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HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO - HISTÓRIA - BIBLIOTECA NM
A História Econômica de Cubatão (21)

Com o título: "Entre estatais e transnacionais: o Pólo Industrial de Cubatão", esta tese de doutorado foi defendida em janeiro de 2003 no Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp) pelo professor-doutor Joaquim Miguel Couto, de Cubatão, que autorizou sua transcrição em Novo Milênio. O tema continua:

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ENTRE ESTATAIS E TRANSNACIONAIS: O PÓLO INDUSTRIAL DE CUBATÃO

Prof. Joaquim Miguel Couto

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Capítulo IV

Crise ambiental e reestruturação produtiva (as décadas de 80 e 90)

4.3 - Favelas, migração e miséria urbana
[...]

Atualmente, as favelas são o principal problema de Cubatão, segundo a Prefeitura e os próprios moradores. Nos mangues, buscou-se cercá-lo com arame farpado para impedir o aumento da ocupação ilegal. Em 2000, Cubatão tinha 26 núcleos considerados favelas ou áreas de risco (Brandão, 2000:164) [63].

Ações públicas para atacar o problema das favelas não faltaram na história da cidade. Ao assumir a Prefeitura de Cubatão, em dezembro de 1975, o prefeito nomeado Carlos Frederico Soares Campos tinha como objetivo principal acabar com as favelas. Seu plano visava o desfavelamento das populações localizadas na Vila Parisi, Vila São José (Vila Socó), Cotas (95/100/200/400/500), Lixão, Pista Descendente da Via Anchieta, Ilha Caraguatá e Sítio Cotia-Pará (PMC, 1977).


O grande incêndio da favela Vila Socó, em 24/2/1984, relembrado 20 anos depois
Fotograma: TV Tribuna, Jornal da Tribuna 2ª Edição (em 24/2/2004, às 19h05)

Não obteve sucesso. Em maio de 1980, a Prefeitura lançou o Plano de Erradicação das Favelas, que novamente naufragou. Em janeiro de 1986, o prefeito eleito, José Osvaldo Passarelli, prometeu uma fiscalização rigorosa nas favelas, procurando evitar suas expansões. Novo fracasso acontece: pelos dados do censo de 1991, registraram-se 26.856 pessoas faveladas no município (residindo em 6.453 barracos), contra 15.038 em 1980, ou seja, os favelados aumentaram 78,6% na década, para um crescimento da população de apenas 15,9%.

Em 1996, foi assinado, entre a Prefeitura de Cubatão e o Governo do Estado de São Paulo, o chamado Pacto de Cubatão. Tratava-se de um convênio que visava unir esforços para conter as invasões no município. Passado pouco tempo, o Pacto caiu no esquecimento, onde nenhuma medida concreta foi tomada.

Em fevereiro de 2002, a Prefeitura de Cubatão decidiu declarar guerra à invasão. Contando com apoio da Policia Ambiental Florestal, da Policia Militar e do Ministério Público, a Prefeitura pretende derrubar todo barraco construído em área irregular. Denominou sua estratégia de invasão zero.

Segundo estimativa da própria Prefeitura, residem nas favelas de Cubatão, atualmente, cerca de 64 mil pessoas (60% da população total do município). Esse novo esforço de fiscalização contará com carros, barcos e helicóptero. Além disso, a Prefeitura pretende construir 15 postos de vigilância permanente (24 horas por dia) nas áreas com potencial de serem invadidas. Resta esperar que essa nova ação da Prefeitura tenha realmente um efeito prático, haja vista os fracassos dos governos anteriores.

No entanto, ao olhar para o passado, percebemos que a migração e a favelização da cidade possui um elemento oculto, fonte dessa exclusão social que se tornou Cubatão. O elemento oculto por trás da favelização são as chamadas empreiteiras. Foram essas empresas, as empreiteiras, as responsáveis pelas obras de construção e ampliação das indústrias de Cubatão. Buscavam sua mão-de-obra em regiões pobres do país, pagando baixos salários e, ao abrigá-la em alojamentos, tinham a possibilidade de um controle maior sobre os operários, pois sem suas famílias, esses trabalhadores se dedicavam exclusivamente ao serviço, em busca de horas-extras para aumentar seus parcos vencimentos [64].

Lembra Gutberlet (1996:98) que as empreiteiras chegavam a buscar operários a mais de 2.000 km de distância (ou seja, nos Estados nordestinos) [65]. Muitas prefeituras de regiões pobres chegavam a pagar a passagem para que seus desocupados viessem arrumar emprego em Cubatão. No final das obras, caso não encontrassem uma nova construção, as empreiteiras dispensavam seus trabalhadores, sem habitação, e muitas vezes sem pagar os direitos trabalhistas da dispensa.

Eram esses despossuídos, em sua maioria, que foram morar em regiões marginalizadas e impróprias (mangues e serras). Não é, portanto, nenhum absurdo culpar as empreiteiras da construção civil pela vinda de grande número de migrantes de regiões pobres, descapitalizados (a ponto de não poderem arrumar uma moradia decente), que depois de dispensados, eram obrigados a invadir áreas e criar favelas [66].

Damiani (1984:98/121), em sua dissertação de mestrado, constatou que a maioria dos trabalhadores das empreiteiras era de favelados. Em Vila Parisi, de 403 trabalhadores entrevistados, 68,5% eram empregados das empreiteiras da construção pesada. Na Cota 95, em 1982, apenas 6% dos trabalhadores eram remanescentes da construção da Via Anchieta, sendo de 70% os trabalhadores de empreiteiras. Sua remuneração era baixa: os salários das empreiteiras estavam na faixa de 2 a 3 salários mínimos, chegando a 4,3 salários para os oficiais e 5 salários para os encarregados. Para a autora, essas pessoas eram tachadas de pobres, ladrões, trabalhadores braçais, meros ajudantes, fazedores de bicos, favelados, desempregados, mas nunca o que eles realmente eram: produtores do centro produtivo de Cubatão.

Ainda em meados dos anos 90, as empreiteiras situadas em Cubatão continuavam contratando trabalhadores do Nordeste, principalmente de Pernambuco, para trabalhar na área da Cosipa. Seu número, inclusive, era superior aos trabalhadores paulistas.

Examinando a situação de Cubatão, em perspectiva histórica, averigüamos que a falta de planejamento urbano foi o que levou o município ao caos. Caos ambiental e caos social. As invasões foram a regra. Desordem é a palavra para descrever o desenvolvimento urbano de Cubatão. Embora tenha faltado um pulso forte da administração municipal contra as invasões, entende-se que este problema é igual ao de outras cidades industriais, cuja solução depende não só dos municípios, mas também dos Estados e da União.

A declaração do atual prefeito de Cubatão, Clermont Castor, é perfeita para entender todo o passado caótico de urbanização do município, caracterizando os trabalhadores das empreiteiras como os responsáveis pelas invasões e o alto desemprego: "Eles aumentam as favelas em Cubatão, trazem mais desemprego e a necessidade de mais vagas nas escolas, mais leitos hospitalares e mais atendimento nos postos de saúde" (Castor citado por A Tribuna, 24/02/2001:B2) [67].

Os altos preços dos terrenos, após a chegada das grandes indústrias, causaram uma segregação da população de Cubatão: as famílias de melhor renda moram em lotes regulares, enquanto as famílias de renda baixa moram nos mangues e encostas da Serra, em lotes irregulares [68].

A miséria reinante no município sempre foi um ponto incompreensível para os vários estudiosos que se debruçaram sobre os problemas de Cubatão. Com base no censo de 1980, Cubatão era o primeiro município do país em arrecadação municipal per capita, com Cr$ 23.336,80; o sexto em arrecadação federal per capita, Cr$ 79.532,00, e o primeiro em valor adicionado do ICM per capita, Cr$ 1.253.587,40 (Serra, 1985:42).

Apesar desses números fabulosos, quatro indicadores de infra-estrutura revelavam que a população não participava desse progresso econômico. Nesses indicadores, Cubatão estava entre as piores cidades do Brasil: ficou em 702º lugar em número de ligações de água, em 628º lugar em número de ligações elétricas e não possuía ligações de esgotos, em 1985 (Ibid., p.43) [69]. Segundo alguns autores, a pobreza e a poluição ambiental em Cubatão são frutos do próprio modelo de desenvolvimento seguido pelo Brasil [70].

Entre outubro de 2001 e março de 2002, a Prefeitura de Cubatão realizou o Censo do Trabalhador, visando conhecer melhor as características dos operários cubatenses. O censo revelou uma cidade cruel: 13.423 desempregados (12,42% da população economicamente ativa), 7.739 analfabetos, 6 mil pessoas vivendo de caridade e cerca de 64 mil morando em favelas ou áreas impróprias (serras, mangues e morros). Apesar desses números, o censo não conseguiu entrevistar todas as habitações da cidade: foram ouvidas 86.270 pessoas (em 26.474 residências) de uma população total estimada pelo IBGE de cerca de 108 mil [71].

Surge, então, a pergunta: como Cubatão, detentora de um dos maiores pólos industriais do Brasil, com alta arrecadação tributária, não consegue diminuir a miséria de sua população [72]? Para responder essa pergunta, precisamos, antes de tudo, examinar a história tributária do município.

Um dos motivos que levaram à luta pela emancipação política de Cubatão foi a quase certeza de que os valores em tributos gerados pelo Distrito, pertencente a Santos, eram bem maiores que os investimentos realizados pelo município de Santos em Cubatão. A cidade, antes da emancipação, já possuía, desde o início do século XX, três grandes indústrias e um dos maiores bananais do Estado, voltado quase que exclusivamente à exportação [73].

Em compensação, as melhorias feitas no Distrito naquelas últimas décadas eram mínimas. Acreditava-se que parte das melhorias realizadas pela Prefeitura de Santos, na Ilha de São Vicente, eram feitas com recursos provenientes de Cubatão. Os moradores tinham a plena convicção de que, com a emancipação política, a cidade poderia ter mais recursos para investir na melhoria de sua qualidade de vida.

Essa esperança se mostrou verdadeira já na primeira administração (1949-1953), após a emancipação. Mesmo não contando ainda com os tributos que a grande refinaria da Petrobras iria proporcionar, ao passar a administrar os seus próprios impostos, Cubatão deu início a uma contínua melhoria na sua infra-estrutura urbana. Na primeira administração, abriram-se novas ruas, calçaram-se outras, construíram-se pontes (onde só existia um trapiche), melhoraram os serviços de saúde e educação, entre outros.

Nesses quatro primeiros anos, embora os gastos tenham sido consideráveis, a despesa ficou sempre abaixo da receita. O primeiro prefeito entregou o cargo para o seu sucessor, em 1953, com dinheiro em caixa e com apenas seis funcionários. Facilitaram as coisas, o fato de Cubatão não ter despesas com funcionários aposentados, já que era um município recém emancipado de Santos.

Provou-se, ao final dessa primeira administração, o quanto Cubatão perdeu ao ser Distrito de Santos, desde quando foi incorporada àquela cidade em 1841. Em apenas quatro anos realizaram-se mais melhorias do que nos outros últimos 50 anos. É consenso entre os velhos moradores que se a emancipação fosse realizada dez, vinte ou trinta anos atrás, Cubatão seria uma cidade muito melhor para se viver: "Santos sugou o que pôde de Cubatão", dizem muitos.

A segunda administração (1953-1957), por sua vez, tinha motivos de sobra para pensar em realizações muito maiores que a administração anterior. O motivo era um só: a entrada em operação da grande refinaria, que iria aumentar significativamente a arrecadação tributária do município. Entrando em operação experimental em dezembro de 1954, foi durante o ano de 1955 que se pôde verificar o quanto à Refinaria iria trazer em impostos para a cidade.

Conforme a Tabela 35, entre 1954 e 1955, a arrecadação tributária nominal cresceu 235%, lembrando que a Refinaria ainda estava num período de testes. Essa avalanche de novos recursos permitiu investimentos sociais bem superiores aos da primeira administração: construíram-se prontos-socorros, escolas, um novo cemitério e contrataram-se profissionais qualificados para servir melhor à população (como médicos, enfermeiros, engenheiros e professores) [74].

Mas a euforia durou apenas três anos. Surpreendendo a todos, a Petrobras decidiu não mais pagar impostos ao município em 1958. Esse fato caiu como uma bomba na cidade. A arrecadação diminuiu em quase 50%. Projetos públicos tiveram que ser cancelados, salários foram atrasados e fornecedores ficaram sem receber.

O carinho e o entusiasmo com o futuro que a Refinaria despertou na população, durante sua construção e primeiros anos de funcionamento, transformou-se em revolta e mágoa. Passeatas foram feitas para protestar contra a decisão arbitrária da Petrobras. O então prefeito colocou faixas pela cidade pedindo a retomada dos pagamentos. A Refinaria, por sua vez, dizia que só iria contribuir com a Prefeitura através da prestação de alguns serviços, como o asfaltamento de ruas. Essa situação durou entre 1958 e 1961.

TABELA 35

Arrecadação geral do município de Cubatão (1949-1978)

Ano

Arrecadação

Nominal

Corrigida

1949

    386.750,00

    655.508,00

1950

  2.860.870,00

  4.334.651,00

1951

  1.560.180,00

  2.040.758,00

1952

  2.460.470,00

  2.877.740,00

1953

  4.358.190,00

  4.438.070,00

1954

  6.947.040,00

  5.571.000,00

1955

23.251.670,00

16.035.634,00

1956

25.442.700,00

14.622.220,00

1957

31.561.940,00

15.876.220,00

1958

18.621.000,00

  8.287.049,00

1959

23.611.980,00

  7.626.608,00

1960

48.578.220,00

12.144.555,00

1961

149.425.300,00 

27.267.391,00

1962

283.046.390,00 

34.060.937,00

1963

375.399.170,00 

25.751.075,00

1964

669.607.410,00 

24.112.618,00

1965

2.189.630.480,00 

50.273.923,00

1966

3.993.273.980,00 

66.421.723,00

1967

8.643.650.220,00 

112.097.970,00 

1968

15.835.415,33

165.331.123,00 

1969

17.182.761,19

148.562.692,00 

1970

22.535.331,82

162.651.252,00 

1971

24.717.867,30

148.138.028,00 

1972

42.808.286,56

219.327.215,00 

1973

63.555.196,09

282.847.181,00 

1974

97.105.078,39

335.829.424,00 

1975

127.044.274,43 

344.035.166,00 

1976

187.833.478,46 

360.050.831,00 

1977

338.608.494,23 

454.765.644,00 

1978

529.194,473,31 

529.194.473,00 

Fonte: Peralta (1979:194)

Obs.: Índice Geral de preços, 1978=100 (IGP/FGV).

Mesmo com a entrada em operação de quatro grandes complexos indústrias, entre 1957 e 1958 (as petroquímicas Union Carbide, Estireno, Copebrás e Alba), o aumento da arrecadação de impostos não foi suficiente para compensar a perda de arrecadação da Refinaria. Em termos reais, a arrecadação municipal de 1960 foi inferior ao do ano de 1958.

Somente em 1961, com uma atitude mais extremada, inusitada e de força, Cubatão voltou a receber os impostos da Petrobras, inclusive os atrasados [75]. O aumento de arrecadação, entre 1960 e 1962 (o primeiro ano completo de pagamento de impostos pela Petrobras), foi de 180% em termos reais.

As conseqüências da volta dos recursos foram imediatas: dobraram-se os salários dos servidores, duplicou-se a avenida principal (indenizando-se os proprietários de todas as casas e terrenos para a abertura dessa segunda pista), aumento do número de médicos, novas ruas do município foram calçadas e expansão do sistema de ensino. Cubatão voltava a ter dias prósperos em relação aos serviços prestados pela Prefeitura.

O início do funcionamento da Cosipa, como siderúrgica integrada, em 1965, representou um novo salto na arrecadação municipal. Praticamente dobrou-se a arrecadação da cidade. Nos anos seguintes, com a inauguração de novas indústrias e a expansão das já existentes, Cubatão aumentou sua receita, em termos reais, ano após ano.

Mas o destino teimava em ir contra os interesses da cidade. Vinte anos após sua emancipação, Cubatão foi declarada Área de Segurança Nacional, em 1969, passando seu prefeito a ser nomeado pelo presidente da República. O futuro, novamente, estava comprometido.

Os novos prefeitos, nomeados durante a década de 70, eram oriundos de outras cidades e Estados brasileiros, sem compromisso efetivo com o progresso da cidade, apenas cumprindo um cargo oficial, com data certa para voltar para sua região. Foi um tempo em que as reivindicações dos moradores não tiveram eco na administração municipal.

O que se viu nesses anos foi a construção de obras faraônicas para o humilde município de Cubatão, em detrimento de necessidades mais urgentes para a cidade e sua população. Entre as obras faraônicas destacam-se os novos edifícios da Prefeitura e da Câmara Municipal, além do Centro Esportivo Humberto de Alencar Castelo Branco. Ainda hoje, a nova Prefeitura e a Câmara Municipal possuem salas pouco ocupadas, sem falar do seu grande e luxuoso salão de entrada [76].

Essas duas grandes obras, que sugaram parte considerável dos recursos para investimentos da Prefeitura nestes anos 70, foram realizadas enquanto a cidade não possuía nenhuma rede de esgotos, as favelas aumentavam e crianças morriam de doenças banais. A miséria na cidade aumentava na mesma proporção do requinte dos prédios públicos. Os prefeitos nomeados construíram palácios luxuosos para trabalharem, enquanto a população era infectada por coliformes fecais em valas e córregos contaminados pelos esgotos.

O auge do gasto público foi coroado com o escândalo que ficou conhecido como mar de lama, onde várias autoridades do município, inclusive o prefeito, foram acusados de desviar dinheiro público. O prefeito nomeado foi exonerado pelo presidente da República, em 1982.

A partir dessa data, os novos prefeitos nomeados passaram a ser moradores da região, o que poderia representar dias melhores. No entanto, a crise econômica e a problemática ambiental que explodiram no início da década 80, minou a arrecadação tributária e aumentou a necessidade com gastos sociais, dado ao elevado desemprego que a cidade passou a amargar: somente a Cosipa demitiu 16 mil operários.


Primeiras casas entregues no Conjunto Habitacional Nova República, em 20/12/1985
Foto: relatório de gestão "10 meses que valem por 4 anos", Cubatão, 12/1985

Em 1986, com a volta da autonomia política, os novos prefeitos eleitos procuraram investir nas obras realmente necessárias: Cubatão foi dotada de rede de esgotos e de um hospital municipal [77]. No entanto, obras faraônicas continuaram a ser executadas, com destaque para o Teatro Municipal, cuja construção foi interrompida próximo de sua inauguração, pela mudança de prefeito. Hoje suas estruturas são deterioradas pelo tempo.

Mas o ponto principal das despesas públicas, que iria engessar as finanças da cidade na década de 90, seriam as desapropriações realizadas ao longo dos anos 80. A principal delas foi à desapropriação precipitada de Vila Parisi, decretada em 1985, em função da poluição ambiental daquela área. Num momento em que Cubatão era notícia em todo mundo, conhecida como Vale da Morte, a Prefeitura assumiu sozinha a desapropriação e mudança de todo um bairro, com mais de 20 mil moradores. Foi um gesto impensado. O problema e sua solução deveriam ter sido deixados para o Governo Estadual ou Federal, já que existia até uma Comissão Ministerial, formada a pedido do presidente da República.

Essa decisão da administração municipal, aliada a outras desapropriações (como os terrenos para construir a escola do Senai e o aterro sanitário), tornaram-se precatórios judiciais durante a década de 90, inibindo qualquer grande investimento por parte da Prefeitura, e comprometendo os serviços prestados à população (principalmente em relação à saúde) [78].

Antes mesmo da Lei de Responsabilidade Fiscal, Cubatão já vinha patinando para equilibrar suas receitas e despesas. Percebe-se pela Tabela 36 que somente nos últimos três anos (1999, 2000 e 2001) a Prefeitura de Cubatão conseguiu esse objetivo. Durante todo o restante da década de 90, as despesas do município foram maiores que as receitas arrecadadas, aumentando o grau de endividamento da cidade [79].

O resultado mais visível dessa crise financeira dos anos 90 foi o sucateamento dos prédios públicos (sem manutenção periódica), repletos de rachaduras e goteiras. Nos hospitais e prontos-socorros faltam médicos, enfermeiros e material. Noutros setores, funcionários se aposentaram sem serem repostos, sobrecarregando os ativos e dificultando o atendimento da população. Falta material básico de escritório para execução dos serviços administrativos. Na Biblioteca Municipal, o único computador instalado pertence a um funcionário, sendo usado apenas pelos servidores, ou seja, o usuário da principal biblioteca da cidade não tem acesso a Internet.

A crise financeira da Prefeitura rebateu, principalmente, nos salários de seus servidores. Durante os anos 70 e 80, o funcionalismo público cubatense era o mais bem pago da Baixada Santista e do Estado de São Paulo. No início dos anos 90, um concurso para lixeiro da Prefeitura, devido ao seu bom salário, tinha como candidatos pessoas com nível superior em engenharia, direito, letras, administração, etc. Atualmente os salários dos servidores cubatenses não são mais os melhores da Baixada, fato que se reflete na perda de mão-de-obra especializada, principalmente de médicos.

TABELA 36

Receita e despesa empenhada do município de Cubatão (1990-2001) 
(Valores a preços correntes na moeda da época - Mil)

Ano

Receita

Despesa

1990

6.812.581 

  10.662.017 

1991

40.017.395 

37.853.682 

1992

302.490.284 

320.765.338 

1993

6.445.876 

6.522.487 

1994

  86.646

  97.493

1995

161.383

188.199

1996

168.162

220.224

1997

164.851

169.039

1998

157.602

163.628

1999

163.303

160.272

2000

177.839

150.806

2001

218.078

210.486

Fonte: Secretaria de Finanças de Cubatão

Obs.: 1990-1992: Cr$; 1993: CR$; 1994-2001: R$.

A Tabela 37 demonstra como o investimento público vem decaindo desde o início dos anos 90: era de 51,6% da receita, em 1990, passando para apenas 17,5%, em 2001. Já as despesas com pessoal aumentam de 27,1% da depesa total do município, em 1990, para 48,9%, em 1993. No entanto, nos anos seguintes, esta despesa vem decrescendo em razão da diminuição dos funcionários (via aposentadorias) e salários sem correção.

Em 1997, duas decisões contraditórias da administração municipal chamaram a atenção de todos na cidade: enquanto a Prefeitura voltava a cobrar o IPTU para as residências, as indústrias do Pólo tiveram seu IPTU reduzido. Segundo as empresas, estas estavam pagando valores acima da média nacional. O caso foi parar no Ministério Público, pois acredita-se que os valores cobrados pela Prefeitura de Cubatão estão abaixo dos cobrados por outras prefeituras de cidades industriais, como São Bernardo do Campo e Santo André. Esta redução resultou numa perda de arrecadação de cerca de R$ 10 milhões ao ano, ou um terço do total do IPTU arrecadado na época [80].

TABELA 37

Investimentos e despesas com pessoal em 
proporção à receita e despesa total (1990-2001)

Ano

Investimentos

Despesas com pessoal

Receita (%)

Despesa (%)

Receita (%)

Despesa (%)

1990

80,63

51,57

42,43

27,13

1991

35,47

37,50

31,02

32,81

1992

27,16

25,61

44,08

41,57

1993

11,65

11,52

49,51

48,93

1994

22,75

20,22

39,99

35,54

1995

24,36

20,89

39,62

33,98

1996

23,22

17,71

41,30

31,53

1997

22,51

21,94

43,81

42,71

1998

20,30

19,55

44,53

42,86

1999

18,41

18,73

42,31

43,07

2000

15,34

18,04

40,92

47,52

2001

17,50

18,13

38,51

39,88

Fonte: Secretaria de Finanças de Cubatão

O resultado dessa má gestão de recursos públicos, ao longo dos tempos, tornou a receita estimada para o ano de 2002, de aproximadamente R$ 250 milhões, insuficiente para atender parte das necessidades básicas da cidade, em razão do alto grau de endividamento do município [81].

A Prefeitura deve atualmente R$ 390 milhões, dos quais R$ 260 milhões em precatórios, em sua maioria oriundos de desapropriações [82]. As outras dívidas referem-se, principalmente, ao pagamento de débitos atrasados com fornecedores e a Caixa de Previdência dos Servidores da Prefeitura.

Já o orçamento da Prefeitura para 2003 está estimado em R$ 281.423.155,00. O aumento de mais de R$ 30 milhões em relação ao ano anterior tem como motivo a elevação da alíquota do município na repartição do ICMS. A principal fonte de receita continua sendo o ICMS (57%), seguido do IPTU (8%), ISS (7%) e receitas diversas (20%). Mesmo assim, o atual prefeito de Cubatão, Clermont Castor, afirmou que a receita tributária é insuficiente para resolver os principais problemas de uma cidade com 60% da população morando em favelas (A Tribuna, 28/09/2002).

Somente com o pagamento de salários, a Prefeitura gastará 39% da receita estimada. Com precatórios serão 6,4% e juros de dívidas passadas, outros 11,8%. Para o Fundef (Fundo para o Desenvolvimento do Ensino Fundamental), o município irá destinar 9,4% de sua arrecadação. Segundo a Secretária de Planejamento da Prefeitura, só restam, na prática, R$ 48 milhões para administrar a cidade, insuficientes para investimentos de grandes proporções [83].

Embora ainda esteja entre as dez maiores cidades em arrecadação de ICMS do Estado de São Paulo, a Prefeitura de Cubatão está quase falida, sem recursos para tocar a administração das necessidades existentes e, muito menos, comprometer o orçamento com novas e grandes exigências. Tristes dias vive a rica Prefeitura de Cubatão.

Desse modo, o Pólo Industrial de Cubatão, embora tenha trazido um alto custo social e ambiental para a cidade, propiciou, em contrapartida, uma das maiores arrecadações tributárias do país ao município de Cubatão. Volta, então, a pergunta: onde foi investida a grande soma de recursos arrecadados pela Prefeitura de Cubatão, durante os últimos 50 anos, que não melhoraram as péssimas condições de vida de metade de sua população?

De acordo com o exposto nas páginas anteriores, os recursos da Prefeitura de Cubatão tomaram os seguintes destinos impróprios: 1 - gastos em obras faraônicas (dada a pequena dimensão da cidade); 2 - corrupção (vide o famoso mar de lama); 3 - alto custo de várias desapropriações. De modo geral, a alta arrecadação tributária de Cubatão é hoje insuficiente para arcar com os problemas decorrentes da industrialização, dada a dívida existente, e principalmente os gastos gerados pela grande migração ocorrida entre 1950 e 1980.

Numa análise mais atenta sobre os benefícios e prejuízos advindos com a industrialização, constatamos que milhares de pessoas conseguiram melhorar seu nível de vida com o crescimento econômico de Cubatão, principalmente, os antigos moradores da cidade, anteriores ao surto industrial. Mas os benefícios não foram para todos. Percebemos que a cidade foi vítima de uma miséria transportada de outras regiões. Miseráveis de outros estados do país, tornam-se miseráveis em Cubatão, onde as perspectivas de melhoria do bem-estar não se confirmaram plenamente [84].

Em 1979, Peralta (1979:259) encerrava sua tese de doutoramento, perguntando: conseguirá o município de Cubatão encontrar a solução dos vários efeitos negativos criados pelo parque industrial, principalmente a poluição e a miséria de sua população? Passados 23 anos desse questionamento, podemos responder que parte dos problemas ambientais foram resolvidos, mas, entretanto, a miséria continua a avançar nas terras do município.

Pesquisa da Fundação Seade, intitulada Índice Paulista de Responsabilidade Social, concluída em 2001, examinou os dados de 645 municípios paulistas, de 1992 a 1997, e enquadrou Cubatão no grupo dos municípios economicamente dinâmicos, mas de baixo desenvolvimento social [85].

Estes municípios foram considerados dinâmicos, principalmente, devido a sua pujança econômica e ritmo de crescimento demográfico, embora apresentem precários indicadores sociais. São municípios industriais cuja riqueza municipal pode ser considerada elevada devido à presença de indústrias de grande porte. Para o Seade, os municípios pertencentes a este grupo são cidades injustas.

O fundamental, que devemos insistir, é que o processo de substituição de importações no Brasil conseguiu, de fato, industrializar o país, mas deixou um rastro de miséria e degradação ambiental nas cidades onde foram implantadas as grandes indústrias substitutivas [86].

Cubatão aparece no centro dessa questão: é o exemplo claro e perfeito de miséria, exclusão social e poluição ambiental [87]. Cardoso de Mello não se surpreende com esse fracasso do capitalismo industrial no Brasil:

"O desemprego estrutural, a precarização do trabalho, a intensificação das disparidades dos rendimentos, a heterogeneidade do mercado do trabalho e o agravamento da pobreza estão aí para quem quiser ver, e reconhecer enfim no capitalismo o que ele sempre foi, uma gigantesca máquina de produzir desigualdades" (Mello, 1997:24) [88].

Todos os erros e acertos da política desenvolvimentista brasileira dos anos 50 em diante foram assumidos por Cubatão. A cidade é hoje fruto legítimo dessa política [89].


Centro de Cubatão, em 1960
Foto cedida a Novo Milênio por Arlindo Ferreira


NOTAS:

[63] Em agosto de 2001, a Secretaria do Meio Ambiente da Prefeitura de Cubatão tinha uma equipe de apenas cinco funcionários para tentar coibir as invasões de áreas impróprias (mangues, morros e serras). Esses funcionários, conforme reportagem de A Tribuna (16/08/2001) diziam-se ameaçados pelos invasores, pois tratavam-se de quadrilhas especializadas em construir casebres para venda posterior.

[64] "Consideram [as empreiteiras] que, trazendo pessoas de fora, garantem um serviço mais satisfatório, na medida em que desvinculado de relacionamentos pessoais" (Goldenstein, 1972:261). Enquanto nas indústrias, com métodos e técnicas modernas de produção, temos a exploração da mais valia relativa, dentro de um novo padrão de acumulação de capital, nas empresas de construção civil e de montagem industrial (conhecida como indústria da construção), o que prevalece é a extração da mais valia absoluta (Damiani, 1984:22/23).

[65] "Finalmente, sua implantação [Light] naquele local atraiu a formação de um grande parque industrial produzindo migrações em massa de mão-de-obra para construção, procedentes de todos os recantos do país, principalmente das regiões mais atrasadas para um município pobre de recursos e de infra-estrutura, situado em um imenso pântano salino, de características totalmente impróprias - pelo solo e pelas condições climáticas que possui - à fixação de um contingente humano de grandes proporções" (Branco, 1984:52).

[66] "Para além dessa caracterização, foi possível definir o movimento da população deslocada para Cubatão como um movimento cuja direção, de certa forma e em certa medida, sofre a determinação da indústria da construção, implícita ou explicitamente. Portanto, os destinos de Cubatão enquanto lugar de concentração de população, em especial suas favelas, está atrelada, também, a essa determinação, que seria subestimada caso não se destaque a construção" (Damiani, 1984:97).

Ainda para a autora, as vilas operárias e as favelas marcam momentos diferentes do capitalismo no Brasil. Nas primeiras, existia a preocupação da empresa em manter seus operários próximos ao centro produtivo, enquanto na segunda, o que interessa é o trabalhador chegar na hora do trabalho, independente onde more. Isso resultou numa precarização do trabalho (Ibid., p.21).

[67] "Mas, sobretudo, é necessário pensar-se nas comunidades que para ali foram arrastadas pela ilusão de que o desenvolvimento industrial constituiria um benefício também para elas e que hoje começam a interpretar o termo ‘desenvolvimento’ como sinônimo de desgraça e miséria" (Branco, 1984:103).

[68] "Cubatão é um município de desconcertantes paradoxos. Alí tudo assume grandes proporções: a riqueza do município e a pobreza de sua população, a alta taxa de concentração urbana e a reduzida incorporação populacional no processo de urbanização; o grande número de indústrias e a insuficiência de oferta de empregos; a grandeza das áreas pertencentes à indústrias e a escassez de terrenos para moradias; grandiosas construções públicas e privadas e a proliferação de favelas e sub-moradias; uma natureza exuberante que ofereceu ao habitante local, até um passado recente, ar puro e alimentação e a destruição desse lugar privilegiado pela devastação da flora, fauna, poluição do ar, dos rios" (Peralta, 1979:142).

Branco (1984:95) bate no mesmo ponto: "Aliás Cubatão é, sabidamente, caracterizada por grandes contrastes, que parecem acompanhar a sua própria geomorfologia, de altas e imponentes montanhas confrontando-se com a imensa planície; grandes riquezas ao lado da mais aflitiva miséria; um poderoso complexo industrial, com baixa oferta de empregos; extensas áreas industriais e poucas áreas para moradia".

Brandão (2000:23), em sua tese de doutoramento, repete a mesma coisa: "A organização do espaço urbano, em Cubatão, merece destaque no marco da história do processo da industrialização do Brasil, por conter evidentes contradições: a produção de riqueza e a desumanidade - desenvolvimento econômico e exclusão dos benefícios provenientes destes para seus cidadãos".

[69] "Até hoje (1988), do ponto de vista da provisão de infra-estrutura urbana, Cubatão é considerada uma cidade desestruturada e caótica devido à falta de planejamento da ocupação do solo, principalmente nos bairros periféricos. A procura de habitações próximas ao local de trabalho e a falta de recursos para a aquisição de moradias pela população mais pobre leva à ocupação das terras inaptas para construção ou próximo às áreas industriais. A ocupação ilegal ocorre principalmente em terrenos poucos valorizados ou públicos, às margens de rodovias ou ferrovias, nas escarpas ou em regiões de manguezais. Até o momento, as exigências habitacionais da população operária recebem pouca atenção dos órgãos públicos de planejamento e ainda enfrentam os interesses de expansão das instalações industriais vizinhas" (Gutberlet, 1996:71).

Para o médico Rezende (1992:241), "embora Cubatão apresente uma arrecadação considerável, não existe preocupação política com a adequação dos investimentos na área de saúde".

[70] "Pobreza e miséria associados aos riscos para a saúde e a degradação ambiental são conseqüências diretas do desenvolvimento insustentável, orientado primeiramente pelos interesses econômicos e políticos a curto prazo. A poluição atmosférica e hídrica, a contaminação do solo e a destinação inadequada dos resíduos são as outras faces do desenvolvimento’ industrial" (Gutberlet, 1996:195).

Para Tavares & Belluzzo (1998:144), "(...) resolver o problema do atraso industrial num capitalismo tardio não equivale a solucionar os problemas do subdesenvolvimento e pobreza". Nas palavras de Mello (1997:181), "(...) a periferia subdesenvolvida se apresenta como uma sociedade marcada pela heterogeneidade. Uma pequena parcela desfruta de padrões de vida próprio do centro, enquanto a imensa maioria se acha excluída". Já para Gutberlet (1996:195), Cubatão é um "caso exemplar em que as drásticas conseqüências sociais e ambientais do modelo de desenvolvimento em vigor ficam visíveis".

[71] O censo revelou que apenas 32,3% da população nasceu em Cubatão. O restante veio de Pernambuco (11,6%), Bahia (6,2%), Minas Gerais (4,9%), Sergipe (3,3%), Alagoas (3,3%). Já 16,3% vieram de outras cidades da Baixada Santista, 3,3% de outras regiões do Estado de São Paulo, e 17% de outros estados brasileiros.

[72] Peralta (1979:219), escrevendo no final dos anos 70, não compreendia esse dilema: "Com uma receita tão grande, comparável apenas à de poucos municípios paulistas, não se justifica a existência, em Cubatão, de carências em todos os níveis, principalmente em termos de participações nos bens essenciais à sobrevivência do indivíduo no mundo urbano". Branco (1984:97), escrevendo cinco anos após Peralta, também não entendia esse paradoxo: "Não é possível que o alto valor da receita auferida por esse gigantesco pólo produtor e exportador não possa contribuir para a atenuação dos problemas gerados pelo próprio processo de industrialização".

[73] Em 1947, a renda gerada no Distrito de Cubatão foi de Cr$ 169.604,00, superior ao mínimo necessário de Cr$ 100.000,00 para que o Distrito pleiteasse sua emancipação política (Peralta, 1979:191).

[74] Estes profissionais foram contratados, em sua maioria, nas cidades vizinhas a Cubatão, principalmente em Santos, devido à falta de pessoas qualificadas na cidade: "Como cada cidade precisa de um número mínimo de trabalhadores qualificados, em proporção ao número de ocupações especializadas que utiliza para reproduzir-se, na prática, para que uma cidade se torne mais eficiente que outras no uso de recursos, tem que contar com mecanismos sociais de preparação, geral e específica, das pessoas para trabalhar, ou atrair pessoas já formadas, de outros centros" (Pedrão, 2002:33).

[75] O novo prefeito de Cubatão, Abel Tenório, sobrinho do deputado fluminense Tenório Cavalcanti (conhecido como o homem da capa preta), foi decidido para a sede da Petrobras no Rio de Janeiro, na intenção de forçar a volta do pagamento dos impostos. Ao chegar na sala da secretária da presidência da Petrobras, Abel deu um murro no vidro da mesa, quebrando-o em vários pedaços, dizendo em seguida: "Diga ao presidente que Abel Tenório, prefeito de Cubatão e sobrinho de Tenório Cavalcanti, está aqui para conversar com ele". Rapidamente recebido pelo General Idalio Sardenberg, Abel saiu com a promessa de que no dia seguinte os recursos voltariam a ser depositados na conta bancária da Prefeitura. E assim foi feito.

[76] Visitantes parlamentares de outras cidades surpreendem-se com a riqueza das construções públicas de Cubatão, que tem metade de sua população vivendo em favelas. Cidades maiores não possuem, até hoje, uma Prefeitura e uma Câmara Municipal do porte e do luxo de Cubatão. Entre 1975 e 1976, os gastos com a construção da nova Prefeitura e Câmara Municipal representaram mais de 12% da receita total do município (PMC, 1976:33).

[77] Em 1987, devido a sua grande arrecadação de ICMS, a Prefeitura concedeu isenção total sobre propriedade predial urbana (IPTU) às edificações destinadas ao uso residencial. Essa lei foi revogada em 1997.

[78] Em setembro de 2002, uma decisão judicial, ainda em fase de execução, seqüestrou os recursos da Prefeitura para pagamento de um precatório de R$ 18 milhões, referente a um terreno desapropriado em área de mangue. Esse seqüestro deixou a Prefeitura sem recursos para pagar fornecedores e funcionários. Imediatamente foi formada uma comissão popular, batizada de Movimento contra os precatórios milionários - que seja aberta a caixa preta, para cobrar explicações do prefeito municipal.

[79] Mesmo assim, em 1995, Cubatão possuía a oitava receita orçamentária dos municípios brasileiros (R$ 161,4 milhões). Os outros sete municípios eram São Bernardo do Campo (R$ 486,2 milhões), Campinas (R$ 418,5 milhões), Guarulhos (R$ 355,9 milhões), Santos (R$ 263,6 milhões), São José dos Campos (R$ 247,4 milhões), Santo André (R$ 229,8 milhões) e Osasco (R$ 209,5 milhões) (Brasil, 1997).

[80] A Secretaria de Planejamento da Prefeitura de Cubatão espera arrecadar R$ 22,5 milhões com o IPTU no exercício de 2003.

[81] Estudo da Fundação Getúlio Vargas, realizado em 2002, concluiu que a Prefeitura de Cubatão possui problemas de informatização e necessita, urgentemente, de programas de computação adequados ao serviço público. Este procedimento melhoraria a eficiência dos serviços prestados e a própria arrecadação municipal.

[82] Somente cinco desses precatórios, somados, totalizam a quantia de cerca de R$ 140 milhões.

[83] São os gastos com manutenção de escolas, hospital, postos de saúde, cestas básicas, merenda escolar, recolhimento de lixo e obras recomendadas pelo Conselho do Orçamento Participativo (A Tribuna, 28/09/2002). Entre as obras, estão a construção de 812 habitações populares, quatro escolas de Ensino Fundamental, três unidades básicas de saúde, troca da iluminação pública, pavimentação de ruas e reurbanização da avenida principal da cidade. Entretanto, poucas dessas obras serão concluídas e pagas, em 2003.

[84] Para Peralta (1979:259), a industrialização de Cubatão teve efeitos positivos e negativos: "O passado agrícola e comercial de Cubatão provoca saudades em muitos de seus moradores. Contudo, o presente tem suas vantagens".

Mesmo críticos não tão otimistas das conquistas da industrialização no Brasil, como o professor João Manuel Cardoso de Mello, não deixam de considerar como exitoso o processo de industrialização brasileira: "A industrialização rápida criou milhares de oportunidades de investimento e alterou dramaticamente a estrutura do emprego. A concorrência entre os indivíduos selecionou os mais aptos  para os melhores postos de trabalho ou para pequenos e médios empresários (...) Mas mesmo os pobres e miseráveis tinham a esperança de um futuro melhor, se não para eles, certamente para seus filhos e netos" (Mello, 1992:63).

[85] Este grupo de municípios (Cubatão, Mauá, Diadema, Guarulhos, entre outros) é caracterizado pela relativa riqueza municipal e as precárias condições de longevidade e escolaridade.

[86] Segundo a historiadora Pandolfi (2001:58), nas décadas do regime militar dos anos 60/70, "o Brasil foi modernizado mas excluiu a grande maioria do povo dos frutos desse desenvolvimento. Nos anos 80, no final do regime militar, as desigualdades sociais eram imensas".

[87] "Pobreza e miséria associados aos riscos para a saúde e a degradação ambiental são conseqüências diretas do desenvolvimento insustentável, orientado primeiramente pelos interesses econômicos e políticos a curto prazo. A poluição atmosférica e hídrica, a contaminação do solo e a destinação inadequada dos resíduos são as outras faces do ‘desenvolvimento’ industrial" (Gutberlet, 1996:195).

Na verdade, como afirma Mello (1997:20), "o capitalismo periférico provou ser incapaz de suprir as necessidades básicas do conjunto da população". Para Tavares (1992:53), "a outra observação que vale para todos os países latino-americanos reside no fato de que o processo de urbanização acelerada não foi acompanhado por uma organização social e educacional compatível com os novos requisitos em capacitação técnica, profissional e intelectual".

[88] "Dada a orientação tecnológica que necessariamente assume a industrialização substitutiva, mantém-se elástica a oferta de mão-de-obra. Certo: sendo os salários mais altos no setor industrial do que no conjunto da economia - o que se deve a uma maior produtividade e também à proteção tarifária de que beneficiam as indústrias -, a taxa média de salário terá que elevar-se na medida em que cresça relativamente o emprego industrial (...) Daí que a industrialização nas condições de subdesenvolvimento, mesmo ali onde ela permitiu um forte e prolongado aumento de produtividade, nada ou quase nada haja contribuído para reduzir a heterogeneidade social" (Furtado, 1992:10).

[89] "Essa é a idéia: a sociedade é principalmente a cidade. É na cidade que se expressam, criam, desenvolvem, declinam, florescem, explodem ou fenecem atividades e criações. É na cidade que nascem muitas idéias e religiões, doutrinas e teorias, partidos políticos e sindicatos, governo e desgoverno, tirania e democracia; como fluorescência de civilizações (...)

"Mais uma vez, a cidade é a síntese de todo o país, de toda a sociedade. É na cidade que se manifesta, sintetiza, multiplica e explode tudo o que são as criações, frustrações e tensões da sociedade. Ela é um laboratório excepcional, no qual se expressam, desenvolvem, resolvem ou explodem os problemas sociais, econômicos, ecológicos, culturais, étnicos, de gênero, sexuais, religiosos, lingüísticos. Toda cidade é uma réplica de Babel, não só pela multiplicidade das línguas e linguagens, mas também porque são muitos os que lutam desesperados ou sonham encantados, buscando alcançar o céu ou realizar a emancipação" (Ianni, 2001:19).