HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO
Esperança, na pauta desta associação (5)
Criada
em Santos por Samuel Augusto Leão de Moura, com apoio do Rotary Club de Santos, a Casa da Esperança teve em Cubatão uma outra unidade, que foi enfocada
em trabalho de estudantes de Jornalismo da Universidade Monte Serrat (Unimonte), o qual deu origem ao livro de 62 páginas, coordenado pela professora
Helena Gomes (inédito até fins de 2008, quando ocorre esta publicação eletrônica), Tempo de Esperança. Este, por sua vez, foi reunido a outros
trabalhos de alunos da mesma universidade, no livro-brochura Vidas em Pauta, lançado em 2007 por aquela universidade santista, também com a
coordenação de Helena Gomes. Este é o texto integral de Tempo de Esperança:
[...]
Tempo de Esperança
Ana Lúcia Borges, Ana Paula Mackevicius, Antonio Marcos
Santos Silva,
Júlio César Chaves, Maria Helena Sousa |
Wilderlino Júnior, o Lino, como é
conhecido
Foto: Júlio César Chaves - enviada a Novo
Milênio pelos autores do livro
Capítulo 3
por Júlio César Chaves
A história de um nascimento especial
No bloco de notas, observo o endereço onde devo encontrar o apartamento número 14 ,
do bloco 10, no conjunto habitacional que leva o nome do Governador Mário Covas, morto no ano de 2001.
Na porta do apartamento, como em tantas outras casas, um arranjo de um girassol, segurado por um menino, com a
inscrição: "cantinho feliz". Entro na sala onde sou aguardado por praticamente toda a família. A única ausência é a do filho mais velho, Fidel, 14
anos. Sou recebido na porta pelo pai da família, Wilderlino, o Wil, 38 anos. Sentados no sofá estão a mãe Ivone, 34 anos, o filho mais novo,
Francisco, 9 anos, e no centro da sala está o filho do meio, Wilderlino Júnior,
11anos, que é carinhosamente chamado apenas de Lino.
O primeiro assunto da nossa conversa não poderia deixar de ser outro. Lino, corintiano roxo, está sentado em
sua cadeira de rodas bem à frente do aparelho de TV. Ele parece não se importar com minha presença. Também pudera, embora seja intervalo do jogo, o
garoto está ligado na repetição dos melhores lances do primeiro tempo. Seu time joga contra o Náutico, no Recife, estádio Dos Aflitos, e precisa
vencer a qualquer custo para deixar a zona de rebaixamento.
A família faz coro para brincar e provocar Lino, único corinthiano no meio do resto da família toda de
santistas. O garoto não deixa por menos e, quando o lance é de gol, parece quase não se conter; grita e aponta para a TV, como se dissesse aos
outros que seu time é o melhor.
Embora me sentindo praticamente entrosado e à vontade com a família, pronto para fazer as perguntas que pensei
durante o caminho, não consegui deixar de me lembrar da minha primeira falha. Passados alguns instantes, tenho a certeza de que
deveria ter me dirigido diretamente ao
Lino e tê-lo cumprimentado, afinal ninguém me impediu de fazê-lo.
Lino sofre de paralisia cerebral. Sua especialidade implica na perda total de sua coordenação motora, sem, no
entanto, haver qualquer limitação intelectual. "O Lino sabe exatamente tudo que está acontecendo à sua volta. Tem facilidade de aprendizado, escuta
muito bem e percebe fácil as coisas", explica o pai.
A paralisia cerebral foi descrita em 1860 pelo médico Willian Little e batizada por Freud em 1897, quando este
usou o termo "Paralesia Cerebral Infantil" relacionando a patologia ao
entendimento de que uma vez acometido por ela, o paciente ficaria imobilizado. Hoje, sabe-se que
apenas uma pequena parte das pessoas tem paralisia total. A literatura médica classifica a paralisia cerebral como sendo em decorrência da falta de
oxigenação do tecido nervoso ou uma agressão relacionada ao cérebro, imediatamente antes ou durante o nascimento.
De acordo com Ivone, que além de cuidar da casa e dos
outros dois filhos, faz artesanato para vender, apenas soube das especialidades do filho quando
ele já tinha 6 meses. "O médico foi de uma frieza muito grande, me falou do assunto e me encaminhou para
a Casa da Esperança".
A Casa da Esperança de Cubatão – tema deste livro-reportagem – é uma instituição de apoio, tratamento,
habilitação e reabilitação de pessoas portadoras de necessidades especiais.
Ivone conta que já presenciou diversas atitudes repugnantes,
tanto por parte de profissionais como por parte dos pais.
Entre elas, cita o caso de uma médica que, em atendimento no Pronto-Socorro Municipal Infantil, olhou e tratou Lino como se estivesse com nojo de
algo ou do próprio menino. "É um absurdo que um profissional da área de saúde possa ter atitudes como
essa", desabafou.
Ainda falando de preconceito e discriminação, afirmam os pais, há casos de famílias que parecem
ter vergonha dos filhos especiais e que
procuram evitar eventos públicos. Contam ainda que enclausurar uma criança em casa só faz agravar suas patologias.
O pai explica que algumas pessoas já disseram ou lhe
perguntaram: "seu filho é doente?". Ao que respondeu: "não, meu filho não é e também não está
doente. Aliás, de saúde ele está muito bem. Faz exames periódicos como qualquer outra pessoa e no momento goza de perfeita saúde".
Contudo, a maior preocupação não parece ser o preconceito ou os cuidados especiais que Lino necessita. Na
verdade, a maior preocupação e também a maior revolta de Ivone e Wil tem a ver com o descaso do poder público em fazer gestões para garantir o
acesso de seu filho à educação.
"Quando o Lino completou 6anos, procuramos a Escola Princesa Isabel de Educação Especial
para fazer a matrícula. A matrícula foi aceita normalmente. Os problemas começaram no início das aulas. Tamanha foi nossa surpresa e revolta quando
a diretora nos informou que não seria possível atendê-lo naquela escola. Primeiro alegou falta de professor, depois, falta de pajem. Foi um momento
difícil porque até mesmo o Lino sentiu muito aquilo tudo. Mas nós não aceitamos passivamente. Nosso objetivo não é ganhar popularidade nem tão pouco
aparecer na TV. Queremos garantir a educação de nosso filho e nada mais".
Os pais relataram que muitas pessoas e familiares de pessoas portadoras de necessidades especiais, na verdade,
querem apenas ganhar destaque e que por esse motivo, ao invés de procurar os órgãos competentes para solucionar os problemas, procuram primeiro a
imprensa. "Às vezes, a mídia ajuda muito", diz Ivone. "Expõe um problema, questiona as autoridades. Em outras, o problema continua porque o papel da
imprensa é denunciar. Cabe aos cidadãos levar e cobrar a solução dos problemas a quem compete".
Wil acrescenta que procuraram o Ministério Público. "Oferecemos
uma denúncia e cobramos providências da Prefeitura. Hoje, o Lino estuda na APAE, Associação dos Pais e Amigos das Especiais, e está muito feliz, fez
inclusive amigos. As professoras, funcionários e alunos dizem que a escola não é mesma quando ele não vai. O que mais causa indignação é que, quando
ele não vai, não é por que ele não quer ou porque nós não o levamos. É absurdamente porque dia sim e dia não o transporte não vem. A prefeitura tem
a obrigação de garantir ao menos isso".
Sobre os atuais avanços tecnológicos no campo da computação e no desenvolvimento de pesquisas com células
tronco, tanto Ivone quanto Wil concordam e afirmam que se trata de avanços
importantes, mas que, para eles, traduzem-se em sonhos muito distantes. "Às vezes, é melhor não sonhar muito", lamenta o pai.
Eles costumam pesquisar sobre todos os assuntos relacionados à patologia do
filho. "A primeira dificuldade é que os centros onde são desenvolvidas a maioria das pesquisas são
distantes", constata Wil. "Quando não estão em outros países, estão no eixo Rio-São Paulo. Sem falar que nunca conseguimos sequer entrar em qualquer
tipo de lista de espera para participar de qualquer pesquisa. Pior ainda: não sabemos ao menos como são selecionadas tais pessoas".
No momento em que o ônibus escolar que leva o pequeno Lino e seus colegas dobra a esquina e deixa o bairro,
cabe-me perguntar: o que será que há de tão interessante na escola que provoca em Lino tamanha vontade de estar lá?
A escola fica a cerca de 3 quilômetros da casa de Lino. No mesmo prédio, funciona uma escola
municipal regular. Neste local, já funcionou o campus da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. A escola da Apae (Associação de Pais e
Amigos dos Especiais) de Cubatão é mantida em parceria, através de convênio, com a prefeitura e conta com o apoio de pais e voluntários. Minha
recepção ficou por conta de um voluntário bastante entusiasmado.
Seu nome é Manoel Alves, mas é popularmente conhecido como Manaus, apelido que leva desde os tempos em que
atuava no futebol de várzea da cidade. Manaus conta que, depois da aposentadoria, precisou encontrar uma atividade que lhe trouxesse algum objetivo.
"Aqui na associação, sinto-me útil. A nossa briga é diária em busca de parceiros, verbas e condições para melhorar e ampliar o atendimento às
crianças. Quando começamos, não tínhamos sequer um imóvel onde a escola pudesse funcionar".
A escola tem seu foco no apoio à inclusão, através de um trabalho
multidisciplinar que mobiliza pais, profissionais e voluntários a fim de promover educação em vários aspectos. O objetivo é desenvolver e explorar
ao máximo o potencial de aprendizagem e as habilidades de cada criança.
É possível rapidamente notar que não existem muitas semelhanças com as escolas tradicionais. A começar pelo
piso, marcado com ondulações no solo, passando pelos acessos facilitados para cadeirantes e principalmente pela decoração das paredes, cheias de
ornamentos e cores.
De acordo com Manaus, tudo foi feito assim porque existem estudos que apontam no sentido de que o uso correto
e adequado de cores e desenhos é capaz de provocar importantes estímulos em seres humanos.
Nas salas de aula, nada de carteiras e lousas. São encontrados bolas, brinquedos Lego, barras de apoio,
aparelhos de som e de TV e muitos outros tipos de brinquedos, inclusive adaptados. Há também a professora, é claro, mas não apenas uma, mas quantas
sejam necessárias para atender a cada uma das crianças.
O ambiente é cuidadosamente planejado para ser o mais agradável possível. Entre as atividades de estímulo,
existe uma especial: "O contato humano é priorizado em todos os eventos. Há, inclusive, dependendo da especialidade de cada criança, o incentivo ao
contato entre os alunos", explica Manaus.
Após algumas horas dentro da escola, foi possível ao menos imaginar o porquê de o pequeno Lino sentir tanta
vontade de estar no local. Manaus tem uma explicação. Para ele, o amor está em cada canto da escola. |
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