HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO
Esperança, na pauta desta associação (4)
Criada
em Santos por Samuel Augusto Leão de Moura, com apoio do Rotary Club de Santos, a Casa da Esperança teve em Cubatão uma outra unidade, que foi enfocada
em trabalho de estudantes de Jornalismo da Universidade Monte Serrat (Unimonte), o qual deu origem ao livro de 62 páginas, coordenado pela professora
Helena Gomes (inédito até fins de 2008, quando ocorre esta publicação eletrônica), Tempo de Esperança. Este, por sua vez, foi reunido a outros
trabalhos de alunos da mesma universidade, no livro-brochura Vidas em Pauta, lançado em 2007 por aquela universidade santista, também com a
coordenação de Helena Gomes. Este é o texto integral de Tempo de Esperança:
[...]
Tempo de Esperança
Ana Lúcia Borges, Ana Paula Mackevicius, Antonio Marcos
Santos Silva,
Júlio César Chaves, Maria Helena Sousa |
Raimunda com seu filho Henrique
Foto: Antonio Marcos Santos Silva - enviada
a Novo Milênio pelos autores do livro
Capítulo 2
por Antonio Marcos Santos Silva
Guerreira solitária
Henrique de Carvalho, 20 anos, é um filho mais do que
especial para a pernambucana Raimunda Francisca Santana, 50 anos. O garoto nasceu na manhã de 13
de junho de 1987, um bebê saudável que vinha para preencher a família.
Quando começou a ir para a escolinha, demonstrava ser uma criança hiperativa, muito agitada e bem esperta. Por
se destacar bastante dos outros alunos, a professora pediu para Raimunda levar
o filho ao neurologista. O resultado do exame acusou que a criança tinha uma lesão cerebral.
"Quando recebi a noticia do médico, foi muito difícil aceitar. Chorei muito, não esperava que isso fosse
acontecer justamente com o meu filho, me
desesperei", revela a mãe, emocionada. Até hoje o pai não aceita, não se abre, não dialoga com o filho. Com isso a supermãe teve que se desdobrar.
Ela conta que, quando perguntam a Henrique sobre o pai, ele exclama: "ele não gosta de mim, então não gosto dele!".
O pai nunca participou das atividades do filho na Casa da
Esperança. Pensa que dar o de comer, beber e pagar as despesas é o suficiente. Raimunda diz que,
após Henrique ter entrado na instituição, se tornou uma criança mais tranqüila e atenciosa. Com um largo sorriso no rosto, ela conta que o filho
aprendeu a se relacionar melhor com as pessoas e que gosta muito de futebol. "Se perguntar qualquer coisa sobre futebol, ele responde na hora... ele
ama esse esporte", diz a super mãe.
Henrique não tem coordenação para escrever, então quando tem jogo do Santos FC, que é o seu time de coração,
ele escreve nas réguas que vêm com as letras para circular. Através desta régua, o menino escreve toda a escalação, do goleiro até o último
atacante. A mãe compra o jornal O Lance todo final de semana. "A
leitura deste jornal é uma das diversões dele", argumenta.
Raimunda conta que o filho não gosta de ir à APAE
(Associação dos Pais e Amigos Excepcionais), porque lá ele tem que fazer diversas atividades,
entre elas costurar e plantar. Henrique sempre repete para ela que não é mulher para costurar. Enquanto fala do filho, Raimunda vai pintando o seu
quadro, atividade que ela faz para acompanhar o filho dentro da instituição e também para poder se distrair.
Três vezes por semana, exatamente nas terças, quintas e sextas-feiras, Henrique, acompanhado pela mãe, vai à
Casa da Esperança, e a segundas e quartas-feiras, à APAE. O garoto estudou dos
7aos 17 anos no colégio Princesa Isabel. Em paralelo, já freqüentava a Casa da Esperança, onde
começou e permanece fazendo o tratamento. É o lugar que ele mais gosta de ficar.
As dúvidas, desejos e sonhos de Henrique são sempre compartilhados com a sua melhor amiga, a mãe. Raimunda
argumenta que ele sempre pergunta por que não namora, não pode ficar na rua com os outros garotos da mesma idade que a dele e
por que não pode ir para as baladas. As respostas são as mais difíceis de serem encontradas, mas com um jeitinho que só as mães conseguem responder,
ela se vira.
Sempre sorridente e orgulhosa do filho que tem, Raimunda
conta que ele já se apaixonou. Dentro da Casa da Esperança, fez amizade com uma menina que trazia a sobrinha todos os dias
para o tratamento. A mãe pensa que foi por causa da atenção que a menina dava a Henrique que ele se apaixonou. Essa paixão fez com que Raimunda
gastasse um bom dinheiro. Por quê? Henrique, com seu bom gosto para presentes, fazia a mãe comprar brincos, correntes e muito mais.
"Não imagino ver o meu filho sozinho. Sofri muito, fumava três maços de cigarro
por dia, quase entrei em depressão. Então, tive que dar a volta por cima, porque eu sou a família dele", diz a guerreira
solitária quando pensa no futuro do filho. Os olhos se enchem de lágrimas, a pausa na conversa e o silêncio impressionam. "O dia que eu tiver que ir
desse mundo, ele vai comigo", diz a mãe com um olhar bem distante, muito longe da sala de pintura.
A conversa continua quando um funcionário da Casa da Esperança a chama: "Amanda?". Este é o nome adotado pela
nossa mãe guerreira quando não é chamada de Raí, o nome artístico que assina nos quadros. A origem do nome Amanda é muito interessante. Quando veio
de Recife para São Paulo, a jovem Raimunda conheceu o marido. Então, a família do até então namorado não gostava do nome da jovem, que se tornou
Amanda.
São 16h20 do dia 17 de outubro de 2007. Do nada, Raimunda, que continua pintando uma bela paisagem em seu
quadro, espontaneamente fala: "sou apaixonada pelo meu filho, ele é o orgulho da minha vida". Vi aquele ato como uma forma de dizer o quanto essa
mãe sofreu, sofre, porém é feliz com o filho, do jeito que toda mãe precisa ser. Mãe essa que auxilia as aulas de pinturas da professora Arlete da
Silva, 47 anos, que faz com que aquela sala colorida e decorada com quadros pintados pelos próprios alunos se torne a sala dos sonhos.
Quadros de alunos da Casa da Esperança
Foto: acervo Casa da Esperança - enviada a
Novo Milênio pelos autores do livro
A sala dos sonhos
Trabalhando há cinco anos na Casa da Esperança, a professora Arlete, que aparentemente mostra ser uma pessoa
de poucas palavras, porém de fácil sorriso e voz
firme, conta sobre seus objetivos dentro da casa e projetos já concluídos e o que estão por vir.
Tudo começou no ano de 2002. A professora ministrava apenas aulas particulares. Mas, percebendo que o número
de PPNE (Pessoas Portadoras de Necessidades Especiais) era muito grande, decidiu fazer algo mais, e aceitou o convite da amiga Maria Aparecida
Pieruzzi "Nega", presidente da Casa da Esperança. "Despertou-me o interesse em preparar essas pessoas para atos que pudessem mudar a imagem deles,
antes julgados incapazes de fazer algo tão perfeito quanto os ditos normais", completa Arlete.
Partindo deste raciocínio, Arlete elaborou uma proposta de
trabalho, batizada de Oficina de Artes. Por ser considerado uma atividade terapêutica no
processo de reabilitação, o trabalho tem por finalidade mostrar ao mundo que todos têm potencial. "Se tiverem oportunidade e credibilidade, essas
pessoas conseguirão sem dúvida incluir-se na sociedade".
Os objetivos do projeto incluem exercitar a criatividade existente em cada um, mostrar a capacidade de
desenvolver trabalhos que venham auxiliar o orçamento da família, elevar a auto-estima, despertar a sensibilidade do PPNE, ensinar a arte da pintura
em óleo sobre tela, acrílico e em tecido e incentivar a realização de exposições em feiras, eventos culturais e outros. "Hoje graças a Deus,
realizamos tudo o que estava no projeto, e queremos mais", conta Arlete.
A metodologia de trabalho da professora consiste em fazer com que as técnicas sejam absorvidas de forma única
e individual, de acordo com a imaginação e a capacidade de cada um. Nas aulas de pintura, utilizando óleo ou acrílico, Arlete observa o potencial
dos alunos naturalmente, orientando e aperfeiçoando a criatividade
deles, seja no abstrato, moderno ou Neo Acadêmico (figurativo).
Nas aulas de artesanato, Arlete destaca que os alunos têm que sentir prazer em fazer a arte, sem se sentirem
entediados. Os trabalhos em panos de capa, toalhas, camisetas e imãs de geladeiras, a exemplo das pinturas, também são comercializados, expostos em
feiras e eventos, ou para uso próprio de cada artista. "Muitos até
sentem dificuldade em alguns trabalhos a serem realizados, mas devemos mostrar a eles que não devem desanimar, pois enfrentar
obstáculos e vencê-los ajuda a crescer e muito", explica a mestra.
Para Arlete, a arte está ligada à formação do ser social, pois auxilia a desenvolver a sensibilidade e a
imaginação. Em sua primeira aula como
professora, porém, ela recebeu um desafio. "A Nega me perguntou se eu daria aula para um determinado aluno. Então eu respondi: 'é claro que vou, por
que não?' Daí a profissional que estava anteriormente em meu lugar revelou que já tinha chegado ao limite da criança e que eu não conseguiria tirar
mais nada dela. Eu olhei para o aluno e o seu olhar me perguntava: 'será que ela realmente vai dar aula pra mim?'" Aquilo me tocou profundamente.
Encarei como um desafio. Hoje, ele é um dos meus melhores".
A professora se enche de orgulho ao comentar que seus
alunos deficientes auditivos que são muito talentosos. "Todos pintam maravilhosamente bem. Confesso que alguns pintam coisas
que eu não conseguiria... São artistas! Tem aulas em que eles se divertem comigo, me chamam de louca, porque às vezes esqueço que tenho que usar a
lousa para escrever e até mesmo desenhar e começo a fazer macaquices, pulo, gesticulo... Eu é que me divirto com eles", completa, sorridente, a
professora.
Ela cita também um aluno em especial, Steve, garoto que freqüenta a Casa da Esperança há muito tempo. Ao falar
do menino, a professora sorri e se emociona, porque o garoto aprendeu as cores ao decorá-las durante as aulas. "Ele prestava muita atenção durante
as pinturas. Quando eu pedia para mudar a cor, ele observava os outros e conseguia acompanhar a aula... Aquilo foi muito legal".
Ninguém na instituição sabia que Arlete ia nos horários de almoço para a casa de Steve no período em que ele
precisou fazer uma cirurgia nas pernas. Tudo para que ele não interrompesse seu aprendizado. Foram seis meses de ausência do aluno na Casa da
Esperança. "Eu não perdia o meu horário de almoço. Eu ganhava... Quando eu chegava, ele já estava sorrindo e sentado no chão
ansioso para que a aula começasse. Eu ficava feliz com a evolução dele e me divertia muito".
A realização pessoal e profissional é evidente. "Ficaria muito feliz que, quando eu parasse de ministrar
aulas, no meu lugar ficasse um de meus alunos, pois muitos possuem talento de sobra para poder dar continuidade neste trabalho",
deseja. "Clareza, simplicidade e diálogos fazem parte do meu trabalho. Os termos técnicos eu uso só para complementar. Faço questão da ilustração
como referência, fazendo com que eles produzam o mais próximo possível da realidade", comenta Arlete, enquanto seu olhar inquieto acompanhava os
alunos que pintavam com muita vida as paisagens da sala dos sonhos.
Professora Arlete com um de seus alunos
Foto: acervo Casa da Esperança - enviada a
Novo Milênio pelos autores do livro |
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