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HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO
Região empobreceu com o ciclo do ouro

No livro O Caminho do Mar - Subsídios para a História de Cubatão, editado pela Prefeitura Municipal de Cubatão em 1973 (1ª edição), a autora Inez Garbuio Peralta relata os reflexos do ciclo do ouro em Minas Gerais sobre a comunidade cubatense:


A SEGUNDA LOCALIZAÇÃO DO POVOADO JUNTO AO ATUAL VIADUTO DO RIO PEREQUÊ - Instigados pelos franceses da Guanabara, os índios do Vale do Paraíba promoveram freqüentes ataques aos portugueses de São Vicente no Caminho do Ramalho, causando o seu progressivo abandono e definitiva extinção, em 1560. Somente então floresceu a segunda localização do povoado de Cubatão, junto ao atual viaduto do Rio Perequê, que fora batizada por Martim Afonso com o nome de Porto de Santa Cruz
Foto e legenda: O Caminho do Mar - subsídios para a história de Cubatão

Estagnação do povoado - reflexos da capitania

Tendo a capitania de São Vicente, desde o início, atraído o interesse dos colonizadores do Brasil - tanto que Martim Afonso de Souza e sua gente estabeleceram-se na "costa do ouro e da prata", isto é, no Sul do Brasil -, não há dúvida que a região alentou grandes esperanças em seu donatário. O grande objetivo de Martim Afonso era transformar São Vicente, porto de escravos, em porto de ouro (1).

Buscando a metrópole portuguesa uma balança favorável dentro dos cânones do mercantilismo, interessou-se desde logo pela descoberta de metais preciosos. Assim sendo, logo após sua chegada, Martim Afonso enviou ao interior duas expedições à procura de ouro, embora nenhuma tenha atingido seu objetivo.

Sem o encontro de metais nobres, a colonização de Santos e São Vicente processou-se lentamente e pobremente.

Várias foram as causas aventadas para explicar a pobreza da capitania, como por exemplo a falta de produtos para os navios retornarem à Europa (2).

Diante dessa circunstância, era lógico que o desânimo do donatário de São Vicente logo se manifestasse, embora tivesse enviado alguns recursos, colonos, gado e ferramentas para a capitania. Assim, tão logo apresentou-se-lhe a oportunidade de doar sesmarias, de imediato quis outorgar toda sua terra ao seu parente, o Conde de Castanheira (3).

Embora a capitania de São Vicente fosse também uma ponta-de-lança em direção às terras espanholas, além do Meridiano das Tordesilhas, viu-se abandonada até a descoberta das minas de Cuiabá e Goiás, cujo ouro era exportado ao exterior pelo porto de Santos (4). Por conseqüência, também Cubatão ficou estagnado, até essa ocasião.

Despovoamento de São Paulo - Ciclo do ouro - Um dos fatores e talvez o mais importante do despovoamento de São Paulo, já sobejamente apontado, foi a descoberta do ouro.

As bandeiras que partiam para Minas Gerais em busca do ouro fomentaram, pois, um ciclo despovoador e não povoador de São Paulo, como ensina Capistrano (5). Esse despovoamento, que havia se iniciado com o apresamento de indígenas, intensificou-se com o início da mineração.

As investidas em busca do ouro, ou de melhores perspectivas de riqueza, aumentavam a decadência da capitania.

Embora a migração em direção às Minas proviesse de várias regiões, inclusive da metrópole, São Paulo parece ter sido a região mais atingida se considerarmos o seu número relativamente baixo de habitantes: cerca de 70% da população brasileira concentrava-se no Nordeste, região açucareira.

Roberto Simonsen, em sua conhecida obra, História Econômica do Brasil, registra em 1690 uma população brasileira livre de 100.000 habitantes. A capitania de São Paulo contava nessa época com 15.000 habitantes; a maioria de suas vilas orçavam entre 30 e 500 almas, enquanto Santos e S. Vicente juntas chegavam a 1.500. Piratininga possuía então cerca de 3.000 habitantes (6).

Como se vê claramente pelos números apresentados, o empreendimento aurífero era grande demais para tão poucos homens. Ao saírem para as minas, esses homens deixavam seu povoado abandonado.

Mafalda Zemella, em sua tese sobre o abastecimento das Minas Gerais, descreve de forma bastante marcante a situação de Piratininga, afirmando: "O vilarejo de Piratininga despojou-se da nata de seu potencial humano. Os elementos mais vigorosos e ativos emigraram. Transformou-se numa cidade fantasma, de janelas e portas fechadas, ruas desertas" (7).

A fuga de braços para as Minas Gerais contribuiu para a estagnação de São Paulo. Ela se manifestou em todos os setores da vida, até mesmo as igrejas da Capitania eram simples e pobres, comparadas com as da Bahia - região a respeito da qual se dizia que não havia dinheiro miúdo.

A pobreza da agricultura e a falta de artigos exportáveis provocaram a fuga de moedas para outras regiões. Os inventários feitos até meados do século XVII dão bem a idéia da pobreza paulista, comparada com a riqueza das regiões açucareiras do Nordeste (8).

Essa miséria vinha desde o século anterior. Alcântara Machado chegou a afirmar que "dos 400 inventários seiscentistas há apenas vinte e um que denotam alguma abastança" (9).

As atas da Câmara freqüentemente pedem isenção de impostos e ajuda para diminuir a pobreza da capitania. Existia na Capitania apenas uma policultura de subsistência e pequenos rebanhos (10).

Cassiano Ricardo afirmou que aos paulistas "faltavam-lhes bens de fortuna para aquisição de maior conforto, num sentido de civilização, mesmo considerada apenas em seu aspecto físico" (11).

Contudo, a alimentação era sadia, possibilitando aos bandeirantes bons músculos e bons ossos para as longas caminhadas (12).

Os primeiros capitães-generais da Capitania de São Paulo, após sua restauração, confirmam sua penúria e tentaram desenvolvê-la através do incentivo à agricultura.

Isolamento de São Paulo - Escoamento do ouro pelo Vale do Paraíba - Seria de se esperar no entanto que, após o primeiro impacto negativo, da descoberta do ouro, o fato redundasse em progresso para São Paulo. Ocorreu o inverso. Descoberto o ouro em Minas Gerais e em Goiás, o mesmo era transportado para o Rio de Janeiro pelo vale do Paraíba e porto de Parati. Os caminhos de São Paulo, difíceis e perigosos - principalmente o caminho da serra e a passagem Cubatão-Santos - foram substituídos ou abandonados devido à valorização de outros caminhos.

Começaram a se desenvolver Taubaté e os portos mais próximos da zona de mineração, sendo ainda abertos caminhos mais rápidos que levavam direto - sem passar pela Capitania de São Paulo - o ouro das Minas, para o Rio de Janeiro.

Até mesmo os governadores paulistas passaram a fixar residência próxima à zona de mineração, na atual cidade de Mariana.

A Capitania de São Paulo tinha sido não só praticamente abandonada como também isolada do foco do desenvolvimento que eram as Minas Gerais, devido à utilização do Vale do Paraíba como escoadouro do ouro para o Rio de Janeiro.

Em 1709, chegou mesmo José de Góis Morais a propor a compra da Capitania de S. Paulo e São Vicente por 40.000 cruzados, no que não consentiu D. João V, comprando a mesma por esse preço. São Paulo passou nessa época a ser Capitania independente e Piratininga substituiu S. Vicente como sede, sendo elevada à categoria de cidade (13).

São Paulo teve o mérito da descoberta do ouro e sofreu os prejuízos deste fato, sem, contudo, usufruir seus benefícios.

Só restava o golpe oficial para acabar com a capitania, e esse chegou em 1720, quando a Coroa Portuguesa resolveu, para facilitar a administração, separar as Minas Gerais da Capitania de São Paulo.

O povoado de Cubatão, solidário à sorte da capitania de São Paulo, de cujo desenvolvimento dependia, continuava estagnado. Tomemos aqui ainda a afirmação de Mafalda Zemella, quando se refere à situação de penúria e despovoamento a que chegara Piratininga: "O mesmo aconteceu a Taubaté, Guaratinguetá, Itu, Jacareí, Mogi das Cruzes, Atibaia, Jundiaí, Parnaíba, Santos e demais vilas vicentinas" (14).

O paulista não esmoreceu; pelo contrário, cerceado em seus interesses em uma direção, transferiu-se para outra em busca de novas riquezas.

Progresso momentâneo e rápida decadência - Logo após a separação de Minas do território de sua capitania, os paulistas descobriram jazidas de grande importância em Mato Grosso e Goiás (1725), incorporando-as à Capitania de São Paulo.

Sendo extremamente difícil, longo e perigoso o transporte do ouro das novas regiões mineiras para o Rio de Janeiro via São Paulo, preferiu-se uma saída melhor pela Bacia do Amazonas. Este fato seria novamente pernicioso para a capitania de São Paulo, pois afastaria as regiões auríferas de sua sede (15). Assim, em 1744, Mato Grosso e Goiás passaram a capitanias independentes, desligando-se de S. Paulo (16).

Os paulistas já haviam realizado também a penetração em direção ao Sul do território, na conquista de São Pedro do Rio Grande do Sul - que, desde 1736, fora separada da administração paulista. A capitania perdia assim mais uma de suas regiões arduamente conquistadas.

A cada conquista dos paulistas se sucedia novo cerceamento, logo após a consolidação de tal empreendimento.

Aqueles que palmilharam o território nacional, realizando épica marcha para Oeste, escavando as riquezas do solo que engrandeceram a nação e a Corte portuguesa, expandindo as fronteiras do Brasil, trouxeram para a sua capitania, São Paulo, o abandono e a miséria. Trouxeram? Não. Deixaram (17).

A miséria era comum em todas as vilas, que viviam da venda de mantimentos - que dava apenas para se vestirem e comprarem o sal.

Os moradores da beira-mar, São Sebastião e Ubatuba, viviam da pesca, de fumo, águas-ardentes que vendiam no Rio de Janeiro e ainda da plantação de mandioca que dava para se manterem. Os de Santos estavam em situação um pouco melhor devido à existência do porto onde desembarcavam as fazendas provenientes do Rio de Janeiro, e porque ali se armazenava o sal, como também por conseguirem monopolizar a exportação em algumas épocas.

Os moradores das vilas de São Vicente, Itanhaém, Iguape e Cananéia levavam uma vida também miserável, pois praticavam a pesca, produziam alguma farinha e mandioca e extraíam a madeira para venderem aos navegantes (18).

E o povoado de Cubatão, era melhor sua sorte? Certamente não: deveria viver tão pobremente como os demais, vendendo fumo, aguardente, como a maioria das vilas, além de explorar a navegação por barcas.

Cubatão permanecia, pois, um mísero e inexpressivo povoado, seguindo a sorte da capitania. O destino de Cubatão, estando ligado ao da capitania, se encontrava, guardadas as proporções, na mesma situação que São Paulo.

A decadência e desvalorização da capitania de São Paulo se acentuava cada vez mais, chegando mesmo a se tornar, em 1748, simplesmente uma comarca do Rio de Janeiro, passando a ser governada pelo comandante da praça de Santos (19).

Essa situação durou mais de quinze anos, quando recobrou sua independência e passou a ser governada por D. Luiz Antonio de Souza Botelho Mourão, o Morgado de Mateus, que permaneceu no governo da capitania de 1765 a 1775 (20).

Este governador teve uma atuação decisiva na transformação e progresso de São Paulo pelo incentivo que deu à agricultura, intensificando a cultura da cana-de-açúcar. Imbuído dos ideais pombalinos (21), ele conseguiu dar à capitania uma posição de destaque no cenário colonial.

O comércio para o porto de Santos passou a ser feito através de Cubatão, que atingiu, na época de euforia açucareira da capitania - primeira metade do séc. XIX - o auge de seu desenvolvimento.

Notas bibliográficas:

(1) Roberto Simonsen - História Econômica do Brasil, 6ª ed., São Paulo, Ed. Nacional, 1969, p.205 e nota 3.

(2) Ibid, p. 206.

(3) Cassiano Ricardo - Marcha para Oeste, 4ª ed., Rio de Janeiro, Ed. USP e José Olympio, 1970, p. 12.

(4) Roberto Simonsen - op. cit., p. 206.

(5) J. Capistrano de Abreu - Capítulos de História Colonial & Os Caminhos Antigos do Povoamento do Brasil, Brasília, Ed. da U. Brasília, 1963, p. 264. "Concorreram antes para despovoar que para povoar nossa terra...".

(6) Roberto Simonsen - p. 228.

(7) Mafalda P. Zemella - O abastecimento da Capitania de Minas Gerais no século XVIII, São Paulo, 1951 (Boletim da Cadeira de História da Civilização Brasileira, USP), p. 37.

(8) Roberto Simonsen, op. cit. p. 217.

(9) Alcântara Machado - Vida e Morte de Bandeirante, p. 19, apud. Cassiano Ricardo - Marcha para Oeste, 4ª ed., São Paulo, Ed. USP e J. Olympio, 1970, p. 152.

(10) Myrian Ellis - As Bandeiras na Expansão Geográfica do Brasil, p. 281 e sgs. in História da Civilização Brasileira, vol. I - A Época Colonial, sob a direção de Sérgio B. de Holanda, São Paulo, 1963.

(11) Cassiano Ricardo - Marcha para Oeste, p. 153. A situação depauperada da capitania de São Paulo é tratada ao longo do cap. V, com farta documentação.

(12) Idem, ibid. p.40.

(13) Simonsen - op. cit., p. 232.

(14) Mafalda Zemella - op. cit. p. 37.

(15) A ligação entre São Paulo, isto é, Porto Feliz e Cuiabá, era longa, demorada e penosa: seguia-se pelos rios Tietê, Paraná, Pardo, Coxim, Taquari, Paraguai e São Lourenço. Esse percurso demorava nada menos de cinco meses, tempo empregado na navegação de Lisboa à Índia. Nem todos chegavam: a maioria ficava pelo caminho, com suas barcas e suas despesas, quer vitimados pela febre, quer por naufrágios. Sendo assim difícil, perigosa e demorada a viagem, os bandeirantes tentaram um outro roteiro, em direção ao Norte via Bacia Amazônica, seguindo os rios Araguaia, Tapajós até o Madeira, para chegar ao porto de Belém. Para maiores esclarecimentos, veja-se Sérgio B. de Holanda - As Monções, in Hist. Geral da Civ. Bras., I - A Época Colonial - S. Paulo, 1963, e R. Simonsen - História Econômica do Brasil, p. 230.

(16) Capistrano de Abreu afirmou que essas regiões tiveram que se desligar de São Paulo para não sucumbirem. Op. cit. p. 265.

(17) Em troca de tão arriscada empresa, verdadeiramente heróica, os bandeirantes elevaram bem alto o nome de sua terra, caracterizando seu povo como um povo arrojado, empreendedor e progressista - o que o caracteriza até hoje. A tenaz sagacidade dos bandeirantes construiu um Brasil muito mais amplo do que as fronteiras de Tordesilhas, que foram por eles definitivamente estraçalhadas. Não construíram São Paulo, mas construíram o Brasil.

(18) Simonsen - Hist. Econ. Brasil, p. 232.

(19) "...o ouro do sertão arruinava São Paulo e reduzia-o à miséria, tanto que tiveram seus filhos de suportar a própria perda da autonomia, ficando inteiramente subordinados ao governo do Rio de Janeiro por um período de mais de quinze anos". Sérgio B. de Holanda - As Monções, in Hist. da Civilização Brasileira, I, A Época Colonial, Dif. Europ. do Livro, São Paulo, 1963, p. 310.

(20) Primeiro capitão-general da Capitania de São Paulo após sua restauração, desligando-se do Rio de Janeiro. Esteve à testa do governo de junho de 1765 a junho de 1775. Portugal temia perder a Capitania de São Paulo para a Espanha, por isso anulou a provisão de 1748 que unia a capitania de São Paulo ao Rio de Janeiro. Cf. Américo Brasiliense Antunes de Moura - Governo do Morgado de Mateus no Vice-Reinado do Conde da Cunha, separata da Revista do Arquivo Municipal nº III, São Paulo, 1938.

(21) Política econômica objetiva e realista do Marquês de Pombal - "déspota esclarecido". Este, desde o início do seu governo, voltou suas idéias e atividades para os domínios ultramarinos de Portugal, visando seu rápido progresso para possibilitar maior rendimento à Coroa.

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