Lydia Federici
Foto: arquivo, publicada com a matéria
HOMENAGEM
Lydia Federici
Jornalista, cronista, esportista e amante da natureza, Lydia Federici tinha sempre a palavra certa, um sorriso no rosto e os olhos doces muito atentos para Santos, cujas
peculiaridades retratava diariamente em crônicas publicadas em A Tribuna. No último dia 2 ela deixou esta Cidade e foi para outra dimensão, levar sua mensagem de amor.
Da Reportagem
Sua atuação destacada na Cidade foi percebida por seus leitores, fidelíssimos, e pela universitária Luciana Frangeto, que escolheu no ano passado a mulher
Lydia Francisca Luiza Federici como tema de seu trabalho de conclusão do curso de Jornalismo, pela Universidade Católica de Santos.
Intitulado Os Caminhos da Cidade Sob o Olhar de Uma Cronista, o trabalho conta que Lydia, ao contrário do que muitos possam pensar, nasceu em São Paulo a 16 de abril de 1919 e
veio para Santos, Cidade a quem sempre declarou seu amor, ainda criança. Para perpetuar esse amor, o ex-vereador Matsutaro Uehara (Tarô) fez um projeto que deu à cronista o título de Cidadã Santista.
Como o sentimento pela Cidade era intenso, ela teve a idéia de montar uma árvore de Natal na praia, para que todos pudessem demonstrar o apreço por esta terra e para que os necessitados
tivessem um Natal mais feliz.
Em sua crônica de 24 de novembro do ano passado, Lydia falava sobre o assunto: "... a luzinha diria do amor devotado a esta Cidade de paz. Testemunharia a fé que temos em Deus. Mas
faltava o detalhe final. Fazer com que, da colocação alugada de cada lâmpada, restasse o tostão capaz de provar, a uma das obras sociais da Cidade, que Santos, além de ser terra da liberdade, como muitas vezes o provara na grande história do
Brasil, era também a terra da caridade".
Outro traço marcante em sua vida foi o esporte. Lydia era capitã dos times de voleibol e basquete no colégio, no final da década de 30. Como havia muita falta de estímulo, ela pediu ao
então editor de Esportes de A Tribuna, Antônio Guenaga, para fazer comentários encorajadores no jornal.
A cronista se destacou como jogadora de vôlei e arremessadora de disco, sendo campeã nessa modalidade ao disputar a taça Adhemar de Barros. Mesmo afastada das pistas devido às várias
fraturas nos joelhos, seu nome continuou ligado ao esporte durante os 30 anos em que dirigiu clubes e treinou equipes femininas de vôlei.
Detestava - Luciana também apurou que Lydia, até os 15 anos, detestava Português, visão que se alterou por causa de uma professora do ginásio. "Eu logo percebi que possuía um
certo desembaraço para pôr no papel o que tinha dentro do peito".
A carreira jornalística começou em 1939, com comentários sobre esportes em A Tribuna. Colaborou também para a Revista Tênis Ilustrado e jornais do Rio de Janeiro e Rio
Grande do Sul. Porém, enquanto escreveu sobre o assunto, sempre foi colaboradora: "Esporte para mim é como uma religião, por isso nunca quis receber um tostão".
Em 61 passou a escrever as crônicas diárias na coluna Gente e Coisas da Cidade, tendo publicado mais de dez mil textos. Ela utilizava a emoção para atrair e chamar a atenção do
leitor. "Tudo depende do que sinto na pele. Se é um dia em que estou muito sentimental, conto uma historinha de criança que pode ser muito engraçada ou comovente".
E Lydia aproveitou muito bem este espaço, onde analisava as mudanças por que Santos passava, a falta de prédios, a construção de prédios, a gente de antigamente, a gente da atualidade,
os gestos de carinho para com os semelhantes, as flores dos jardins, as estações do ano, as férias escolares e muitos outros assuntos sempre com um traço marcante em cada linha: o amor.
Cronista da esperança
O trabalho de conclusão de curso não se limitou à vida profissional de Lydia Federici. A aluna Luciana mergulhou na personalidade, opiniões e jeito de ser da cronista que nunca reclamou
de sua condição de ser mulher e conquistou espaços que, na década de 40, eram eminentemente masculinos.
Ela confessa que houve um tempo em que chegou a achar que se fosse homem teria mais liberdade, mas acreditava que um dia a mulher iria perceber que possui as mesmas condições
intelectuais do homem.
A independência feminina também foi relatada em suas crônicas: "...há tempos deixou de cumprir apenas o seu papel de mãe e esposa. Para, em trabalho fora do âmbito tradicional, ser
também co-chefe da família e do lar".
Nesse campo também teve reconhecimento. Recebeu a medalha de mérito Mulher do Ano de 1978, concedida pelo Movimento de Arregimentação Feminino (MAF), por sua atuação junto a entidades e
clubes de servir e pela constante preocupação com os problemas da comunidade.
Natureza - Outra característica inerente a Lydia Federici era o amor pela natureza. Ela e seus amigos criaram o Grupo Andarilhos de Enguaguaçu, que promove caminhadas sempre a
cada penúltimo domingo do mês pela Baixada e Serra.
Para a cronista, o que acontecia com o grupo era uma grande confraternização. "Todos se tornam amigos, sem ninguém querer ser mais do que ninguém e com ajuda mútua. Andando, curtimos as
coisas belas que o mundo tem para nos oferecer e nos sentimos unidos a outros corações".
Simples, como sua gente
Luciana Frangeto terminou seu trabalho com uma enquete onde Lydia fala sobre diversos assuntos, aqui transcritos:
Música - As canções italianas que mamãe cantarolava.
Livro - Pouco leio. Não tenho fôlego para ler nenhuma página da Bíblia.
Esporte - É fascinante. Gosto de todos, principalmente do futebol.
Religião - É uma reunião de crentes em Deus que, no fundo, querem apenas ser felizes.
Deus - Eu o encontro nas obras da natureza, como o mar. Deus é força.
A mulher - Caiu de seu pedestal por suas próprias mãos.
Uma mulher - Maria, mãe de Jesus.
Homem - Não gosto dos guerreiros, mas sim, dos artistas. Amo os músicos.
O idoso - Tenho um imenso respeito pelo idoso e acho uma pena que os jovens não compreendam o que ele significa.
Os políticos - Eu sou uma mulher de fé e quero continuar a ter fé nos políticos. Embora muitos só acreditem naquilo que podem pôr nos bolsos.
Uma decepção - Com o povo brasileiro, desde aquele que é incapaz de cumprir a menor de suas obrigações até a classe política.
Uma esperança - De que o homem cresça mesmo tendo que apanhar muito para isso.
Um sonho - Ver o mundo mais colorido e mais irmão, sem que o homem tenha a necessidade de matar para sobreviver.
Uma realização - Ser jornalista e conseguir transmitir boas mensagens.
Santos - É o meu grande amor. Santos não é minha, eu sou de Santos.
Lydia Federici - Sei que na Cidade eu tenho meu lugar de amor e de respeito conquistados. Se sou amada ou não, não me interessa, mas faço questão de ser respeitada e, para isso,
respeito a todos. Sou uma pateta, humilde e simples. Se tenho qualquer motivo para me envaidecer, passo por cima e digo: "Que bom, podia ser pior". |