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HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO - HISTÓRIA - BIBLIOTECA NM
A História Econômica de Cubatão (20)

Com o título: "Entre estatais e transnacionais: o Pólo Industrial de Cubatão", esta tese de doutorado foi defendida em janeiro de 2003 no Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp) pelo professor-doutor Joaquim Miguel Couto, de Cubatão, que autorizou sua transcrição em Novo Milênio. O tema continua:

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ENTRE ESTATAIS E TRANSNACIONAIS: O PÓLO INDUSTRIAL DE CUBATÃO

Prof. Joaquim Miguel Couto

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Capítulo IV

Crise ambiental e reestruturação produtiva (as décadas de 80 e 90)

4.3 - Favelas, migração e miséria urbana

Ao lado da poluição, a industrialização do município de Cubatão trouxe também um outro problema, tão grave quanto o primeiro: a miséria da maior parte de sua população. Não foi, entretanto, a população que vivia em Cubatão, antes da industrialização, que se tornou miserável. Ao contrário, essas pessoas foram as mais beneficiadas pela chegada das indústrias, através da valorização de seus imóveis (casas e terras), melhores empregos e aumento da demanda de seu comércio e serviços.

Assim, os miseráveis acabaram sendo os migrantes que vieram para o município, a partir dos anos 50, à procura de emprego e melhores condições de vida. Muitos desses migrantes realmente conseguiram o que procuravam [42],  mas a grande maioria não. Ficaram excluídos e marginalizados dos benefícios da industrialização, restando para eles apenas a pobreza e a doença [43].


Cubatão, uma cidade bucólica... em 1935
Foto reproduzida da compilação Avenida de Todos Nós – Desenvolvimento Histórico da Avenida Nove de Abril (produção da Sociedade Amigos da Biblioteca e Arquivo Histórico, Cubatão-SP, 8/2003)
Acervo: Rolando Roebbelen

Cubatão, antes do surto industrial de 1950, era uma típica pequena cidade do interior paulista. Vivia, principalmente, em função de sua agricultura. Para os paulistanos e santistas, o povo cubatense era caracterizado como caipira. Não tanto em função do linguajar, mas, sim, dos hábitos simples de sua população, resultantes de suas condições econômicas reduzidas, haja vista que nem as abastadas famílias exibiam luxo ou ostentação, vestindo-se e morando com simplicidade.

Apesar dessa simplicidade e de um universo econômico reduzido, não existiam favelas em Cubatão. As pessoas moravam em suas terras, quase todas com plantações de subsistência. Poucos imóveis eram alugados. Consta que antigos bananicultores, do início do século XX, costumavam ceder alguns lotes de terras para os migrantes que chegavam à cidade. Faltava gente em Cubatão; faltavam trabalhadores nos bananais. O censo demográfico de 1940, registrou essa baixa densidade populacional: apenas 6.570 pessoas (3.934 homens e 2.636 mulheres), em sua grande maioria nascidos no próprio distrito. Os poucos imigrantes eram centrados nos portugueses. Todos se conheciam.

Esse universo encantado começou a ruir na década de quarenta. As obras de construção da Via Anchieta chegaram à Serra do Mar em 1942. Tem-se início a primeira invasão de migrantes de outros estados brasileiros. Tem-se início, também, a primeira favela. Nos antigos acampamentos do D.E.R. (Departamento de Estradas de Rodagem), órgão responsável pela construção da Via Anchieta, surgiram as primeiras ocupações ilegais, as chamadas Cotas [44].

O fluxo de pessoas que a construção da Via Anchieta trouxe para Cubatão já é registrado no censo de 1950. De uma população total de 11.803 pessoas, 4.680 se identificaram como migrantes, ou seja, 40% de toda a população. Parte desses migrantes moravam nas Cotas. Isto demonstra que antes da sua fase industrial, Cubatão já havia passado por uma transformação populacional nunca vista em sua história [45].

Com a construção da refinaria de petróleo, a partir de 1951, começou a segunda invasão do município. Enquanto a primeira invasão estava localizada longe do centro da cidade, a segunda aconteceu contígua. Foi captada mais facilmente pela população local, que se admirava de não conhecer mais as pessoas que transitavam pela avenida principal. A construção da Refinaria deu início a uma pequena favela, erguida na faixa do Oleoduto, adquirindo esse nome.

Como resultado da aglomeração urbana provocada pela Refinaria, surgiram os imóveis para locação e os aluguéis subiram rapidamente, dado o fluxo de pessoas que chegavam à procura de moradias. A Refinaria montou seu próprio acampamento para os operários, mas tão logo terminaram as obras, foram todos desmanchados. Tudo leva a crer que os trabalhadores mais humildes, que não conseguiram comprar ou alugar uma residência no centro da cidade, foram morar nas Cotas da Serra do Mar [46].

No censo de 1960, podemos verificar o crescimento da população de Cubatão em função da montagem do seu pólo petroquímico. Com 25.076 moradores, Cubatão teve sua população acrescida em 112,4%, bem acima dos 40,4% do Estado de São Paulo [47]. Desse total, 10.609 pessoas eram migrantes, ou seja, 42,3% do total [48].

Durante o ano de 1958, com o começo dos serviços de terraplenagem da Cosipa, em Piaçagüera, formou-se a Vila Parisi. Nessa mesma época, foi invadida uma propriedade privada (antigo bananal) por trabalhadores que estavam construindo a Copebrás, que ficou conhecida por Areais (ou Sítio Capivari). No início dos anos 60, começou a ocupação das áreas do mangue (terrenos de propriedade da União), situadas ao longo do Oleoduto Santos-São Paulo: a conhecida Vila Socó (ou Vila São José). Portanto, é no final da década de 1950 e início dos anos 60, que surgem as grandes favelas de Cubatão.

Sem dúvida alguma, a grande atração de mão-de-obra migrante da história de Cubatão veio por intermédio da construção da Cosipa. Os operários envolvidos nessa imensa e longa construção, trabalhadores das empreiteiras, praticamente invadiram Vila Parisi, Vila Socó e Cotas. Surge também um novo aglomerado, a Vila dos Pescadores, na divisa com a cidade de Santos, que também ocupou o mangue da região [49].

O censo de 1970 demonstra bem o resultado dessa terceira invasão de Cubatão. A população total da cidade cresce 103% em relação a 1960, enquanto o Estado de São Paulo cresceu apenas 38,6%. De uma população total de 50.906 pessoas, somente 16.604 (32,6%) eram habitantes natos da cidade. De outros municípios do Estado de São Paulo somavam 9.438 pessoas (18,6%); de outros Estados brasileiros eram mais 23.819 (46,8%); estrangeiros eram 979 (1,9%) e brasileiros naturalizados, apenas, 66 (0,11%) (Peralta, 1979:233) [50]. Apesar disso, a população de Cubatão ainda era de maioria paulista (26.042 pessoas), contra 13.867 nordestinos e 6.299 mineiros.

Em pesquisa realizada em 1968/69, Goldenstein (1972:263) confirmou a predominância da mão-de-obra paulista na indústria de Cubatão. Quanto à sua origem, os trabalhadores do Pólo Industrial eram 28% da Baixada Santista, 26% de nordestinos, 19% de paulistas (excluindo a Baixada Santista), 12% de mineiros, 9% de outros Estados do país e 6% de estrangeiros ou naturalizados; ou seja, 47% eram naturais do Estado de São Paulo.

Durante a década de 70, as ocupações irregulares continuaram a todo vapor, embora a taxa de crescimento da população tenha se reduzido a metade. Surgem as favelas de Vila Natal (1974), do Morro do Pica-Pau (1978) e do Lixão (Itutinga) (Damiani, 1984:175/178). O censo de 1980 registra que a população cresceu 54,5%, em relação a 1970, aproximando-se da taxa de crescimento do Estado de São Paulo (40,9%).

A migração continuava, e sua origem também: Sudeste, 47,1%; Nordeste, 43,3%; Sul, 7,2%; Centro-Oeste, 2,4% (Gutberlet, 1996:96). O fato das invasões terem aumentado nessa época, significou, simplesmente, que as áreas regulares para construção em Cubatão haviam se esgotado, bem como o preço das existentes era incompatível com a renda desses moradores.

Cubatão sempre foi uma pequena cidade, com poucas áreas próprias para habitação. De acordo com Rezende (1992:10), dos 148 km² do município, 84,4 km² são serras e morros (57%), 37 km² são mangues (25%) e 26,6 km² são planícies e mangues aterrados (18%). Ou seja, a ocupação para efeitos de habitação representa apenas as áreas de planície e mangues aterrados, de exíguos 26,6 km². Contudo, parte dessas planícies e mangues aterrados estão hoje ocupados pelas indústrias, sobrando cerca de 16 km² de áreas próprias para habitação, comércio e serviços de toda ordem.

Este pequeno espaço é o principal determinante para que os aluguéis e o preço dos imóveis tenham se tornado muito caros, em relação ao que era antes de 1950, quando a demanda por habitação era baixa. Assim, as famílias mais humildes, que tinham seus chefes de famílias empregados nas empreiteiras, moravam, em grande parte, em áreas impróprias de serras e mangues.

Além disso, o alto preço das terras e dos aluguéis de Cubatão expulsaram parte de sua mão-de-obra empregada nas empreiteiras, bem como os de menores salários das indústrias, para as terras mais baratas de Vicente de Carvalho (Guarujá), Zona Continental de São Vicente e Praia Grande [51].

A poluição da cidade também ajudou a afugentar uma parte de sua população, tanto migrante quanto natural. Santos e as áreas da orla de São Vicente continuavam sendo privilégio dos empregados com melhores salários do Pólo Industrial. Já nos anos 70, Cubatão era uma cidade transformada em mercado-de-trabalho de pessoas que moravam nos municípios vizinhos [52].

Apesar dos problemas de moradia e poluição ambiental, Cubatão atravessou as décadas de 50, 60 e 70 com uma pujança econômica extraordinária. Nada conseguia estancar seu crescimento industrial, o aumento de seus empregos e a crescente arrecadação fiscal. A cidade atravessou estas três décadas imune a tudo que acontecia no pais [53].

No final dos anos 70, mesmo com o crescimento de suas favelas e da poluição alarmante, Cubatão era a Meca do Trabalhador. Não havia desemprego [54]. O início dos anos 80, por essa razão, foi uma tragédia para a cidade: a crise econômica atingiu em cheio o Pólo Industrial de Cubatão.

Nesta fase, muitos investimentos foram anulados e obras, em andamento, suspensas. A principal conseqüência imediata da crise foi a interrupção das obras de expansão da Cosipa, em 1981, que desempregou cerca de 16 mil pessoas contratadas pelas empreiteiras [55].

Milhares desses trabalhadores, que viviam nos alojamentos das empreiteiras, foram jogados na rua, sem dinheiro e habitação. Restaram as invasões: eram erguidos cerca de 40 novos barracos por dia, em Cubatão, no início dos anos 80 (Gutberlet, 1996:40) [56].


Vila Parisi, em 1987
Foto: folheto Cubatão - Um Governo com o Povo - Prefeitura Municipal de Cubatão, janeiro de 1987

Se 1981 foi o início da crise, nos anos seguintes, 1982 e 1983, a situação se complica ainda mais. A cidade passa a viver um problema crônico de desemprego, como nunca antes havia visto [57].

Com a interrupção de várias obras industriais, muitas das empresas empreiteiras, responsáveis por essas construções, pediram falência e foram embora da cidade, deixando seus empregados sem receber seus direitos trabalhistas, contribuindo para aumentar o desespero dessas pessoas [58]. O ecólogo Samuel Branco, vivendo o clima da época, retratou com incrível realismo o que era e no que se transformou a Cubatão do início dos anos 80:

"A mutação que observamos é drástica: a preservação quase mística da integridade do meio ambiente, foi substituída pela pilhagem e depravação; a paisagem natural, com suas imensas superfícies de águas límpidas e piscosas; a exuberância das florestas de montanha; o intrincado das matas de coqueiros da baixada; o majestoso e tranqüilo manguezal com seus caranguejos, seus peixes, suas ostras e almeijas, suas aves e sua incrível fertilidade; a brisa fresca do oceano; tudo isso substituído por um terreno disforme e feio, sulcado de canais infectos, assoreados e poluídos; pelos paliteiros de árvores secas e retorcidas; pelos aterros intermináveis realizados com as sucatas e escórias das fábricas ou com a terra resultante do desmonte criminoso de morros vizinhos, estes, por sua vez, reduzidos a feias feridas de terra vermelha; pelo lodaçal malcheiroso estéril e semipovoado de plantas de mangue desgalhadas e retorcidas; pelo ruído incessante das máquinas e dos veículos em substituição ao gorjeio de pássaros; pelo bafo quente e pegajoso dos ventos, aquecidos e negrecidos pelas chaminés e não mais refrescados e purificados pela vegetação.

"Finalmente, o homem nativo ou os caiçaras seus descendentes, habituados à vida bucólica da pesca, da caça, do cultivo de bananas e de mandioca, à atividade artesanal, ao transporte em canoas e chatas rebocadas ao longo dos inúmeros meandros de intrincada rede de canais que formam o majestoso estuário transportando suas bananas, seus palmitos, seus peixes, seus cestos, ou sua farinha foram substituídos pelo assalariado da indústria ou pelo desemprego marginal que vive à beira do manguezal ou ainda em sub-habitações, desnutrido, desadaptado e desocupado, triste figura do retirante transformado na degradante realidade do cama-quente" (Branco, 1984:94/95) [59].

Meio aterrorizada, Gutberlet (1996:82) confirmou que as camas quentes ainda eram freqüentes em Cubatão, quando da realização de sua pesquisa (1987). Registrou que uma parte considerável da população vivia nos bairros pobres, nas favelas e nos cortiços, sendo que em 1986, esse número era de aproximadamente 50% da população. Em 1984, apenas 5,9% dos habitantes eram proprietários, 7,1% estavam em planos de financiamentos, 64% eram inquilinos e 23% ocupavam a terra ilegalmente.

Somente a retomada das obras de ampliação da Cosipa, em 1984, veio a minorar a situação calamitosa da falta de trabalho no município. Em 1985, a Cosipa já voltava a empregar cerca de 15.000 pessoas contratadas.

O censo de 1991 demonstrou, de maneira nítida, o efeito da crise econômica dos anos 80 sobre o crescimento da população de Cubatão. Pela primeira vez, desde 1950, a população da cidade cresceu a uma taxa menor que a população do Estado de São Paulo (15,9% contra 26,1%), conforme as Tabelas 33 e 34. Esse crescimento também foi menor em relação a São Vicente, Guarujá e Praia Grande (exceto Santos).

Essa baixa taxa de crescimento populacional foi explicada pelo Boletim da Prefeitura (PMC, 1988), em princípio, pela queda da migração, a partir do início dos anos 80, em razão da recessão e da diminuição da produção das indústrias. Contudo, admitia que havia ocorrido uma migração interna, pois muitos moradores de Vila Parisi migraram para os Bairros-Cota, fugindo dos aluguéis [60]. Esquece o Boletim, entretanto, que uma parte da população de Cubatão migrou para outras cidades da Baixada Santista, em função da poluição e dos desastres ocorridos (como a explosão de Vila Socó, em 1984) [61].

A crise ambiental e as exigências rígidas para a construção de novas indústrias ou ampliações; a crise econômica brasileira dos anos 80 que gerou o fenômeno da estagflação (estagnação com inflação); e a mudança dos rumos do desenvolvimento econômico com a abertura da economia na década de 90, tornaram inempregáveis uma grande maioria dos operários que viviam das obras de construção das indústrias.

A própria característica das indústrias instaladas em Cubatão, intensiva em capital, e a dinâmica da economia brasileira dos anos 90, que exigiu investimentos em tecnologias modernas, poupadoras de mão-de-obra, fizeram surgir em Cubatão o famigerado desemprego estrutural ou tecnológico [62].

Os dados recentes dos censos de 1996 e 2000 refletem a falta de oportunidades de emprego em Cubatão. A população cresceu, em 1996 (em relação a 1991), a uma taxa menor que a do Estado de São Paulo, superior apenas a Santos e São Vicente. No ano de 2000, a população quase que empata com a taxa de crescimento do Estado, ficando bem abaixo das taxas de Praia Grande e Guarujá.

TABELA 33

População da Baixada Santista - 1980/2000

Municípios

1980

1991

1996

2000

Cubatão

  78.631

  91.136

  97.257

107.904

Santos

416.677

428.923

412.243

417.777

São Vicente

193.008

268.618

279.528

302.678

Guarujá

151.120

210.207

226.365

265.155

Praia Grande

  66.004

123.492

150.388

191.811

Fonte: IBGE (Censos demográficos)

TABELA 34

Crescimento percentual da população 
da Baixada Santista - 1980/2000

Municípios

1980/1991

1991/1996

1996/2000

1991/2000

Cubatão

15,9

6,7

10,9

18,4

Santos

2,9

-3,9

1,3

-2,6

São Vicente

39,2

4,1

89,3

12,7

Guarujá

39,1

7,7

17,1

26,1

Praia Grande

87,1

21,8

27,5

55,3

Est. de São Paulo

26,1

8,0

8,5

17,2

Fonte: IBGE (Censos demográficos)

[...]


NOTAS:

[42] "(...) até em algumas cidades médias, a industrialização acelerada e a urbanização rápida vão criando novas oportunidades de vida, oportunidades de investimentos e oportunidades de trabalho" (Mello & Novais, 1998:581).

[43] "A corrente migratória tende, geralmente, a ser muito maior do que o número de empregos ofertados pela indústria ou outros setores de atividades econômicas urbanas. Esse excedente de mão-de-obra, aglomerado nas grandes concentrações urbanas, aspira a empregos e níveis de renda que o sistema econômico não é capaz de lhe proporcionar (...) O crescimento populacional é explosivo, a concentração em áreas urbanas é muito mais rápida e intensa, enquanto a indústria, devido ao alto grau tecnológico, isto é, sua densidade em capital, não é capaz de dar empregos em quantidade suficiente às massas urbanas, gerando assim problemas com amplas projeções no campo político e social" (Rattner, 1972:58/59).

[44] Por Cotas entende-se a altura da Serra do Mar em relação a sua raiz. Assim, Cota 200 significa que o núcleo populacional está à altura de 200 metros da raiz da Serra.

[45] A população do Estado de São Paulo cresceu 27,2% entre 1940 e 1950, enquanto Cubatão aumentou 79,6%. Caso a população tivesse seguido o mesmo crescimento do Estado de São Paulo, a cidade teria cerca de 8.357 pessoas. Mas isso não aconteceu. Ao contrário, a população natural de Cubatão, no censo de 1950, era de apenas 7.123, ou seja, cresceu abaixo do Estado. Seu aumento, portanto, muito maior que o Estado, deveu-se à migração provocada pela construção da Via Anchieta.

[46] Segundo a historiadora Dulce Pandolfi (2001:57), do CPDOC/FGV, "O êxodo rural, desastroso para todos, transformava as cidades em receptáculos de trabalhadores que iam buscar no mundo urbano o que não podiam obter no campo. A urbanização desordenada foi a base da geração que hoje constitui a maioria dos nossos pobres e miseráveis. A infra-estrutura (saneamento básico, transporte, habitação, saúde e energia) das pequenas, médias e principalmente das grandes cidades se tornou precária. Enquanto os serviços públicos caíam de qualidade de forma rápida e acentuada, multiplicava-se o número de favelas e aumentavam os índices de violência".

Para Rattner (1972:19/20), "no Brasil, a concentração de grandes massas da população nas áreas urbanas (...) é conseqüência da miséria no campo que expulsa seus habitantes para os núcleos urbanos". Segundo Rubin (1974:279), "na sociedade capitalista, a distribuição do trabalho está regulada pela distribuição do capital"

[47] "O crescimento de cidades industriais, muitas vezes erigidas em áreas onde antes existiam poucas e esparsas habitações, é geralmente mais rápido e intenso do que o de cidades (...) tradicionais" (Rattner, 1972:21). O caso da cidade de Santos se encaixa nesta observação de Rattner, pois já se encontrava toda ocupada no momento da industrialização de Cubatão.

[48] A tecnificação dos processos produtivos no campo, nos anos 60, intensificou o êxodo rural: "Na década de 60, abandonaram o campo quase 14 milhões de pessoas, e, na de 70, outros 17 milhões. A miséria rural é, por assim dizer, exportada para a cidade. E, na cidade, a chegada de verdadeiras massas de migrantes - quase 31 milhões entre 1960 e 1980 - pressionou constantemente a base do mercado de trabalho urbano" (Mello & Novais, 1998:619).

[49] "Na impossibilidade de abrigar adequadamente as massas que afluem aos centros urbanos, em busca de novas oportunidades de emprego, processa-se um transplante de estilo e organização de vida tradicionais para os centros urbanos modernos, sob forma de favelas, cortiços, mocambos, que dificilmente são assimiláveis e, portanto, tendem à marginalização permanente" (Rattner, 1972:64).

Estudo da Faculdade de Arquitetura da USP, de 1968, já sentia os problemas de Cubatão: "Dos 14.600 empregados que trabalham no complexo industrial de Cubatão, cerca de 40% reside no município de Cubatão. Os demais buscam como local de residência outros municípios da Baixada, em especial, Santos, São Vicente e Guarujá. Por outro lado, dos 40.300 habitantes do município cerca de 40% residem em sub-habitações e mesmo em favelas, como a de Vila Socó, por exemplo. Assim temos dois fatos paradoxais: 1) Num dos municípios de maior valor de transformação industrial, não existem condições de habitabilidade que o tornem atrativo para os operários que ali trabalham; 2) Este mesmo município tem quase metade de sua população com baixo poder aquisitivo que em pouco contribuem para o desenvolvimento da área" (FAUUSP, 1968a:04).

[50] Das 23.819 pessoas que vieram de outros estados do país, temos a seguinte divisão: Minas Gerais: 6.299; Bahia: 4.412; Pernambuco: 2.942; Sergipe: 2.644; Alagoas: 1.905; Rio de Janeiro: 1.700; Espirito Santos: 770; Paraíba: 724; Ceará: 649; Paraná: 475; Rio Grande do Norte: 417; Santa Catarina: 240; Rio Grande do Sul: 198; Piauí: 119; Mato Grosso: 96; Goiás: 72; Maranhão: 55; Pará: 41; Distrito Federal: 25; Amazonas: 14; Territórios: 22 (Peralta, 1979:233).  O censo também registrou que apenas 1% da população de Cubatão era rural.

[51] "Industrialização esta que, por outro lado, não definiu um processo de urbanização de grandes proporções em Cubatão, diluindo-o em outras cidades da Baixada Santista, e mesmo na metrópole de São Paulo" (Damiani,1984:95). Segundo Goldenstein (1972:302), "apesar das transformações por que tem passado o espaço local - Cubatão - e sendo ele um típico centro industrial satélite, sua participação extravasa a área e influência a vida de toda a região - Baixada Santista - como muito bem se pode sentir ao analisar o local de residência da mão-de-obra".

[52] A saturação urbana de Cubatão pode ser compreendida pelo aumento de suas construções. Em 1960, Goldenstein (1965) computou para Cubatão 5.400 casas; já para o ano de 1963, eram 7.600, ou seja, um crescimento de 40,7% em apenas três anos. Contudo, em 1971, a cidade possuía 9.203 moradias, um aumento de apenas 21% em oito anos, fruto da falta de áreas próprias para novas construções e preços elevados dos terrenos. Em 1975, as moradias pouco aumentaram: eram apenas 10.952 (PMC, 1976:48).

Com isso, podemos concluir que o baixo crescimento dos imóveis, depois do boom do início dos anos 60, refletiu a incapacidade do município em receber novas edificações, compatíveis com o ganho dos trabalhadores. Temos aí o começo das invasões, de forma grotesca, nos mangues e serras.

Assim Peralta (1979:163) comenta essa situação, no final dos anos 70: "O número de casas construídas anualmente em Cubatão é insuficiente; os aluguéis estão além do poder aquisitivo da população, sendo reconhecidamente os mais caros da Baixada Paulista; o preço dos imóveis, terra ou moradia, proibitivos. Daí o aparecimento e desenvolvimento das Vilas-Misérias".

Também a Emplasa (1993:17) vai na mesma linha: "A especulação imobiliária foi intensa e, já no início dos anos 70, observou-se um princípio de saturação na área urbanizada da Ilha Vicentina e em Cubatão. A população residente apresentou sinais de deterioração da qualidade de vida e, por falta de  novos espaços apropriados à ocupação, uma significativa parcela da população residente, que possuía menor poder aquisitivo, passou a fixar-se em áreas absolutamente impróprias, como os mangues, morros e encostas da Serra do Mar".

[53] O ciclo recessivo da economia brasileira de 1963/67, não arrefeceu a euforia daqueles dias gloriosos da indústria em Cubatão. A cidade continuou sendo um grande canteiro de obras. Olhando apenas para Cubatão, poucos perceberiam que o país estava em recessão.

[54] "As promessas de expansão do setor produtivo que lhe dizia respeito e, para o caso específico de Cubatão, as obras de implantação do parque, e de infra-estrutura que o viabilizou, agiram fatalmente sobre sua necessidade de empregos: diante do término de uma obra, outra subsequente garantia sua permanência na região. A abundância de empregos, dentro ou em torno das indústrias, desviou as atenções de todos durante o período da instalação industrial para as restrições da política social-trabalhista do governo Vargas ou, posteriormente, para sua inexistência no período JK, ou ainda durante os regimes militares" (Ferreira,1993:43).

Segundo Damiani (1984:135), "a cidade, em determinados períodos, como em meados da década de 70, com a expansão das indústrias e a construção da Rodovia dos Imigrantes, transformou-se numa espécie de acampamento industrial".

[55] A Cosipa empregava, em fevereiro de 1981, 18.125 trabalhadores de empreiteiras nas obras de seu Estágio III de expansão. Com a crise de 1981, este número vai diminuindo mês a mês, chegando em dezembro com apenas 2.308 trabalhadores. Ou seja, quase 16 mil pessoas foram demitidas. Em 1982, parecia que as coisas estavam melhorando, pois, em abril, a Cosipa já havia contratado 5.990 pessoas, no entanto, novamente as obras são canceladas, terminando o ano com apenas 1.770 trabalhadores (Damiani, 1984:80).

[56] "Nas regiões de maior dinamismo econômico, bastava a ocorrência de algum percalço ou de alguma fatalidade para que a vulnerabilidade decorrente dos baixos salários ou da baixa renda se traduzisse em insuficiência alimentar, em precariedade habitacional etc." (Mello & Novais, 1998:625).

[57] Silva (1984:08), em abril de 1984, assim observava a crise do emprego em Cubatão: "A oferta de trabalho diminui a cada dia, e os que estão empregados temem o fantasma da fome e miséria (...) O número de desempregados é alarmante, em função de sua capacidade [do Parque Industrial] de absorver a mão-de-obra aqui existente (...) As favelas crescem a margem da periferia cubatense, enquanto o nível de vida decresce, para desespero dos que aqui residem".

[58] Também a construção pesada estava sujeita às crises de acumulação de capital: em 1982, quando a crise econômica se agravou, havia por volta de 100 empreiteiras trabalhando simultaneamente em Cubatão, as maiores reunindo até 4.000 trabalhadores. Em fins de 1983, eram menos de 30 empreiteiras, com uma média de no máximo 500 trabalhadores por empresa (Damiani, 1984:49): "De 1982 em diante, muitas empreiteiras saíram de Cubatão; fala-se de falências e concordatas. De qualquer forma, além do desemprego generalizado, deixaram um saldo de encargos sociais não pagos a seus trabalhadores, segundo fontes do sindicato dos trabalhadores da construção civil" (Ibid., p.61).

[59] O próprio Branco (1984:95) explica o que era o típico cama quente de Cubatão, tão comentado entre os moradores da cidade: "O cama quente é o homem que dorme por turnos. Incapaz de constituir família, de possuir sua própria moradia ou mesmo de pagar uma pensão completa, aluga uma cama por oito horas diárias. Assim, nesses desconfortáveis catres mal arranjados, em casebres de madeira em que as janelas são desnecessárias e as portas são fechadas por simples cortinas dando facilidade de acesso a um vai-e-vem contínuo, três turnos de homens se substituem, ao longo das 24 horas, conciliando o horária de trabalho na indústria com o horário de repouso e encontrando sempre o leito aquecido pelo corpo de um companheiro que acaba de sair".

[60] "Durante a noite, os bairros-cota, iluminados, parecem uma nova cidade que cresce na serra, destruindo a camada vegetal que protege os morros. Sem a vegetação, há o risco de avalanches que podem atingir barracos e as pistas das vias Anchieta e Imigrantes" (A Tribuna, 16/08/2001).

Os Bairros-Cota preocuparam até a Emplasa, em seu estudo de 1993: "Como os deslizamentos [na serra] ocorre, com certa freqüência e também por esses bairros [cotas] estarem localizados dentro dos limites do Parque Estadual, onde a ocupação é proibida, a Prefeitura deveria providenciar a remoção dos mesmos. Tendo em vista que Cubatão não tem áreas disponíveis para expansão urbana, a solução torna-se cada vez mais difícil" (Emplasa, 1993:47).

Para Rattner (1972:87), "num país de dimensões continentais, como é o Brasil, impõe-se uma política racional e orientada do fluxo das populações, impedindo seu empilhamento em algumas áreas urbanas, enquanto provoca a formação de um vazio demográfico no seu interior". Segundo o autor, são necessárias medidas de contenção para o crescimento despropositado dos grandes núcleos urbanos, mediante o planejamento com seriedade e coerção. Estima-se que morem cerca de 10 mil pessoas nos Bairros-Cota, atualmente.

[61] "Cubatão é um centro urbano reduzido e redutor de vida, onde o próprio ar, poluído pelas indústrias, afugenta a vida saudável e quem pode comprá-la, isto é, os trabalhadores melhor remunerados, das indústrias e dos serviços urbanos, que habitam cidades vizinhas (...) A acumulação industrial pós-50 em Cubatão, determinou o crescimento da cidade, mas o fez, do ponto de vista da reprodução da força-de-trabalho, tornando-a, principalmente, um espaço segregado à sua porção mais empobrecida, que é a que, em troca de seu suor, consegue uma moradia no Vale da Morte, como é também chamada Cubatão" (Damiani, 1984:47).

[62] "Com a globalização, finalmente, tudo vem à tona. Invertem-se as bases, já frágeis, de reprodução da ordem social existente: faltam empregos e a mobilidade torna-se descendente; muitos sofrem o rebaixamento do padrão de vida e nível de consumo" (Mello & Novais, 1998:652).