Os ex-alunos da escola da vila se reuniram em frente ao Monumento dos Emancipadores
(situado no Paço Municipal de Cubatão)
Foto de Fábio Oliveira, publicada com a matéria
HENRY BORDEN
Vila na encosta da serra traz recordações
A contribuição da hidrelétrica para o desenvolvimento da indústria paulista é
motivo de orgulho
Manuel Alves Fernandes
Da Sucursal
Tal como numa novela de costumes ou em um filme de
Hollywood, o passado volta com um intenso colorido e vida, nas histórias contadas por antigos alunos da professora Lucy Burgos Pereira. Parece que
se ouve o barulho das máquinas da Usina Henry Borden, o movimento de cavalos, caminhões e carros tirando e puxando terra e
pedras, os aviões que bombardeariam a usina mais tarde.
E pairando acima de tudo, dois orgulhos: o da importante contribuição da Usina Henry
Borden para o desenvolvimento da indústria paulista, que ajudou as fábricas dos Matarazzo e dos Crespi e, principalmente, do
Pólo Industrial de Cubatão.
O outro, que mais toca os antigos trabalhadores: a Vila da Light. Era uma vida
paradisíaca, desenvolvida dentro de uma área florestal encostada na Serra do Mar, abençoada pela água de cachoeiras, nas casas construídas em estilo
inglês pelos canadenses que ergueram a usina, a partir de uma idéia genial de Asa Billings e da empresa presidida por Henry Borden, que deu nome à
usina.
Filhos - Os olhos de Ana Maria Ribeiro Pedersen e Rubens de Oliveira parecem
refletir a figura doce, porém austera, de Lucy Burgos Pereira. Nascida em 1917 e curiosamente falecida em um 9 de abril, na década de 70, Lucy não
se casou, mas deixou nas diversas gerações de alunos que formou na escola da usina a idéia de uma espécie de mãe, e acima de tudo, educadora.
Ana e Rubens foram seus alunos. Jorgem Waldemar Pedersen, marido de Ana, assim como
Waldemar Barbosa (50 anos de vida na usina, e que hoje escreve as histórias daquela época) e Maria Aparecida Vienna da Silveira, todos antigos
funcionários da usina e moradores na vila, recordam com reverência a figura da professora Lucy. Há menos de três anos, um dos irmãos de Lucy recebeu
a homenagem em nome dela, proposta na Câmara de Cubatão.
Os antigos alunos lideram a proposta de dar à escola da usina o nome da professora que
mais tempo lecionou nessa casa de estilo inglês, integrada à vila. Contam histórias edílicas de um tempo que parece tirado de filmes antigos. Falam
das festas, das amizades, dos jogos de futebol e passam a impressão de que nos intervalos é que se trabalhava e trabalhava duro, segundo Jorgem, um
descendente de nórdicos, para manter o progresso de São Paulo.
Memória - Afinal, eles são da época em que São Paulo era chamado de
locomotiva do Brasil. E o motor dessa máquina, com certeza, ficava em Cubatão, na encosta da serra, exibindo canos por onde descia a água para
gerar a energia que movia o progresso.
Filha do antigo administrador da usina, Maria Aparecida guarda no apartamento em
Santos a foto da casa onde morou na usina, a entrada coroada por uma guirlanda de flores. Rubens é hoje dirigente da liga ciclística de Santos; Ana
mora no Litoral Norte; Waldemar escreve em Santos. Na memória e no coração, todos continuam morando na usina da Light e o fechamento da escola e a
eventual derrubada das casas representa um golpe nessa saudade.
Para eles, que posaram para uma foto em frente ao monumento dos emancipadores de
Cubatão, a usina tem um significado semelhante: "Foi essa força motriz que tornou São Paulo autônomo, industrial, rico, o espelho do Brasil. Esse
passado deve ser preservado com respeito. A usina deve continuar gerando energia", diz Maria Aparecida.
Quem fala da usina lembra imediatamente da professora Lucy
Foto: reprodução, acervo de Fábio Oliveira, publicada com a matéria
Ex-alunos querem homenagear professora
A figura da professora Lucy Burgos Pereira paira hoje sobre a Usina Henry Borden,
semi-paralisada desde o inicio da década de 90, por força de um dispositivo constitucional que preserva as águas da Represa Billings.
Antigos moradores da vila e ex-alunos de Lucy querem que o nome dessa professorinha,
que dedicou toda a sua vida à população da usina, seja dado à escola.
O abandono da Henry Borden, a ameaça da demolição das casas e, pelo menos até o final
do ano, o fechamento da escola da usina, preocupam esses políticos. Mantida pela Emae, a escola tem um ensino de alto padrão, tendo vários dos
ex-alunos se destacado na vida pública, ao ingressarem direto em faculdades, ultrapassando vestibulares sem passar por cursinhos preparatórios.
"A escola merece ser preservada, e a vila muito mais", revela o vereador Romeu
Magalhães, que desde criança conhece o local. "Nasci na Fabril e ia namorar no parquinho infantil localizado no começo da avenida, ao lado da casa
que foi do médico Pedro Tosta de Sá. Ali ficou o primeiro hospital de Cubatão. Tem histórias demais que devem ser preservadas".
Sobre todas essas histórias e acima das casas e da escola, num patamar tão alto quanto
o topo da usina, colocada a 730 metros de altura, sobressai a figura da professora Lucy Burgos Pereira. Quem fala da usina, das casas e da escola,
lembra imediatamente dessa figura doce de mãe de todos, educadora de muitas gerações.
Energia - Neste final de século (N.E.: século XX),
com a ameaça de falta de energia elétrica no Brasil, a Usina Henry Borden poderá recuperar o prestígio das décadas de 30 a 70, quando ajudou a
desenvolver o progresso industrial de São Paulo.
O governador Mário Covas assinalou nesta semana a sua vontade de mandar retomar o
bombeamento das águas do Rio Pinheiros para a represa, com o objetivo de aumentar a produção de energia da usina de Cubatão.
Covas quer unir a Sabesp à Empresa Metropolitana de Águas e Energia S.A. (Emae),
possibilitando a expansão da produção de energia elétrica em Cubatão.
Isso está se tornando possível porque existiria uma companhia privada interessada em
investir US$ 100 milhões na despoluição do Rio Pinheiros, para possibilitar o bombeamento para a Billings e aumentar a geração da usina.
Essa notícia está provocando júbilo nos círculos políticos de Cubatão, porque
representará também a sobrevivência das 150 casas em estilo inglês e da escola da usina, um patrimônio da industrialização de São Paulo. E,
principalmente, porque permitirá fazer justiça ao nome de Lucy Burgos Pereira.
O pesquisador e historiador Waldemar Barbosa, ex-funcionário da usina, explica que a
hidrelétrica foi construída a partir de 1924, com duas unidades geradoras de 35 MW, que passaram a operar em 1926 a primeira e 27 a segunda.
Ele prepara um livro sobre a usina. Em 1936 entrou em operação a terceira unidade
geradora; em 1938, outras duas e entre 1947 e 50 mais três, com 65 MW unitários. Em 1956, além da usina externa já existente, foi feita uma interna,
com seis geradores e 70 MW cada.
"De um projeto de início humilde, a usina transformou-se num complexo gigantesco cuja
concepção causa ainda hoje admiração geral. É uma incoerência permitir a ociosidade de uma usina de cerca de 900 MW, com essa previsão de falta de
energia", lamenta Waldemar.
As casas são ocupadas por 150 famílias de trabalhadores
Foto de Fábio Oliveira, publicada com a matéria
Políticos se mobilizam para preservar usina
Salvar a usina é um esforço que em sendo desenvolvido sem muito sucesso por
personalidades políticas, dentre elas o governador Mário Covas. O prefeito Nei Serra também tem interesse em preservar o patrimônio histórico
constituído pelas casas construídas no estilo inglês. Pensamento semelhante já foi manifestado pelos outros três candidatos à sucessão municipal:
Marilda Canelas, Clermont Silveira Castor e João Ivaniel de França Abreu.
Na Câmara, os vereadores José Rubens Marino, Romeu Magalhães, Deodoro Chagas, Marly
Reinoso e Maria Aparecida Pieruzzi de Souza vêm alertando para a importância de preservar o patrimônio da usina, há mais de dois anos. Marino esteve
visitando o local na sexta-feira.
"Fui informado que ainda há 150 famílias de trabalhadores da usina e seus familiares
ocupando essas casas. Mas, a minha preocupação imediata é preservar a Escola da Usina, que pode encerrar as atividades no final do ano. Concordo
inteiramente com a idéia dos antigos alunos. Se for procurado por eles, terei prazer em propor na Câmara que se dê a esse estabelecimento o nome de
Professora Lucy Burgos Pereira. Ninguém melhor do que ela para representar esse passado glorioso da Usina Henry Borden, pois centenas de moradores
da cidade e da região foram seus alunos".
Emae - Marino é amigo do presidente da Empresa Metropolitana de Águas e Energia
(Emae), Márcio Magalhães. "Ele já propôs, em meados deste ano, a abertura de negociações para municipalizar essa escola, que tem um alto padrão de
qualidade de ensino, e mais de 70 anos de idade. Ele quer também iniciar um processo junto ao Condephaat para o tombamento desse patrimônio
constituído pelas casas, que não se pode negar, fazem parte do desenvolvimento energético e industrial de São Paulo".
Segundo o vereador, "há uma grande vontade política do prefeito em resolver a questão.
Márcio Magalhães conhece bem a usina de Cubatão, pois foi superintendente de Relações Humanas da Cosipa e é antigo companheiro de trabalho de Serra,
na siderúrgica".
A professora Maria Aparecida Pieruzzi de Souza viveu parte da época áurea do bairro da
Light e tem muitos amigos que ali residiram. "Tenho a certeza que poderemos na Câmara fazer um trabalho conjunto, para preservar esse patrimônio e
fazer justiça à professora Lucy Burgos". |