Área industrializada de Cubatão, no sopé da Serra do Mar
Foto: foto-geógrafo Cesar Cunha Ferreira, 14/5/2004
Alguns aspectos da industrialização de Cubatão
GOLDENSTEIN, Léa. A industrialização da Baixada Santista, estudo de um centro industrial satélite. São Paulo, USP, I.G., 1972.
A zona industrial de Cubatão.
O presente estudo parte de uma realidade existente que é o centro industrial de Cubatão. Contudo, pela sua importância, torna-se legítima e necessária a observação do conjunto, o que
será feito sempre que se tornar conveniente.
De modo geral, a zona industrial ocupa uma área relativamente restrita, localizada nos trechos médios das bacias de drenagem, tendo a encosta de um lado e o mangue de outro. Num esforço
de simplificação, poder-se-ia dizer que o espaço industrial atual é constituído pelos vales dos rios Cubatão e Mogi e de alguns outros rios menores. As indústrias mais antigas concentram-se
diretamente às margens do rio Cubatão, de cujas águas se servem (Fábrica de Papel e Refinaria) e as demais têm como espinha dorsal o trecho já em funcionamento da estrada Cubatão-Bertioga.
À margem direita do rio Cubatão, desenvolve-se a zona urbanizada em função de residências e, portanto, não dispondo de espaços amplos, a não ser uma vasta área de mangues, situada entre
a estrada de ferro e o estuário, e cuja ocupação é difícil e remota. Diante dessa escassez de áreas disponíveis, parece evidente que a indústria de Cubatão, mais cedo ou mais tarde, irá transbordar dos limites do município. São espaços pequenos,
cuja ampliação vem sendo feita pela conquista de áreas ao mangue e aos morros.
Em geral, o processo é duplo: destroem-se os morros para aterrar o mangue e transformá-lo em terras emersas; isto foi feito pela Cosipa, Cimerita e por outras
empresas, num processo trabalhoso e dispendioso. No momento atual, a Refinaria Presidente Bernardes de Cubatão está ampliando sua área industrial à custa do desbaste de um morro que permanece incrustado em seus terrenos. No entanto, o melhor
exemplo ainda é o do espaço ocupado pela Cosipa, que há poucos anos atrás era ainda área de mangue.
Realmente, com a consolidação do centro industrial de Cubatão, coloca-se como problema fundamental o da expansão industrial, no que concerne à instalação de indústrias novas. Em Cubatão
propriamente, as áreas com possibilidades de abrigar fábricas já estão praticamente em mãos das indústrias aí sediadas. São poderosas empresas que envolvem grandes investimentos de capitais, voltadas para a utilização de técnicas modernas, e que
garantiram para si áreas de expansão.
A alternativa para as novas indústrias e para os planejamentos municipais está entre expandir mais ainda em direção ao mangue, conquistando novas terras, ou expandir-se em direção aos
altos vales, aplainando-os. Em Cubatão, como também em Santos, a tendência atual é de fugir, na medida do possível, às terras alagadas, por se considerar excessivamente onerosa sua utilização e procurar os médios vales dos rios, onde há
possibilidade de encontrar terras com subsolo firme. Em Cubatão, tudo indica que a expansão industrial far-se-á subindo o rio Mogi, ocupando uma área a montante da Ultrafértil.
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Cubatão em primeiro plano, os mangues acima, Santos e ainda Guarujá no horizonte
Foto: foto-geógrafo Cesar Cunha Ferreira, 8/5/2004
Do ponto de vista da circulação, a área próxima à raiz da serra, onde se aninhou a indústria de Cubatão, fica distante mais de 14 km de Santos - cidade e porto. Apesar disto, está em
franca comunicação com o mar, dada a penetração da água salgada pelo estuário. Ultrapassando o canal de mais de 10 km, que separa as ilhas de São Vicente (onde está Santos com seu porto) da ilha de Santo Amaro (onde está, voltado para o canal, o
bairro operário de Vicente de Carvalho, distrito do município de Guarujá, enquanto que, voltados para o oceano, sucedem-se os ricos bairros balneários do Guarujá), estão as
instalações da Cosipa com seu cais.
É significativo esse encontro da indústria de Cubatão com o mar, pois representa a ligação direta e efetiva, independente do atual porto de Santos. Por mais de 15 anos, a indústria
de Cubatão drenou e secou seus mangues, quase só padecendo dos problemas decorrentes de sua proximidade com a água do mar, que praticamente lhe voltava as costas. Só agora, com os cais da Cosipa e o da Ultrafértil, é que tem condições de consolidar
as suas características de complexo portuário e delas usufruir.
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A indústria de Cubatão apresenta características das mais avançadas no plano da organização do espaço industrial: embora espontâneo, verifica-se um processo de integração horizontal e
vertical, que beneficia, sob todos os aspectos, o centro industrial. Contudo, por enquanto, dificilmente se poderia falar numa cidade industrial e também não se pode falar numa região industrial ou mesmo num desenvolvimento industrial regional.
Cubatão permanece um centro de produção industrial anexo a uma grande região industrializada, fazendo parte de uma área metropolitana, isto é, um centro satélite cujos fluxos de relações
dentro da própria Baixada, sendo ainda relativamente pequenos, confirmam essa condição.
Nenhuma decisão parte de Cubatão - que nesse sentido não goza de nenhuma prerrogativa - e sim de São Paulo, do Rio, de Brasília e com frequência de locais no estrangeiro, em que estão as
sedes das empresas. O fato de pertencerem em boa parte a grupos financeiros e industriais internacionais poderosos - empresas multinacionais - principalmente a grupos que detêm o controle de empresas semelhantes e afins, é um fator de grande
preocupação, pois, como é natural, seus pequenos interesses no País ficam à mercê de seus grandes interesses alhures. As próprias fábricas estatais dependem de diretrizes políticas e econômicas que deliberam sobre financiamentos, empréstimos,
ampliações etc. e que nem sempre favorecem os interesses industriais específicos das unidades de Cubatão.
A análise e interpretação dos processos de implantação industrial em Cubatão permite perceber nitidamente a falta de um planejamento global, quer do ponto de vista espacial, quer do
ponto de vista econômico. A ocupação do espaço e a sua organização foram fruto de iniciativas estatais e privadas, sem ligações entre si, a não ser quanto à infraestrutura de transporte.
A paisagem, refletindo um dos aspectos da falta de planejamento, é marcada pela presença de grandes áreas desocupadas, mantidas como reservas pelas empresas ou simplesmente destinadas à
especulação. Devido às limitações físicas da área disponível, a expansão impõe a conquista de outros espaços para as novas instalações industriais, áreas essas em que há necessidade de investir em obras de infraestrutura extremamente onerosas para
os poderes públicos e para as próprias empresas.
Em face da inexistência de um planejamento global, prevalecem os planejamentos locais. Em consequência das leis municipais em vigor, cada município traça o seu plano no papel: Cubatão,
Santos e Guarujá já definiram as áreas de seus respectivos distritos industriais e São Vicente também pretende fazê-lo. A instalação e o funcionamento de todos eles dependem de verbas vultuosas, necessárias para a criação de uma infraestrutura
inexistente ou para a valorização de infraestrutura incipientes.
As soluções procuradas por cada um dos municípios da Baixada isoladamente, certamente não contribuirão para alterar o quadro. É inaceitável, do ponto de vista do geógrafo, um
planejamento de tal forma limitado, que nega a todo momento a concepção de espaço regional integrado.
O mais recente exemplo é o do município do Guarujá: praticamente ao mesmo tempo em que se decide por um planejamento territorial que valoriza a função turística e que prevê um distrito
industrial voltado para indústrias leves, compatíveis com essa função, cede à instalação de uma grande fábrica de produtos petroquímicos em vista das enormes vantagens materiais decorrentes dessa instalação, vantagens essas que se afiguram da maior
importância para seu equilíbrio financeiro.
Na falta de riquezas locais, a possibilidade de expansão vincula-se, obviamente, a produtos importados ou às matérias-primas intermediárias provenientes da própria Baixada. Pode-se
portanto dizer que a expansão está na dependência de dois fatores:
1) a capacidade de produção das unidades da Baixada - que, como ficou claro no decorrer deste estudo, está em franca ampliação;
2) os custos dos empreendimentos e a possibilidade de manutenção da capacidade de competição, em face dos graves problemas de implantação e dos não menos graves problemas decorrentes das
deficiências de circulação.
No plano econômico, a falta de planejamento igualmente se faz sentir, quer considerando cada setor como um todo, quer nas unidades fabris. A dinâmica de cada unidade ocorre em função de
sua ligação com empresas maiores ou com problemas de ordem político-econômica, de modo que muitas vezes sente-se a ação de forças divergentes.
As duas grandes empresas de capital estatal apresentam-se vinculadas, por força da lei, a planejamentos setoriais nacionais. Mas isso não impediu, como foi amplamente exposto, que
constantes modificações de orientação tivessem influenciado a produtividade e a rentabilidade das mesmas.
A indústria petroquímica, decorrente da Refinaria, marcou passo durante anos - tanto a de iniciativa privada como a governamental - enquanto não se decidia sobre o monopólio da
utilização de derivados. O deslanche do setor foi retardado de muitos anos, e, segundo dados da CEPAL ("A Indústria Química Brasileira", 1968) (N. E.: CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina), a evolução do Brasil está sendo mais lenta do que a da Argentina e a do México e a sua participação relativa está decrescendo: em 1962 era de 40,5% da produção latino-americana, exclusive a produção chilena de salitre, e baixou
para 38,6% em 1964. Em todos esses países, como também no Brasil, são grandes os interesses das empresas petroquímicas estrangeiras, de modo que na ALALC (N. E.: Associação Latino Americana de Livre Comércio) não há uma política definida sobre a integração petroquímica.
A mesma falta de planejamento manifesta-se no que concerne à concessão de privilégio, cujo critério nem sempre leva em conta o custo do empreendimento. A compreensão desse problema
extravasa o âmbito exclusivo da Baixada, o que exigiu, no decorrer do trabalho, que se fizessem algumas referências globais a setores industriais.
Veja-se por exemplo o caso da implantação quase que simultânea de vários complexos petroquímicos no País, quando este é precisamente um setor em que o preço da matéria-prima e a escala
do empreendimento são essenciais para a rentabilidade: um na Baixada - a Union Carbide - e outro em Mauá, logo depois da escarpa da Serra do Mar - a Petroquímica União -, ambos baseados em importação de matéria-prima, e ainda o da Bahia.
Também o colosso da Ultrafértil espelha falta de diretrizes globais no setor de fertilizantes. As vantagens que recebeu representam a concessão de um quase monopólio na produção de
adubos nitrogenados e fosfatados, com repercussão imediata e direta na produção de adubos baseados em matéria-prima nacional.
Tudo isso leva à conclusão de que foi grande o desperdício decorrente da forma espontânea que caracterizou a implantação - repercutindo, certamente, na capacidade de competição. Contudo,
a força dinamizadora da Metrópole é tão grande que foi capaz de contrariar fatores considerados dominantes na escolha de um local para a implantação de indústrias, tais como sítio pouco propício, ausência de matérias-primas, distância das fontes de
matéria-prima, circulação terrestre inadequada, proximidade de um porto obsoleto e com capacidade limitada de ampliação. Por outro lado, é preciso considerar que, em se tratando de indústrias com alta produtividade, os fatores de implantação estão
muito mais relacionados com as vantagens decorrentes dos fluxos de relações do que com qualquer outro fator de ordem local.
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Estação de captação e tratamento de água, junto à Serra do Mar, e tanques da Refinaria
Foto: foto-geógrafo Cesar Cunha Ferreira, 8/5/2004
Nas condições atuais é evidente a saturação da Baixada: saturação do espaço; saturação do porto, o que conduziu às soluções dos terminais particulares e principalmente à instalação do
porto de São Sebastião; saturação das vias de circulação terrestre, quer no sentido planalto-baixada, que não comporta um aumento na demanda de minério de ferro, como no sentido baixada-planalto, onde o enorme volume representado pela recém
iniciada produção da Ultrafértil vai pôr em perigo todo o equilíbrio da circulação.
Todos esses problemas são sérios e mesmo graves e deveriam conduzir a um planejamento integral da Baixada, entendendo-se como tal não só a definição de áreas industriais, como a
vinculação, sob todos os aspectos, com o porto e com as vias de circulação terrestre, baseada num real levantamento da situação, de modo a que se chegasse a um entrosamento entre o desenvolvimento industrial.
Só assim a Baixada poderia continuar a atrair indústrias e estas deixariam de fazer o papel de "hóspedes" e passariam a "habitá-la" de fato. Nesse caso, Cubatão poderia tornar-se um
verdadeiro complexo industrial, nos moldes dos europeus e dos norte-americanos. Condições existem, dado o crescimento germinativo que está se verificando e principalmente diante da possibilidade que muito recentemente está se colocando, a de uma
integração com o polo petroquímico da Bahia.
A importância desse planejamento conjunto é tanto maior, na medida em que se constata que, apesar da ausência de um planejamento global, apesar dos projetos de infraestrutura alterados e
atrasados, o desenvolvimento industrial está ocorrendo e, com todos os defeitos que apresenta, é um fato. Os distritos industriais são uma consequência da realidade do fato industrial. Já se fala na Baixada da importância de um planejamento
conjunto dos vários municípios.
Cubatão, centro industrial ligado a uma grande Metrópole, dificilmente poderia ser comparado a outros centros industriais do País. Aratu, por exemplo, que está se definindo juntamente
com Camaçari, como centro industrial de Salvador, difere fundamentalmente quanto à origem, pois é o centro industrial de uma cidade - Salvador - que não é dotada, ela própria, de força dinamizadora. Aratu e Camaçari são, do ponto de vista
econômico, fruto de uma política nacional de incentivos fiscais, que recolhe recursos nas áreas mais desenvolvidas do País, portanto o Sudeste.
Do ponto de vista espacial, é igualmente grande a diferença: o governo da Bahia encarregou-se de um planejamento em que não só se procura organizar a ocupação do solo como promover o
máximo aproveitamento dos recursos naturais existentes na região. Torna-se difícil uma comparação, quando se trata de meios regionais completamente diferentes e, embora os dois sejam centros satélites, tanto os seus aspectos fundamentais, como os
seus problemas, pouco têm em comum.
Por fim, cabe observar que Cubatão, apesar de ser um centro industrial ligado a uma grande Metrópole, perto da qual se situa, tem seus aspectos específicos e seus problemas relacionados
com um meio regional, o qual conduz a uma realidade também específica dentro da categoria de centro satélite, vinculado que está a uma economia de país subdesenvolvido. Esta realidade é certamente diferente da de um centro industrial localizado
numa região de economia industrializada e desenvolvida no seu todo.
NOTA EXPLICATIVA:
Este trecho faz parte de importante trabalho sob o título: A Industrialização da Baixada Santista - estudo de um centro industrial satélite. Foi a tese de doutoramento da autora,
apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, publicada em 1972. |