em todos os momentos - para os ouvidos do poeta - uma voz que sobe do gelado silêncio dos brejos.

Amo particularmente certos pequenos flagrantes - anotações de estados de consciência lírica - que estão nos poemas provinciais. Uma toalha estendida na corda, que o vento agita, um bicho que passa, a água gelada dos córregos, um vulto de mulher entrevisto na janela de uma casa distante, um pouco de silêncio, o simples assobio de um menino numa rua triste - enfim um quase nada - uma borboleta que palpita, uma praça deserta, gente indiferente em sítios indiferentes, de tão pouco extrai o poeta a essência, a compreensão, a íntima e secreta poesia das coisas.

A poesia das coisas é a própria realidade. Em tudo o que se contém nessas Poesias Reunidas encontro uma nota de íntima unidade. A voz que nos fala de experiências e contatos com o mundo - com as terras do exílio - é a mesma voz do poeta aos dezoito anos, aos dezesseis anos - do poeta na infância, quando o mundo se identificava ainda com o sonho.

As possibilidades de expressão se tornaram bem maiores, o equilíbrio, a sobriedade, o despojamento se acentuaram - mas persiste, vencendo os enganos e desenganos, aquele "passado que é futuro".

O homem na maturidade, o embaixador, o ser vivido, o conquistador do mundo e o sensível poeta, o solitário Ribeiro Couto, em alguns momentos tão ávido de companhia e solidariedade - e sempre o mesmo, é sempre aquela natureza envolta em melancolia, em tristeza resignada, é sempre aquele que não esquece a meninice, a roupinha à marinheira, a praia e o céu da terra natal.

O poeta prolonga a infância - os cabelos fogem ou embranquecem, mas ele continua imutável, com seu canto e sua fala. É o mesmo ser através do tempo, dotado de poder mágico na hora em que a morte se aproxima - com seus passos de libertadora - é o mesmo mago capaz de povoar os mares com os seus barquinhos de brinquedo.

O homem que caminha na multidão está sozinho; o homem que ouve a noite e a ronqueira dos sapos no brejo ou vive em terras longínquas e trepidantes é sempre alguém para quem existem as coisas dolorosas ou belas, as coisas humildes que ninguém notou ou viu sequer, senão ele.

As Poesias Reunidas de Ribeiro Couto me trouxeram a confirmação de muitas coisas e de que há uma espécie de fraternidade que identifica as diversas famílias de poetas. Lendo Ribeiro Couto agora, sobre a tarde, tive a sensação de ouvir uma voz remota, mas viva, fresca, que cantou no meu ser, e me reconduziu ao que fui outrora - e hoje não sou mais.

Imagem: reprodução parcial da página

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