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HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO - Os sambaquis
Montes de conchas contam a pré-história (4)

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Na obra Antologia Cubatense, selecionada e organizada pela professora Wilma Therezinha Fernandes de Andrade e publicada em 1975 pela Prefeitura Municipal de Cubatão, consta o relato:
 
Cubatão e seus sambaquis - uma consideração da pré-história

DUARTE, Paulo. O Sambaqui visto através de alguns sambaquis.
São Paulo, Instituto de Pré-História da USP, 1968.
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Aparentemente, são depósitos ou amontoados de conchas, mas há duas espécies desses depósitos. A dos que oferecem interesse pré-histórico, casqueiros artificiais, obras do homem pré-histórico americano e os concheiros naturais ou terraços. A designação sambaqui deve ficar reservada exclusivamente aos depósitos pré-históricos.
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Considerados restos de cozinha do homem primitivo, passaram e passam ainda como sendo uma espécie de lata de lixo da Pré-História ou um acúmulo de detritos nos quais predominam conchas de moluscos, marinhos ou terrestres, entre nós ostras e berbigões, principalmente, de mistura sempre com instrumentos de pedra e osso, esqueletos ou parte de esqueletos de animais e humanos, indícios que nos dão a certeza de não estar definitivamente decifrado o significado completo desses depósitos.

Alguns enormes, pequenas colinas espalhadas pelo litoral, riquíssimas jazidas de cálcio por causa da quantidade de conchas, há decênios vêm sendo explorados para fabrico de cal e, ultimamente, de alimento de aves, de adubos e até para pavimentação de estradas e ruas.
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Todas as pessoas medianamente cultas têm notícia do que, em linhas gerais, seja um sambaqui. Os nossos primeiros cronistas do século XVI a XVIII tiveram já a sua atenção chamada para esses depósitos, atribuindo-os ao índio aqui encontrado.

São frequentes as referências de Anchieta, Nóbrega, Fernão Cardim, Gabriel Soares, Madre de Deus, e outros, aos numerosos sambaquis do Cubatão, de Itanhaém, alguns ao lado de São Paulo e, ainda hoje, o sítio chamado Casqueiro, na estrada São Paulo-Santos, conserva esse nome por causa dos sambaquis espalhados pelo Engá-Guaçu, que é toda a baixada do Cubatão e Santos, área colmatada de parte do Paleoarquipélago de alguns milhares de anos, entre o oceano e a Serra do Mar.

Centenas de sambaquis foram destruídos durante os nossos quase cinco séculos de História. Até o século passado (N. E.: século XIX) a sua exploração se fazia para o fabrico de cal. Toda as igrejas coloniais do litoral e muitas do interior, todos os velhos solares coloniais do Brasil foram, de modo geral, feitos com cal de sambaqui.
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Entrada do que parece ser o forno de calcinação, em sambaqui na Ilha do Casqueirinho
Foto: Cesar Cunha Ferreira, foto-geógrafo, 9/8/2004

O aspecto mais lastimável do armazenamento dos nossos casqueiros está no fato do seu aproveitamento científico poder ser feito sem nenhum prejuízo do interesse industrial. Isso não foi ainda compreendido, inconsciente ou propositalmente, nem pelos que os exploram nem pelos poderes públicos que jamais os vigiaram. A pesquisa científica é lenta, não há dúvida, mas o que esta retira do sambaqui não representa nem 3% do seu conteúdo, cujo material calcário pode ser integralmente aproveitado para a indústria ou para o comércio.

Datam de há menos de 15 anos as primeiras providências governamentais atinentes à defesa dos sambaquis. Assim mesmo, em legislação federal sobre o assunto, legislação rigidamente aplicada somente em São Paulo.
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Em 1928, Paul Rivet, que começava a lançar as concepções mais modernas sobre as migrações humanas primevas para a América, visitou, no Brasil, alguns sambaquis do Rio de Janeiro e de São Paulo. Ao remexer um sambaqui do Cubatão, aonde o levara Rodolfo von Iehring, outro estudioso, filho de Hermann von Iehring, que deu forma científica ao Museu do Ipiranga, Rivet ficou impressionado com o que viu e com a indiferença governamental.

"A exploração científica dos sambaquis do litoral brasileiro" - escreveu então o grande americanista francês - "apresenta enorme interesse, como verifiquei pessoalmente, visitando os sambaquis de Cubatão, perto de Santos" (...) "Um estudo sistemático desses depósitos" - conclui Rivet - "forneceria seguramente dados capitais para a solução do problema das origens do Homem Americano".
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A atividade normal dos sambaquis terminou bem antes da chegada dos colonizadores europeus. Possivelmente o Homem do Sambaqui - que não teve olaria ou cerâmica, nem arco e flecha, talvez - tivesse sido esmagado por recém-chegados das migrações neolíticas, mais bem armados, portadores de uma cultura mais avançada.
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A nosso ver, o sambaqui nunca foi moradia. A povoação devia estar ao lado, pouco distante, nas elevações circunvizinhas, aí é que devem ser procurados os vestígios de habitação e de vida mais sedentária.
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Mas, até prova contrária, podemos supor que o homem que construiu os sambaquis dos arredores de Santos, da região de Iguape e Cananéia, viveu nesses lugares, entre 2 a 10 mil anos; ignorava a olaria, a agricultura, a domesticação normal de qualquer espécie, mesmo o cão, que os índios atuais conhecem. Vivia principalmente da pesca e da apanha, e muito pouco da caça. Não possuindo instrumentos mais potentes de arremesso, talvez nem mesmo o arco e o propulsor, a caça de animais grandes, como o tapir, a onça, certamente por meio de armadilha. A presença da baleia explica-se pela frequência com que este cetáceo encalhava nas nossas praias, fato muitíssimo registrado ainda nos séculos XVI e XVII.
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O sambaqui seria pois um centro social múltiplo, local de reunião coletiva, a grande sala de estar do clã, monumento totêmico do Homem PaleoAmericano, (o grifo é nosso) cuja localização não se fazia ao acaso, mas consoante certas condições impostas até ou principalmente por fatores mágicos. Monumentos funerários, sim, mas não necrópole ou sepultura apenas, mas jazigo, túmulo de indivíduos de destaque, poucos ou muitos, chefes de grandes clãs e, possivelmente, até das tribos, dos quais poderiam ter-se originado os nossos índios ou, mais provavelmente, foram por estes destroçados. As alegrias e as tristezas coletivas aí se comemoravam.
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Ademais, há muito admitíamos a ideia do Homem do Sambaqui, que não conheceria o arco nem conhecia a cerâmica, ter sido esmagado por grupos de cultura superior chegados milênios depois dele, grupos que seriam os ascendentes de alguns dos nossos índios ou pelo menos de alguns deles, melhor armados, mais evoluídos, vindos talvez pelo Pacífico, do Norte ou do centro, por outras migrações asiáticas e não siberianas ou mesmo polinésicas.

Certas observações etnológicas reforçam a suposição. Os botocudos eram o único grupo primitivo hostilizado por todos os outros grupos primitivos aqui encontrados pelos portugueses. Eram mesmo chamados de Tapuia, quer dizer, o Inimigo. Ademais, antropologicamente, os crânios botocudos, como notou Rivet, têm muitos caracteres comuns com os de Lagoa Santa e com os encontrados em sambaquis.

Pode mito bem ser que os botocudos sejam os últimos descendentes diretos do Homem do Sambaqui destruído por índios chegados posteriormente, mais avançados e mais armados.

Os botocudos, que os colonizadores e os brasileiros do século XIX conheceram - data do fim do século passado (N.E.: século XIX) a sua extinção - usavam o arco e a flecha e sabiam cozer a argila, o que o Homem do Sambaqui ignorava, mas teriam adquirido esses elementos por aculturação, pois é sabido que as influências se exercem não só do vencedor para o vencido, senão também do vencido para o vencedor, e, neste último caso, até mais profundamente, porque penetram por contágio, sem imposição coercitiva.

É o caso de muitos sambaquis terem sido usados pelo índio como cemitério, fenômeno frequentemente observado nas camadas superiores dessas jazidas.


Parede interna do possível forno, em sambaqui na Ilha do Casqueirinho,
disposta em forma circular e construída com pedras sobrepostas
Foto: Cesar Cunha Ferreira, foto-geógrafo, 9/8/2004

Nota complementar

Atendendo gentilmente a pedido nosso, o Dr. Afonso Bueno de Moraes Passos, prof. de Pré-História da USP e da Faculdade e Filosofia, Ciências e Letras de Santos, também representante, no Estado de São Paulo, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (do MEC), enviou-nos atualizadas informações sobre os sambaquis da Ilha do Casqueirinho.

Para averiguar rumores de existência de sambaqui, o Dr. Afonso de Moraes Passos, experiente conhecedor da Pré-História, foi examinar o local, de propriedade da Cia. Docas de Santos. Realmente, encontrou logo um sambaqui e teve notícia de outro, na mesma ilha.

O prof. Dr. Paulo Duarte, que foi seu antecessor no cargo do IPHAN há alguns anos atrás, está agora judicialmente contra a exploração comercial do sambaqui, tendo, em consequência, cessado a ação criminosa de destruição. O prof. Passos pediu licença ao IPHAN, para explorar o sambaqui cientificamente, o que lhe foi concedido, pelo ofício nº 1.178 de 12 de maio de 1972.

O prof. Passos visitou frequentemente o local, mas devido a seus compromissos em todo o Estado, entregou a escavação ao seu colega de Pré-História na USP, prof. André Porus-Poirier.

Vários esforços foram centralizados para permitir o estudo metódico do sambaqui, que se localiza em zona industrial, em sítio próximo ao porto da Cosipa. Após as entrevistas com os presidentes da Cosipa e da Cia. Docas de Santos, foram dadas autorizações por essas duas empresas: a primeira para que se realizassem escavações por essas duas e a segunda para o necessário trânsito por dentro de sua propriedade.

Essas medidas preliminares foram conseguidas, após várias providências do Prof. Passos. A Prefeitura Municipal de Cubatão ofereceu trabalhadores braçais todas as vezes que isso fosse necessário, o que de fato ocorreu várias vezes. Os alunos do curso de Pré-História da USP colaboraram trabalhando na parte de pesquisa, sob a orientação dos dois professores. Também trabalha nela o Dr. Guy Collet e sua equipe. As escavações iniciaram-se no sambaqui, a 21 de outubro de 1972 e ainda não foram terminadas, estando agora, janeiro de 1975, próximas do final.

Infelizmente, devido à desordem provocada pela exploração econômica, embargada pelo IPHAN, poucos achados foram feitos. Foram descobertos conchas, pontas de flecha em osso, vários instrumentos líticos, ocre, restos de fogueiras e dois fragmentos de ossos humanos.

O problema da datação ainda não foi definitivamente resolvido.

E interessante é que durante os trabalhos de escavações foram descobertos mais quatro sambaquis, o que eleva para cinco o total de sambaquis conhecidos na Ilha do Casqueirinho.

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